Quinta, 27 de fevereiro de 2014
“Internet é, ao mesmo tempo, um instrumento insuperável de liberdade e de controle”, diz o pesquisador.
Foto: awebic |
A compra do WhatsApp pelo Facebook na última semana, no valor de 16 bilhões de dólares, pode ser compreendida como uma “aposta da empresa Facebook numa próxima fase evolutiva da TI que asfixiaria o mercado de PCs
programáveis em favor de tablets e smartphones, esses mais facilmente
controláveis pelo fabricante. Tal aposta se alinharia com a estratégia
dos globalistas infiltrados na TI determinados a acabar com a autonomia da computação pessoal programável”. A avaliação é de Pedro Rezende, professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília.
Autor de inúmeros artigos sobre
criptografia, segurança na informática, software livre, revolução
digital, epistemologia da ciência, Rezende esclarece, em entrevista concedida à IHU On-Line
por e-mail, que “os computadores pessoais universalmente programáveis
representam um risco para a agenda globalista muito maior do que para o
usuário comum, pois iniciativas inovadoras desenvolvidas
colaborativamente em regime de licenciamento permissivo, tais como o
software livre e seus emblemáticos navegadores web, podem atrapalhar a
implantação de um regime de vigilantismo e controle social máximos
necessário ao ambicionado hegemon”.
De acordo com o pesquisador, apesar de a rede ser composta por “vários monopólios”, há uma cartelização “fortuita ou ocasional”. Mas o “nome do jogo”, adverte, “é controle”. E explica: “O que as revelações de Snowden
denunciam, no fundo, é uma parte essencial de um plano ofensivo de
guerra cibernética posto em marcha para implantar um regime dominante de
vigilantismo global, a pretexto do inevitável jogo de espionagem das
nações, nele camuflado como combate ao terrorismo, cibercrime, etc.”.
Para ele, essa disputa tende a “recrudescer”
e, na conjuntura atual, “as batalhas ainda são pelo controle
consentido; estas são travadas no front psicológico, onde a vaidade e o
fetichismo funcionam como boas iscas, atraindo, por exemplo, o atual
sucesso de redes sociais, e onde os medos e as dúvidas funcionam como
boas varas de tocar gado, pela ação dessa camuflagem”. E dispara: “Creio
que as informações dos internautas serão cada vez mais usadas por
governos, inclusive fantoches ou ocultos, para controle social e
político com respaldo ou ao arrepio da lei”.
Pedro Rezende
é mestre em Matemática pela Universidade de Brasília e doutor em
Matemática Aplicada pela Universidade da Califórnia em Berkeley. No vale
do silício, trabalhou com controle de qualidade do sistema operacional
Macintosh na Apple Computer, com sistemas de consulta a bases de dados
por voz digitalizada na DataDial e com as primeiras aplicações de
hipertexto, precursoras da web, desenvolvendo HyperCard stacks para
Macintosh. Foi membro do Grupo de Padronização de Segurança da Comissão
de Informatização do Conselho Nacional de Justiça, do Grupo
Interministerial sobre Sociedade da Informação no Itamaraty, do Conselho
do Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática, do
Conselho da Free Software Foundation Latin América e do Comitê Gestor da
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, como representante da
Sociedade Civil por designação do Presidente da República. Atualmente
leciona no Departamento de Ciência da Computação da Universidade de
Brasília – UnB.
Foto: VIOMUNDO |
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que a compra do WhatsApp pelo Facebook sinaliza? A negociação gerou surpresa. Como avalia a transação?
Pedro Rezende - Entendo que o modelo de negócio da empresa Facebook
só pode ser viável com crescimento vegetativo da sua base de clientes,
ou da capilaridade da base de dados pessoais desses clientes. Esta
compra sinaliza um investimento massivo nesse crescimento. E avalio a
transação como uma decisão estratégica da empresa que confirma esse
entendimento, pela escolha do que comprar e pelo que estava disposta a
pagar.
