Segunda, 23 de junho de 2014
Maria Lucia
Fattorelli1
Carmen Bressane2
Em geral, todas as
pessoas acreditam que o endividamento público é o resultado do acúmulo de
recursos recebidos por meio de emprestados tomados por entes públicos (governo
federal, estadual, municipal, ou empresas estatais).
No entanto, as
investigações realizadas pela Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil e em várias
partes do mundo têm demonstrado que grande parte das dívidas públicas são
geradas por alguns mecanismos que atuam tanto em sua origem como em seu
contínuo crescimento.
Dessa forma, em vez
de significar um aporte de recursos aos entes públicos, o processo de
endividamento se transforma em uma contínua sangria de recursos, que são
transferidos do setor público para o setor financeiro privado. A essa distorção
do instrumento do endividamento público denominamos “Sistema da Dívida”, pois
seu funcionamento é articulado pelo setor financeiro em todo o mundo, operando
através de sua enorme influência nos setores econômico, financeiro, político e
jurídico, com inúmeras práticas fraudulentas.
No caso da Prefeitura
de São Paulo, esse sistema operou fortemente na década de 90, quando foram
emitidas várias séries de títulos da dívida municipal, sob a justificativa de
que os recursos obtidos com a venda desses títulos seriam destinados ao
pagamento dos precatórios judiciais
De acordo com o
relatório da “CPI dos Precatórios” realizada no Senado Federal em 1997,
desenvolveu-se uma complexa organização voltada ao cometimento de práticas
ilícitas relacionadas a essas emissões de títulos, envolvendo agentes públicos
e instituições financeiras3.
Apesar das
impressionantes denúncias de fraudes apontadas pela CPI dos Precatórios no
Senado e também pela CPI da Dívida Pública realizada na Câmara Municipal de São
Paulo (Processo 004/2001), o governo federal4 refinanciou a dívida
correspondente àqueles títulos denunciados, ignorando ainda o seu irrisório
valor de mercado.
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1Coordenadora Nacional da Auditoria
Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br
e
https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina,
auditoriacidada@terra.com.br
2Coordenadora do Núcleo-São Paulo da Auditoria
Cidadã da Dívida auditoriacidadasp@gmail.com
3FATTORELLI, Maria Lucia, Auditoria
Cidadã da Dívida dos Estados (2013) Inove Editora (www.inoveeditora.com.br),
Capítulo 6.
4Medida Provisória 2.185-35/2001
Assim,
o refinanciamento das dívidas do Município de São Paulo pela União já nasceu inflado
por valores que a Prefeitura nunca chegou a receber, conforme fraudes
comprovadas nas mencionadas investigações parlamentares.
Em cima dessa base
inchada, foram aplicadas condições financeiras inaceitáveis entre entes
federados: o Tesouro Nacional passou a exigir da Prefeitura de São Paulo o
pagamento de remuneração nominal mensal, composta por uma combinação de
atualização monetária automática, calculada pelo IGP-DI5, acrescida
de juros de 9% ao ano. Para se ter uma ideia do peso desses juros nominais, no
ano de 2011, a Prefeitura de São Paulo pagou6 ao governo federal
remuneração de mais de 21,32% sobre toda essa dívida. Naquele mesmo ano, o
governo federal aplicou bilhões de dólares em títulos da dívida norte-americana,
cuja remuneração é quase nula.
O resultado desse
refinanciamento em bases tão extorsivas está demonstrado no quadro seguinte,
cujos dados foram extraídos do Relatório de Execução Orçamentária da Prefeitura
Municipal de São Paulo:
RESUMO DÍVIDA PÚBLICA PAULISTANA
REFINANCIADA PELA UNIÃO
VALOR
TOTAL REFINANCIADO
ANO
2000
|
R$11,126 Bilhões
|
Amortizações Pagas
(200 a 2012)
|
R$1,269 Bilhões
|
Juros (Pagos e Incorporados)
(2000 a 2012)
|
R$32,264 Bilhões
|
Atualização Monetária (deveria estar
somada ao valor indicado a título de
juros)
|
R$28,136 Bilhões
|
Saldo em 31/12/2012
|
R$53,153 Bilhões
|
Fonte: Relatório de Execução
Orçamentária da PMSP
É evidente que aquela
base espúria que foi refinanciada no ano 2000, no valor de R$11,126 bilhões,
alcançou a impressionante cifra de R$53,153 bilhões em 2012 devido à incidência
de juros sobre juros, o que é considerado ilegal segundo a Súmula 121 do
Supremo Tribunal Federal. Cabe ressaltar que a correção monetária mensal
automática faz parte dos juros nominais.
A contínua subtração
de recursos do orçamento da Prefeitura de São Paulo impedem a realização de
investimentos e a devida prestação de serviços.
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5Índice calculado por instituição
privada (FGV), que não mede a inflação, mas uma expectativa de inflação,
levando em consideração inclusive variações cambiais que não guardam qualquer
relação com um financiamento interno realizado entre o governo federal e o
municipal.
6Parte foi paga em recursos do orçamento
da Prefeitura de SP e parte foi transferida ao saldo devedor, sobre a qual
passaram a incidir nova atualização automática e novos juros, ou seja, foi paga
com nova dívida.
O
mais grave é que nesse momento, em vez de rever essa situação desde a sua
origem, o governo federal propõe, por meio do PLP-238/2013, reduzir a
remuneração nominal cobrada pelo Tesouro somente a partir da aprovação do
referido projeto, o que irá perpetuar as fraudes e erros. Por sua vez, a
Prefeitura de São Paulo está contratando empréstimos externos para obter recursos
para pagar ao governo federal, transformando dívida interna passível de
nulidade em dívida externa.
Por isso defendemos a
realização de completa auditoria dessas dívidas, com participação cidadã, a fim
de deter esse “Sistema da Dívida” e permitir que os recursos públicos se
destinem ao cumprimento dos direitos sociais.