Terça, 27 de janeiro de 2015
Por Celso Lungaretti
Em Eu, Claudius, imperador, o escritor Robert Graves coloca na boca do seu imperial personagem um primor de embromation: "Faltam-me as palavras, mas nada que eu pudesse dizer igualaria a intensidade dos meus sentimentos a este respeito".
Eu poderia dizer o mesmo a respeito do artigo Luzes, enfim,
do filósofo Vladimir Safatle --mas não como uma saída pela tangente, e
sim num exercício de humildade. Quando deparo com um texto que diz
exatamente aquilo que eu pretendia dizer e da forma como me preparava
para fazê-lo, opto sempre por arquivar meu projeto pessoal e apenas
reproduzi-lo, prestando o merecido tributo a seu autor.
Talvez
por um pouco de preguiça (ninguém é sexagenário impunemente...), talvez
por um certo preciosismo de minha parte: havendo um similar perfeito,
nunca me conformaria em produzir algo inferior. Então, se percebo
tratar-se de tarefa quase impossível, dou a mão à palmatória: o
importante é sempre oferecer o melhor aos leitores deste blogue, seja ou
não da minha lavra.
Alexis Tsipras: um novo Allende? |
E o
texto do Saflate realmente acende luzes, permitindo-nos vislumbrar uma
saída das trevas que se adensam na política brasileira.
Parafraseando
o bordão das monarquias, é hora de nós, esquerdistas que ainda honramos
nossos ideais e nossos valores, proclamarmos: O PT está morto, viva o Syriza!
Pois
nunca isto ficou tão evidenciado quanto nas propostas ousadas de Alexis
Tsipras, em contraposição à absoluta falta de propostas positivas de
Dilma Rousseff. Um quer livrar seu povo da canga que o capitalismo
putrefato lhe impôs, a outra dá carta branca a seu ministro neoliberal
para maximizar a austeridade e agravar a penúria.
Eis Luzes, enfim, na íntegra:
"Uma
das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas
neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a
eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro
de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1
milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da
Grécia.
Esta é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro
partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade
Europeia.
A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte
da população de volta à era das trevas, isto enquanto a banca
internacional aplaudia as "reformas" implementadas pelo antigo governo
conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.
Pouco importa se as políticas de "austeridade" e de "responsabilidade
fiscal" jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das
dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais --os
mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de
falência.
Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical
sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação
rentista.
É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.
Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos
tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego
os odeia.
Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar
composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas,
nacionalistas e sociais-democratas radicais.
Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.
Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e
transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte
Olimpo.
Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a
tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir
que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua
forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que
poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade
atual.
A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que
cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica,
seja miséria de ideias".