IHU On-Line - Concorda que há um monopólio dos gigantes da internet? Qual é o percentual do Facebook nesse monopólio?
Pedro Rezende - Sobre a primeira pergunta, não sei como comparar empresas gigantes que atuam na internet, pois quase todas grandes de TI
lá atuam e seus mercados se conectam às vezes se limitando, às vezes em
sinergia, conforme a situação e as projeções de seus atores para a
evolução da TI. Concordo que há monopólio, mas são vários, geralmente um em cada nicho, e que eles surgem facilmente, pois os mercados em TI estão sujeitos ao efeito rede, que aumenta o valor de uso de um produto ou serviço conforme sua disseminação.
Mas entre os vários monopólios nesses
nichos a cartelização é fortuita ou ocasional e, portanto, não os vejo
como um só. No nicho das redes sociais de acesso gratuito via web, o Facebook ainda não chegou a formar propriamente um monopólio porque a Google
evoluiu seus serviços em tempo de competir pesado. Na última pesquisa
nesse nicho de que tenho notícia, medida três meses antes desta compra, o Facebook estava com 45% dos logins e a Google com 33%.
"Concordo que há monopólio, mas são vários, geralmente um em cada nicho, e que eles surgem facilmente, pois os mercados em TI estão sujeitos ao efeito rede" |
Pedro Rezende - Bolhas
financeiras são fenômenos recorrentes no capitalismo, que são
exacerbados pela circulação de moedas sem lastro. O capitalismo se
encontra num momento crítico, uma espécie de beco sem saída onde bancos
centrais emprestam a juro zero quantias cada vez maiores a instituições
financeiras que chantageiam os respectivos governos como "grandes demais
para falir", para cobrir seus rombos com o estouro de bolhas que eles
mesmos inflaram com insaciável apetite por altos lucros e riscos idem, e
com a complacência dos governos, que deveriam fiscalizá-los.
Como resultado dessa chantagem,
privatizam-se os lucros e socializam-se os riscos. Por repúdio ao risco
imediato, essa dinheirama que adia a quebradeira não flui para salários
nem para produção, desembocando então em mais especulação, capaz de
cobrir os ativos podres desses bancos por meio de contabilidades
fantasiosas. Qualquer mercado cujos bens têm preço formado por projeções
de rendimento crescente, tais como o setor imobiliário ou o das
empresas com patrimônio intelectual promissor, é atrativo natural para
essa atividade especulativa, que tende assim a concentrar-se em novas
bolhas.
Então, parece lógico esperar bolhas cada
vez maiores, que se inflam e colapsam enquanto estivermos neste sistema
financeiro de dinheiro sem lastro, como também bancos centrais
dominados por grandes financistas e bancos que estão acima das leis.
Entretanto, não diria que são os monopólios na Internet em si que hoje
atraem novas bolhas, mas modelos de negócio que se parecem com esquemas
de pirâmide, como o do Facebook, este baseado em monetização do controle de uma massa gigantesca de dados pessoais.
IHU On-Line - Percebe um
monopólio não comercial, mas de informação nas redes sociais? Como as
informações dos internautas são e podem ser utilizadas pelos governos?
Pedro Rezende - Imagino o "não comercial" aí referindo-se apenas à perspectiva imediata do usuário, pois quando um serviço centralizado na web
é gratuito, a mercadoria é o cliente. Nos serviços de rede social, isso
quer dizer seus dados pessoais e seus rastros digitais, que estão sendo
monetizados em poder semiológico para o dono do serviço. O nome do jogo
é controle: o que as revelações de Snowden denunciam,
no fundo, é uma parte essencial de um plano ofensivo de guerra
cibernética posto em marcha para implantar um regime dominante de
vigilantismo global, a pretexto do inevitável jogo de espionagem das
nações, nele camuflado como combate ao terrorismo, cibercrime, etc.
