Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Em nome da democracia

Sexta, 14 de fevereiro de 2014

Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania*
O direito à liberdade de expressão é fundamental para a existência da democracia. Tão fundamental quanto o direito de acesso a informações confiáveis pela população. Contudo, há confusão com relação à liberdade de expressão. Recentemente, ouviu-se da apresentadora do noticiário de um canal de TV o apoio à “justiça feita com as próprias mãos” pela população, ou seja, o apoio ao julgamento sumário pela turba incontrolável de um suposto criminoso, com a imediata aplicação de pena. Ela argumenta que sua posição é respaldada pela liberdade de expressão.
Nada é dito sobre a responsabilidade no uso da liberdade de expressão. Seria um uso correto para esta liberdade, por exemplo, pregar o extermínio de grupos humanos devido à etnia, à opção sexual ou à opção religiosa? Usar este direito de forma errada é exatamente o que a apresentadora faz. Ela incita a população para a execução de crimes. O julgamento e a execução de penas, sem ser através de órgãos do Estado, por mais que este Estado esteja capturado por grupos, são crimes.
Um caso de manipulação das informações é os Estados Unidos serem citados frequentemente como exemplo de democracia no mundo. Eles são um país que, só agora, se esforça para ter um sistema de saúde mais próximo do universal. Assim, não pode ser considerado como exemplo de democracia. Exemplos de sistema de saúde universal, que funcionam, são os da Inglaterra e de Cuba.
Continuando com casos de manipulação de informações, Cuba é sempre citada como uma ditadura. Neste país, não há o multipartidarismo e, assim, nas eleições para a escolha do dirigente máximo, sempre só há um candidato. Também, para a escolha de cargos eletivos lá, só concorrem candidatos do partido único existente. No entanto, creio que o governo de Cuba satisfaz melhor aos interesses do povo cubano do que o governo dos Estados Unidos satisfaz aos interesses do povo estadunidense.
Isto porque os governantes dos Estados Unidos são escolhidos a partir de dois candidatos com grande afinidade de pensamentos, muito bem maquiados por marqueteiros e camuflados pela mídia para aparentar existirem grandes diferenças entre eles. Graças à democracia estadunidense, a sequência de governos deste país levou 10% da população a possuir 50% da sua riqueza.
Em Cuba, há carência generalizada de bens por causa do bloqueio econômico desumano contra a ilha imposto pelos Estados Unidos, desde 1959. Por um bloqueio de duração muito menor, o governo racista da África do Sul entregou o poder. A permanência do grupo, que detém o poder em Cuba, durante estes 55 anos de bloqueio, apesar das agruras sofridas pela população e de toda sublevação que a CIA busca conseguir, é a prova cabal que este governo satisfaz ao seu povo.
Foi emocionante ver todos os chefes de Estado ou de governo das Américas, excetuando os dos Estados Unidos e do Canadá, durante a recente II Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (II CELAC), ocorrida exatamente em Cuba, prestigiarem este país com total repúdio ao vergonhoso bloqueio econômico imposto. Aliás, sobre esta II CELAC, foi impressionante também o sumiço das notícias no Brasil, imposto pela mídia do capital. Nosso povo praticamente não foi informado da existência deste evento, apesar de toda sua representatividade.
Outro caso de abuso da liberdade de expressão é quando o presidente da FIESP inaugura um contador dos impostos já cobrados pelo governo no ano, até a data, para demonstrar a sua discordância com relação à grandeza dos impostos existentes. Ele não menciona que uma boa parte destes impostos é utilizada para pagar os juros da dívida, inclusive, a uma das maiores taxas do planeta. Ele justifica o “excesso” de arrecadação como sendo necessário para satisfazer ao esbanjamento dos recursos públicos realizado pelo atual governo, do qual ele é opositor.
O agravante com relação ao seu discurso é que a entidade que ele representa, a FIESP, e as entidades a ela associadas, quais sejam, todas as federações das indústrias do Brasil inteiro, a Confederação Nacional da Indústria, o SESI, o SENAI e o SEBRAE, são mantidos através de impostos repassados pelo governo para estas entidades patronais das indústrias. Para ser coerente, visando começar a diminuir os impostos, a FIESP não deveria mais receber o repasse de impostos que o governo proporciona.
Expressão livre, que não é coerente com a expressão do mesmo interlocutor ao longo do tempo, é, no mínimo, uma expressão cheia de suspeição. Talvez, ela seja livre só para manipular aqueles a serem enganados. O candidato Eduardo Campos participou do governo Dilma, indicando ministros e outros servidores para os mais altos cargos, dando opiniões, sugerindo posições e, a oito meses da eleição, descobre que muito do que foi feito estava errado. Assim, ele deveria começar seu discurso atual dizendo: “Errei quando, junto com a presidente Dilma, fiz isto e aquilo”. Seria bastante honesto.
Finalizando, o prêmio máximo da dissimulação e busca de manipulação do povo, um verdadeiro escárnio ao direito de recebimento de informações fidedignas, cabe à mídia do capital, aquela que mantém nossa sociedade controlada, entendendo erradamente o que se passa e votando, via de regra, contra si própria. É dificílimo construir uma democracia e a consequente sociedade minimamente justa com a atual mídia de interesses escusos. Por isso, para crescimento da sociedade brasileira, uma lei de mídia socialmente comprometida urge ser aprovada.
  
*Este artigo foi veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 13/02/14