Segunda, 3 de fevereiro de 2014
Murilo Rocha
Do jornal O Tempo
Anda fazendo sucesso nas redes sociais um texto defendendo a
realização da Copa do Mundo e atacando quem critica a realização do
evento no Brasil. Esses últimos são acusados pelo autor de querer
“azedar” o torneio e disseminar o “pânico” entre os turistas
estrangeiros.
Além de doses delirantes de ufanismo, há ainda uma exaltação ao
“legado” a ser deixado pelo Mundial. O autor ainda justifica o gasto de
R$ 8 bilhões na construção e modernização dos estádios como sendo
“apenas” 30% do total investido no país em razão do torneio. O restante,
70%, estaria sendo gasto em obras de infraestrutura, serviços e
formação de mão de obra. Ou seja, a Copa serviu para transformar a
obrigação básica de um governo em “legado”.
Mas, mesmo assim, faltando quatro meses para a Copa começar, onde
estão as obras, onde está o legado a ser herdado? Alguém por acaso já
conseguiu pegar o metrô na estação da Savassi e desembarcar na estação
da Pampulha? E o aeroporto de Confins? E a geração de empregos? Belo
Horizonte, segundo dados do próprio Ministério do Trabalho, foi a
segunda capital com maior perda de vagas em 2013.
E o problema é generalizado. Na inauguração do estádio Arena das
Dunas, em Natal, no Rio Grande do Norte, servidores públicos federais
protestaram contra as péssimas condições da saúde, da educação e da
segurança no Estado. Seriam esses manifestantes pessoas
mal-intencionadas querendo boicotar o governo Dilma, como sugere o texto
pró-Copa? Ou seriam apenas pessoas legitimamente indignadas com a
priorização dos gastos públicos em estádios de futebol no país oitavo
colocado no número de adultos analfabetos, em um ranking com 150 nações.
PROTESTOS LEGÍTIMOS
Querer deslegitimar os protestos contra a Copa, como se eles fossem
despolitizados ou manipulados pela direita conservadora, é desrespeitar
quem menos vai lucrar com o Mundial. Se há um temor – e ele há e já é
discutido pelo PT e pela cúpula do governo federal – de os protestos
respingarem em uma vitória quase certa da presidente Dilma Rousseff,
esse discurso tem de ser assumido e não mascarado por trás de teorias
conspiratórias e teses recheadas de patriotismo e dados oficiais do
Palácio do Planalto.
Nas manifestações antiCopa não existem donos de construtoras,
banqueiros, empreiteiros. Esses são totalmente favoráveis à realização
da Copa, pois são quem vai verdadeiramente ganhar. Quem está nas ruas
são professores, médicos, estudantes e também, é claro, pessoas
alienadas, massas de manobra e oposicionistas do governo Dilma. Faz
parte do jogo.
Ao contrário do discurso disseminado por uma turma aí, querendo ditar
como se deve manifestar – como se esse direito pertencesse a um grupo
–, ao protestar contra Copa e pedir um país padrão Fifa, os
manifestantes estão denunciando, sim, todas as mazelas do Judiciário, do
Legislativo e do Executivo também. Se isso vai afetar as eleições e em
qual proporção será esse impacto, são outros quinhentos.
Fonte: (transcrito de O Tempo) /// Tribuna da Imprensa.