Um plano assim camuflado para a guerra
pela essência do capitalismo tardio. Em tempos de escassez — de fontes
energéticas, hídricas, alimentares — que se avizinha, sobrevivência
depende de eficiência, que será máxima sob um regime
político-econômico-religioso totalitário capaz de eliminar sumariamente
quem lhe for antagônico ou inútil. Eis então a ciberguerra, na qual o
caminho para a vitória — terrena e, portanto, provisória — é o controle
(do grego cyber) máximo para consolidação de um tal hegemon.
Percebo que essa guerra só tende a
recrudescer, e que em sua fase atual as batalhas ainda são pelo controle
consentido; estas são travadas no front psicológico, onde a vaidade e o
fetichismo funcionam como boas iscas, atraindo, por exemplo, o atual
sucesso de redes sociais, e onde os medos e as dúvidas funcionam como
boas varas de tocar gado, pela ação dessa camuflagem. Creio que as
informações dos internautas serão cada vez mais usadas por governos,
inclusive fantoches ou ocultos, para controle social e político com
respaldo ou ao arrepio da lei. O dos EUA, por exemplo, a reboque de ataques de bandeira falsa, veja aqui, criaram novas agências de defesa para cumprirem esse papel, tais como a FEMA, como mostram seus planejamentos. Parecidos com o que se imagina de governos como o da China (video, por exemplo).
Mas esta fase está terminando, como analiso aqui. Se
as grandes empresas em nichos estratégicos do ciberespaço eram antes
cooptadas de forma clandestina pelo vigilantismo global, em programas
secretos como o PRISM ou através de sabotagens como na RSA, após digerido o choque psicológico das revelações de Snowden,
elas passam a ser coagidas abertamente. Seja através de organismos de
padronização técnica para a internet, como na iniciativa do Internet Engineering Task Force - IETF para o "Explicit Trusted Proxy" na versão 2.0 do protocolo HTTP, seja através de novas leis de ciberdefesa, como no projeto CISPA.
"No nicho das redes sociais de acesso gratuito via web, o Facebook ainda não chegou a formar propriamente um monopólio porque a Google evoluiu seus serviços em tempo de competir pesado" |
IHU On-Line – Hoje já se fala
que o fim do Facebook está previsto para os próximos três anos, e a
tendência será a utilização de aplicativos. A compra do WhatsApp pelo
Facebook é uma indicação de que o futuro será o investimento em
aplicativos?
Pedro Rezende - Não sei
em que se baseia esse tipo de previsão, mas sei que podem ser forjadas
como contrainformação camuflada de notícia em batalhas comerciais. O fim
da IBM foi previsto várias vezes, mas em cada crise enfrentada ela se reinventou e continua sendo a empresa de TI que mais emprega hoje. Já a Digital
faliu, até onde sei, sem notícias prévias sobre seu fim, tendo ambas
passado por crise semelhante, decorrente da mesma aposta equivocada nos
limites para o crescimento do mercado de PCs, no início da fase
evolutiva do downsizing, nos anos 1980.
O fim de uma grande empresa de TI
depende essencialmente da visão dinâmica que ela projeta para a
evolução de setores em que decide atuar. Talvez esse fim previsto do Facebook se refira ao do serviço homônimo como o conhecemos hoje. Percebo esta compra como aposta da empresa Facebook numa próxima fase evolutiva da TI que asfixiaria o mercado de PCs
programáveis em favor de tablets e smartphones, esses mais facilmente
controláveis pelo fabricante. Tal aposta se alinharia com a estratégia
dos globalistas infiltrados na TI determinados a acabar com a autonomia da computação pessoal programável,
através de iniciativas como o padrão de boot UEFI e a radicalização
patentária globalizada via acordos comerciais de grande abrangência (a
exemplo do Trans Pacific Partnership).
