Sexta, 29 de agosto
de 2014
Do MPF
PGR defende não aplicação de parte da
Lei da Anistia
Para Janot, crimes graves
cometidos durante a ditadura militar são crimes contra a humanidade e
insuscetíveis de anistia
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou
parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual defende revisão da aplicação
da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979). Na manifestação, recebida pela Suprema
Corte no dia do 35º ano de existência da lei, Janot sustenta que graves
violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar são crimes
contra a humanidade e, por isso, imprescritíveis. Destaca a necessidade de
cumprimento de sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
sobre o tema.
O parecer refere-se à arguição de descumprimento de
preceito fundamental (ADPF) 320/DF e será analisado pelo relator da ação no
STF, ministro Luiz Fux. A ADPF foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade
(PSol), tendo o PGR se manifestado por seu conhecimento e procedência parciais.
De acordo com Janot, caso a tese seja acatada pelo STF, constituirá importante
contribuição para fortalecer o sistema interamericano de direitos humanos e
para materializar a Justiça de Transição.
Para o procurador-geral, crimes graves cometidos por
agentes do Estado, civis ou militares, durante a ditadura militar são
imprescritíveis e insuscetíveis de anistia. "Esses crimes devem ser objeto
de adequada investigação e persecução criminal, sem que se lhes apliquem
institutos como anistia e prescrição", sustenta. Segundo o
procurador-geral, delitos cometidos por agentes estatais com grave violação a
direitos fundamentais constituem crimes contra a humanidade. "Essas
categorias jurídicas são plenamente compatíveis com o Direito nacional e devem
permitir a persecução penal de crimes dessa natureza perpetrados no período do
regime autoritário brasileiro pós-1964", complementa.
Além disso, "sequestros cujas vítimas não tenham sido
localizadas, vivas ou não, consideram-se crimes de natureza permanente. Essa
condição afasta a incidência das regras penais de prescrição e da Lei da Anistia,
cujo âmbito temporal de validade compreendia apenas o período entre 2 de
setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979", argumenta no parecer.
Corte Interamericana - O Brasil promulgou a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa
Rica, por meio do decreto 678, de 1992. Posteriormente, reconheceu como
obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte
IDH) em todos os casos relativos à interpretação e aplicação do Pacto de São
José. Por isso, as decisões da Corte têm força vinculante para todos os poderes
e órgãos estatais brasileiros. Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte IDH
no caso Gomes Lund a promover a persecução penal de graves violações de
direitos humanos na guerrilha do Araguaia. Essa decisão é vinculante para todo
o Estado, mas não vem sendo observado. Diversas ações penais promovidas pelo
Ministério Público Federal contra autores de crimes graves do período da
ditadura têm sido impedidas por decisões judiciais que não consideram os
efeitos da sentença da Corte IDH no caso Gomes Lund. Essas decisões usam
argumentos ligados à prescrição e à aplicação da Lei da Anistia. "A
omissão do Estado brasileiro em dar cumprimento à decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos fere preceitos fundamentais da
Constituição", aponta Janot.
"Não é admissível que, tendo o Brasil se submetido à
jurisdição da CIDH, por ato de vontade soberana, despreze a validade e a
eficácia da sentença. Isso significaria flagrante descumprimento dos compromissos
internacionais do país e do mandamento constitucional de aceitação da
jurisdição do tribunal internacional", aponta Janot.
Além disso, o parecer defende que o julgamento da ADPF
320/DF não conflita com outra decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no
julgamento da ADPF 153/DF. Nesta, o STF considerou que a Lei de Anistia seria
constitucional. Já a sentença da Corte IDH efetuou outra espécie de controle,
sobre a compatibilidade da Lei da Anistia com a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (controle de convencionalidade). Na ADPF 320, o STF pode levar
em conta esse fato novo e mandar que todos os órgãos públicos brasileiros
apliquem o entendimento da corte internacional.
Confira a íntegra
do parecer