Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 12 de janeiro de 2014

Lutando por justiça e pelo direito de fazer justiça

Domingo, 12 de janeiro de 2014
Mônica Francisco*
Do Jornal do Brasil
Mônica Francisco
Mônica FranciscoJustiça. Esta tem sido uma das palavras mais ditas nestes últimos tempos. Para quem sente a opressão baforando no cangote então, ela está na boca do povo, literalmente. Todos sabemos que a justiça é o sentimento abstrato mais desejado, talvez faça briga apenas com o amor no ranking.E por ser tão desejado, era de se esperar que nas camadas mais vulneráveis ela ainda fosse mais evidente em sua materialização. Ainda mais nas áreas ocupadas militarmente pelo estado.

Durante vinte e seis anos o Posto Avançado da Ordem dos Advogados do Brasil funcionou na favela do Borel. O posto chamava-se Lida Monteiro em homenagem a secretária morta pelo Regime Militar em um atentado contra a sede da OAB. Com sessenta anos, ela abriu uma carta bomba no dia 27 de Agosto de 1980.


O posto Lida Monteiro foi fechado após a ocupação que precedeu a instalação da UPP. O posto funcionava com uma advogada titular e estagiários.Além do posto do Borel, existiam outros postos que também foram fechados, eles funcionavam nas favelas da Rocinha;Nova Holanda; Coroa. Em Barra do Piraí, e Bangu, além de um posto especial para atendimento aos menores,o Papi.

No caso do Borel,a advogada Zoraide Vidal,que atuava há 26 anos no posto,já atuava mediando conflitos surgidos entre jovens e policiais.A advogada passou a atuar em trabalho burocrático, deixando uma lacuna nas ações ligadas ao direito na favela.Eu mesma, em uma das edições do Fórum Nacional no BNDES, perguntei ao presidente da OAB no Rio de Janeiro, Wadih Damous,o porquê do fechamento dos postos. Sua resposta foi que a Ordem dos Advogados não tinha mais como arcar com os postos.Lamentável.



Zoraide Vidal
Zoraide Vidal
Em um momento em que a sensação de preservação do direito individual e coletivo das margens em nossa sociedade se fragiliza cada vez mais, é lamentável que aprovemos ou deixemos passar despercebido este fato. Fora da favela, Zoraide teve sua filha assassinada brutalmente na flor da idade e grávida. Para ela, voltar à favela e trabalhar é como uma terapia. “Infalível” em suas palavras.

Os postos avançados eram uma ousadia. Uma aliança clara entre a justiça e os que realmente precisavam dela.Hoje a ousadia cede aos caprichos do capital.Prefiro pensar assim.Até pela história da OAB neste país,e o histórico atual que inclui a participação primorosa nas manifestações, nas remoções e outras tantas arbitrariedades dos poderosos.

Importante é afirmar que com uma demanda cada vez crescente de uma atuação séria por parte da justiça,Zoraide não entende o porquê de mais polícia nas favelas. Desta forma, perder profissionais experientes e que, mais do que isso,já atuavam nas favelas em tempos difíceis, é no mínimo uma grande insensibilidade. A advogada me informou de que outros advogados que atuavam nos postos,chegaram ao ponto de entrarem com uma ação na justiça para voltarem a atuar nas favelas e pela reabertura dos postos. Para a advogada, estão “lutando por justiça pelo direito de fazer justiça”.

"A nossa luta na favela é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à gentrificação e a REMOÇÃO e a INJUSTIÇA!"

* Mônica Francisco é representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Licencianda em Ciências Sociais pela UERJ.