Computadores pessoais universalmente
programáveis representam um risco para a agenda globalista muito maior
do que para o usuário comum, pois iniciativas inovadoras desenvolvidas
colaborativamente em regime de licenciamento permissivo, tais como o
software livre e seus emblemáticos navegadores web, podem atrapalhar a
implantação de um regime de vigilantismo e controle social máximos
necessário ao ambicionado hegemon.
As redes virtuais de mineração e
transação em criptomoedas, das quais o Bitcoin é a mais conhecida, são
um exemplo claro deste risco. Se não forem sabotadas ou criminalizadas
por quem controla emissão e conversões de moedas sem lastro hoje
dominantes, como o dólar e o euro, essas redes virtuais que transacionam
em criptomoedas podem oferecer alternativa ao regime neoescravagista
praticável através do confisco inflacionário que nos aguarda ao final
dessa série de bolhas.
A rigor, os navegadores web e as
carteiras de criptomoedas livres também são aplicativos, mas o termo
está sendo sequestrado pelo marketing monopolista para referi-lo a
arranjos fechados em que um software limita sua interação via internet a
um fornecedor de serviços, amarrando sua funcionalidade a este. Esse
truque linguístico, exemplificado na capa da revista "IstoÉ Dinheiro" desta semana com a foto de Zuckerberg
sob a manchete "A magia dos aplicativos", pega fácil em quem confunde a
web ou seus navegadores com internet, mas eu prefiro dissipá-lo
chamando os arranjos desse tipo de "jardins murados", tradução do
apelido que ganharam entre os defensores da liberdade digital (walled gardens). A tática do jardim murado já foi antes tentada pela American On Line - AOL,
mas o ecossistema inicial da web, que era aberto e quase livre de
armadilhas patentárias, ameaçava o valor de uso daquela "solução" e
acabou sufocando-a com a corda do efeito rede.
IHU On-Line - O que explica essa migração de redes sociais para aplicativos?
Pedro Rezende - Grosso modo, a ameaça que atropelou a AOL é a mesma que paira hoje sobre serviços como o Facebook, cujo ambiente natural inclui navegadores web que são colaborativamente programáveis por terceiros. Nesse ambiente "comum"
fica mais difícil para a empresa manter controle sobre a
interoperabilidade com outros serviços, controle que sustenta o valor de
mercado dos rastros digitais de seus clientes. Fica difícil também
sustentar um apelo de universalidade inovadora sobre o serviço, capaz de
manter investidores achegados a uma expectativa de crescimento
assintótico. Mas o mercado hoje não é o mesmo que o dos tempos da AOL. É certamente mais hostil à livre competição. Então a lição que os renitentes monopolistas tiram do fim da AOL
os aponta rumo à verticalização, numa espécie de retorno ao regime
negocial monolítico que prevalecia quando os computadores de grande
porte dominavam.
Verticalização
A verticalização monolítica foi a estratégia que deu certo para a Apple,
quando conquistou massa crítica no mercado de smartphones atrelada a
seu modelo de jardim murado, o da "loja virtual de aplicativos
exclusivos" com muitos "grátis", galgando com isso a posição de mais
cara empresa de TI. A Google correu atrás, com o Android e alianças com fabricantes como a Samsung,
mas enfrenta artilharia pesada no front jurídico, com patentes fajutas e
tribunais tendenciosos, em batalha infindável cujo custo, hoje,
corresponde a boa parte do preço que se paga por smartphones e tablets.
Uma migração rumo a jardins bem mais murados, forçada por um fornecedor
de serviços sobre sua massa cativa de clientes, se explica como a parte
"de cima" dessa estratégia de verticalização; e um controle mais rígido
sobre plataformas de hardware onde tudo pode operar, como a parte "de
baixo".
Por fim, para responder à pergunta
anterior, a de se o futuro está em investimentos no que chamo de jardins
murados: caso o marketing dirigido a isso conseguir emplacar seu
fetiche numa massa crítica de consumidores, sim, pelo efeito rede; com
os preços finais ao consumidor socializando o custo das respectivas
batalhas por verticalização monopolista e com erosão da liberdade
digital por asfixia aos dispositivos programáveis pelos usuários.
