Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Copa de futebol com tantas extravagâncias vai dar mais dor de cabeça do que imaginam os donos da bola

Quinta, 29 de maio de 2014
Não há como tapar o Sol com a peneira: do jeito que foi concebida e montada a Copa do Mundo de futebol foi uma contundente bola nas costas de sabor frustrante que só será remediada se a nossa seleção de "estrangeiros" levantar a taça,  fazendo ressurgir a "pátria de chuteiras" com meia dúzia de brahmas.
Mas essa hipótese tanto é difícil como o seu alcance pode não ser tão efervescente. Mais do que em qualquer outro lugar, esse evento futebolístico é um negócio sob medida do interesse único e exclusivo de sanguessugas dos cofres públicos. Não há hipótese de se produzir aqui a contrapartida ocorrida na Alemanha, quando a nação européia registrou índices compensadores que incluíram o aumento em 1% do seu PIB.
 
Qual o sentido de um time e uma torcida irem de um lado para outro na fase eliminatória? Até o final da década de 70, cada chave se decidia num lugar. Inesquecível é a lembrança de Guadalajara, de onde a seleção brasileira partiu para o seu terceiro caneco.
 
Agora, a coisa ficou tão suspeita que uma equipe pode se hospedar numa cidade - num Estado - onde sequer fará um único jogo.  E a infra-estrutura de transportes brasileira que ganhe velocidade para atender a esse vai-e-vem.
 
Todos os Estados quiseram tirar sua casquinha na Copa. Não pela "honra" de receber seleções estrangeiras, mas pelo que isso serve para acobertar as extravagâncias perdulárias que ganharam pista livre. Quando esse ex-jogador Ronaldo faz um pronunciamento apoplético não o faz por patriotismo. Reclama, isso sim, em favor de alguns dos interesses que alugaram seu passe, já que ele mesmo estava na grande área das negociatas de cara para o gol.
 
Decididamente, como não poderia deixar de ser, é claro, esse feirão de futebol não tem nada com a ingênua realização da Copa de 50. Os cartolas são outros, os craques não têm nada do amor à camisa e a torcida brasileira nem sabe como juntar suas moedinhas para pagar ingressos de marajás. Naquele tempo, não tinha essa estrutura de televisão, esses patrocinadores bilionários e essa prática de envolver em dinheiro tudo o que diz respeito ao evento, numa frenética disputa por lucros comerciais de ocasião.
 
É uma tremenda balela falar em efeitos colaterais benéficos para as populações locais. Chega a ser uma ofensa alegar que a realização dos jogos levou a obras de mobilidade urbana e coisas semelhantes.  Seria reconhecer que elas estariam fora das planilhas se fossem pelo simples reconhecimento de sua necessidade, independente de eventos internacionais.
 
Vai ser difícil disputar o jogo da verdade no balanço final dessa escolha imprudente, em que as cobras venenosas do empresariado sem escrúpulo fizeram as raposas da política morder a mosca azul.
 
Não há conta que bata em gastos como nos estádios em que o dinheiro saiu pelo ralo na contramão da lógica social.  Em Brasília, onde já é oficial a descoberta de superfaturamentos, quem vai usar o gramado depois senão times de fora, a custa de jogadas que podem sair pela culatra. E em Manaus, onde se fez um elefante branco para três jogos internacionais? Isso sem falar na delituosa farra com o novo Maracanã, reconstruído com dinheiro público e repassado de mão beijada para uma estranha sociedade encabeçada por Eike Batista até seu próprio desmanche.
 
Já houve quem dissesse que administrar essa aventura foi um presente de grego que manteve a presidenta Dilma Rousseff de saia justa. E quem falou isso não é nenhum desafeto, mas um jornalista alinhado com a floricultura do Planalto. Disse o óbvio e nesse caso só há uma atenuante paradoxal: quando se correu atrás da Copa o mundo era outro, a virtude de qualquer método estratégico soçobraria em meio a crises internacionais posteriores inesperadas.
 
Nem mesmo a internacionalização das cidades pelos canais do futebol presume futuros turísticos para cada um. Ao contrário, de tal paranoia se reveste o evento que dificilmente as imagens transmitidas produzirão novos visitantes.
 
Também foi uma indignidade fazer o que esse rapaz da Nike fez para tirar o seu da reta. A Copa de futebol está batendo à porta, não há como chiar agora. Se ele não fosse um bobalhão manipulado, teria que ter usado a "autoridade de sua palavra" desde a prancheta, quando decidiram por uma quantidade de cidades e estádios que a Fifa alega não ter pedido.
 
O desejável é que toda essa trapalhada esgote-se em si e seja partilhada por todos os seus inventores, sem essa de debitá-la a um único grupo político. Nesse caso, o complexo de vira-latas é que inspirou toda a presepada, essa tendência existencial de querer fazer o que não pode ser, mostrar-se o que não se é.
 
Passado o evento, ainda haverá tempo para uma boa autocrítica, independente do êxito dos colegas de Neymar, que vestirão a camisa do Brasil com a mesma preocupação "profissional" de continuarem como bons produtos de mercado.  Por que esses jogadores são menos atletas do que peças de uma engrenagem sórdida: emblemática foi a atitude do um brasileiro que se tornou espanhol só por que tinha mais certeza de participar desse carnaval mercadológico ao renegar sua nacionalidade. 
 
E que daqui para frente governantes populares entendam que têm obrigação de serem também estadistas responsáveis.