Sexta, 14 de fevereiro de 2014
Por Siro Darlan, desembargador do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.
Em agosto de 1943 Mandela participou de
seu primeiro ato político. Na comunidade de Alexandra, em Johanesburgo, onde
morava protestou com mais dez mil pessoas contra o aumento das tarifas de
ônibus que passou de quatro para cinco pences. Essa manifestação ocorreu num
regime autoritário, de opressão e discriminação racial. No Brasil, 71 anos
depois, em plena democracia, num governo eleito com base em sua história de
manifestações publicas e compromissos sociais de vanguarda, as manifestações
publicas são violentamente reprimidas, os movimentos sociais criminalizados e
os cidadãos são presos, agredidos e perseguidos.
O que separa esse movimento popular de
Alexandra do que ocorre no Brasil e a eleição da violência policial como forma
de reprimir os protestos e a resposta igualmente violenta que vem recrudescendo
as relações entre o povo insatisfeito e o governo insensível que ora recua
fingindo atender aos reclamos populares, ora avança atendendo aos interesses
dos avaros empresários que financiam suas aspirações políticas. A violência
nunca é o melhor caminho de resolução dos conflitos sociais. Mas é fácil
verificar que o próprio reconhecimento pelas autoridades policiais de seu
desprezo para enfrentar essa modalidade de manifestações populares e o uso
indiscriminado da violência contra o povo é o responsável pelos atos de
respostas violentas.
Ora, se o Prefeito que há seis meses
havia recuado na sua intenção de aumentar as passagens em níveis acima da
inflação e das necessidades de financiamento dos serviços, anuncia sem qualquer
justificativa um aumento acima da inflação e ainda chama de “filhinhos da
mamãe” os jovens que solidários ao povo trabalhador participam dos protestos.
Senhor Prefeito, “filhinho de mamãe” são aqueles que ficam em casa assistindo
televisão, comendo “danoninho” e sonhando em ocupar um cargo publico.
Aos que não entendem as razões de um
protesto contra o aumento das tarifas de transporte, Mandela responde que, no
seu caso, essa despesa representava 22% de seu orçamento, e que além do
transporte ele, assim como todos os assalariados, tem despesas com moradia,
vestuário, alimentação, etc… E Mandela ainda não tinha filhos, mas a maioria
dos trabalhadores brasileiros tem em abundância e filhos precisam de escolas,
transportes, vestimenta, alimentação.
A doutrina da não violência é sempre a
mais inteligente e deve prevalecer sempre, mas a tentativa do Congresso e das
autoridades de segurança pública de calar pela coação e por leis de exceção as
manifestações populares deve ser combatida pelos democratas.
Afinal, diante desse mar de corrupção
em todos os setores públicos, da ausência de políticas públicas que privilegiem
a educação, a saúde, o saneamento básico, a saúde, o transporte, do terrorismo
policial que entra nas comunidades pobres matando inocentes trabalhadores, ou
mesmo meliantes, ofensas aos direitos humanos, indignidades e momentos de
insanidade administrativa, não há como não alimentar uma cólera, uma rebeldia,
um desejo de lutar contra o sistema que aprisiona o povo às mais miseráveis
condições de falta de respeito à dignidade da pessoa humana.
Diante dessas condições tão adversas,
sobretudo a juventude, não consegue agir de forma diferente a não ser sonhar a
mudança desse sistema político que mantém tão covarde desigualdade social, com
o esmagamento dos valores humanos pelos interesses argentários de empresários e
setores da mídia que insistem em manter esse apartheid social.