Desfecho que, por sua vez, depende de sinergia vertida em alianças entre
monopolistas de vários nichos, incluindo, além de software, os setores
de hardware, telefonia, provedores de conteúdo e globalistas
manipuladores do dinheiro fácil e da mídia corporativa.
Uma boa medida de como essas imensas
abóboras estão se acomodando com o chacoalhar do vagão digital rumo ao
futuro é a de obsolescência da neutralidade técnica com que a internet
foi originalmente arquitetada (veja, por exemplo)
IHU On-Line - Há segurança na troca de dados na internet? Quais são as redes sociais mais seguras?
IHU On-Line - Há segurança na troca de dados na internet? Quais são as redes sociais mais seguras?
Pedro Rezende - A
primeira questão é subjetiva, remetendo para o que alguém possa
considerar risco aceitável numa dada situação comunicativa. A segunda é
ambígua fora de contextos que esclareçam de quem e contra o que é a
segurança. A segurança do internauta que queira exercer seu direito à
intimidade e à privacidade no ciberespaço, para exercê-las? Ou a
segurança de estados-nação em sua luta por sobrevida com o
recrudescimento da ciberguerra, ou para estarem por cima no hegemon
emergente? As possíveis respostas são diametralmente opostas.
No primeiro contexto, as redes sociais mais seguras são hoje as federadas baseadas em software livre e operadas colaborativamente, como, por exemplo, a Diaspora.
No segundo contexto, as redes sociais centralizadas e proprietárias
mais populares são hoje as mais seguras, para governos com pretensões
hegemônicas coagirem ou se coligirem com os donos dos respectivos
jardins murados.
IHU On-Line - Quais são principais problemas de segurança com a utilização da internet?
Pedro Rezende - Todos
os imagináveis que possam emergir do fato de as pessoas em geral estarem
perdendo a noção de realidade com a progressiva virtualização das
práticas sociais. Problemas que se tornam principais enquanto
despercebidos. São poucos, por exemplo, os que conseguem hoje perceber
as possíveis consequências catastróficas da ciberguerra e de seus
desdobramentos no mundo dos átomos e no da vida em carne e osso.
A manipulação algorítmica de mercados
ditos livres, por exemplo, que é parte do esquema protelatório ao
estouro das bolhas da vez, é hoje uma prática cada vez mais difícil de
ser camuflada, mesmo com uma quantidade crescente de banqueiros versados
em TI sendo suicidados. Veja!
Quando escrevo sobre isso, ou sobre o
fato da ciberguerra poder ser entendida como consequência lógica da
última fronteira do capitalismo de encontrar a natureza humana munida de
seu mais prodigioso engenho semiológico, a Internet, gosto de lembrar a definição que o filósofo Gilles Deleuze
nos dá para o virtual. O virtual, segundo ele, não é antônimo de real,
nem sinônimo de irreal, mas a indistinguibilidade entre o real e o
irreal.
“Para os insensíveis, a Internet tende a influenciar, no meu entender, o comportamento presunçoso e egoísta que elicita a tragédia e o ranger de dentes descritos, ironicamente, na parábola da rede em Mateus 13:47-50” |
Pedro Rezende - Dá-se
por controle da funcionalidade do aplicativo, que como jardim murado só
roda onde o seu desenvolvedor permite, que requer o mesmo para os demais
interlocutores, e que envia a servidores centralizados tudo que lhe
interessa sobre os ambientes computacionais envolvidos com o tráfego de
dados; destes, são guardados tudo que o dono do jardim quiser, para usar
como bem entender. Tudo sob proteção do mantra de segredo comercial.
Direitos do usuário são abdicados pelo
próprio no ato da instalação do aplicativo: basta ler detrás de suas
ambiguidades a respectiva licença de uso, com a qual por tal ato ele
concorda. Quem quiser reclamar depois de abusividades na tal licença,
abdica do direito de usar o aplicativo. De outra forma, quem conseguirá
coibir práticas abusivas de um empreendimento coagido ou cooptado pela
agenda globalista rumo ao hegemon, pelos que comandam o império do poder
do dinheiro?
Para quem queira exercer seu direito
constitucional à intimidade e à privacidade, a solução que resta é não
instalá-lo nem usá-lo.
IHU On-Line - Em um de seus
artigos, o senhor menciona que “quanto mais se gasta com segurança em
informática, mais se contabiliza perdas com incidentes de segurança”.
Quais as razões dessa dinâmica?
Pedro Rezende -
Basicamente, porque se gasta com algo parecido com tiroteio no escuro. A
Internet é, ao mesmo tempo, um instrumento insuperável de liberdade e
de controle. Se aceitarmos o que diz Deleuze sobre o virtual, não pode haver guerra mais assimétrica do que a cibernética, já que guerra, conforme nos ensina Sun Tsu,
é a arte do logro e da surpresa de movimentos. No ciberespaço, que é
virtual, ela, portanto, favorece ao máximo quem se propõe a destruir.
Cito um fato emblemático dentre os revelados por Snowden: o crescimento acelerado da tropa de choque do vigilantismo global, a divisão TAO da NSA,
inflaciona o mercado do cibercrime alimentando e expandindo o segmento
altamente especializado em descobrir como atacar qualquer tipo de
software, o qual vende suas descobertas em leilões (dos chamados 0-day
exploits); enquanto esse mesmo mercado segue sendo alardeado como
justificativa para o vigilantismo global (como, por exemplo).
A primeira vítima da ciberguerra é a privacidade,
o instinto humano de preservação que se projeta em autonomia para o
exercício dos papéis sociais, abatida quase sem resistência com a isca
das vaidades e fetiches modernosos. A segunda vítima será a soberania das nações, tragada pelo hegemon que emerge da agenda globalista. Na ciberguerra, a ilusão clausewitziana
das vitórias definitivas atrai os globalistas schumpeterianos para mais
uma onda de destruição criativa, mas o que tal destruição pode criar
frustrará as massas tecnófilas, pela extrema assimetria, quando a
realidade vindoura de escassez material revelar para que mais serve essa
cria.
IHU On-Line - Que rumo a sociedade está tomando a partir do uso da internet? Como a rede influencia em nosso comportamento?
Pedro Rezende - Para percebermos esse rumo, é preciso entender a magia aludida na capa da edição da "IstoÉ Dinheiro",
que destaca o tema desta entrevista. Nossa sociedade está hoje
coletivamente enfeitiçada pelo mito da tecnologia como panaceia
triunfal, um mito que se reforça com a Internet e que
reforça os do capitalismo fundamentalista, dominado pela cultura
consumista, pela ideologia utilitarista e pelo relativismo moral.
Os que se deixam levar por esse feitiço, aparentemente a grande maioria dos que se consideram e se comportam como "conectados",
ante tempos penosos colocam suas esperanças na engenhosidade humana,
numa fuga que despreza a realidade espiritual dos nossos tempos. Esta
realidade nos foi graciosamente predita, descrita com precisão há quase
dois milênios, junto com seus desdobramentos e desfecho. Sobre os tempos
penosos em que estamos entrando, na segunda carta do apóstolo Paulo a Timóteo, 3:1-9,
por exemplo. Sobre a bendita esperança em um desfecho salvífico para os
que o aceitarem, semeada, por exemplo, no evangelho de João, 14:1-7. Para os insensíveis, a Internet
tende a influenciar, no meu entender, o comportamento presunçoso e
egoísta que elicita a tragédia e o ranger de dentes descritos,
ironicamente, na parábola da rede em Mateus 13:47-50.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Pedro Rezende - A nossa esperança está lá, na Palavra semeada. Mais nítida do que nunca, e é por ela que escrevo.
(Por Patricia Fachin)