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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

MPF recorre para que menino faça transplante nos Estados Unidos pago pelo SUS

Terça, 24 de fevereiro de 2015
Do MPF
Criança de um ano tem doença rara que impossibilita a absorção de alimentos e necessita de transplante que não é realizado no Brasil


O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão do presidente do Tribunal Regional Federal (TRF3) que suspendeu a obrigação do Sistema Único de Saúde (SUS) de custear transplante de intestino para uma criança de 11 meses. Como a cirurgia não é feita no País, os familiares da criança travam uma luta na Justiça para que o tratamento seja feito no Jackson Memorial Medical, em Miami, nos Estados Unidos. Davi Miguel Silva Gama é portador de inclusão microvilositária, uma doença considerada rara, que impede a absorção de alimentos, razão pela qual sua alimentação é feita, exclusivamente, pela via endovenosa.
“Mesmo com os cuidados especiais, o modo de alimentação (da criança) fatalmente levará ao colapso das funções hepáticas, sendo que o óbito é uma probabilidade próxima à certeza, o que exige sua imediata remoção para tratamento curativo definitivo, no caso, o transplante de intestino”, afirma o procurador regional da República Osvaldo Capelari Junior, da 3ª Região, no recurso (agravo interno) do MPF.
O pai de Davi Miguel, Jesimar Aparecido Gama, que o representa, havia conseguido, no juízo de primeiro grau de Franca (SP), a antecipação de tutela que obrigava o União a custear todo o tratamento nos Estados Unidos. Entre outras razões, considerou-se que a nutrição parenteral pode causar grave dano à função hepática e que a criança corria o risco de não sobreviver se tivesse que aguardar pela sentença.
Depois de ter o pedido de reconsideração negado no juízo de primeiro grau, a União, representada pela Advocacia Geral da União (AGU), interpôs agravo de instrumento, requerendo ao relator do recurso o efeito suspensivo. A suspensão foi indeferida pelo relator Johoson di Salvo, porém antes da decisão do colegiado, a AGU requereu a suspensão da tutela antecipada ao presidente do TRF3 – desembargador federal Fábio Pietro, que a concedeu.
Na decisão, o presidente do TRF3 considera que a criança está recebendo tratamento adequado, prestado por médicos e professores da rede pública. “A judicialização prematura da questão fez o Poder Executivo incorrer em despesas desnecessárias e injustificáveis – U$ 50 mil foram remetidos ao Hospital de Miami (EUA), no cumprimento da decisão aqui questionada”, ressalta.
Uma das alegações da AGU é que custear esse transplante nos Estados Unidos causaria grave lesão à ordem público-administrativa, em razão do custo do tratamento médico, “tudo evidentemente arcado pelos cofres públicos, sem qualquer limitação orçamentária, cronológica ou de qualquer natureza, inclusive contrariando norma básica do SUS” . Também justificou o risco do efeito multiplicador da decisão, com grave lesão à economia pública.
Capelari rejeita tais alegações. “Relativamente ao menor, as políticas públicas não são universais nem iguais, pois ele possui uma patologia que é rara e o retira de uma constelação de casos que poderiam ser objetados como serviço médico que demanda técnica mais refinada, no Brasil, para sua cura, tornando obrigatória, assim, a prestação do Estado, diante das peculiaridades do caso”, afirma.
O procurador defende ainda que não é possível deduzir o efeito multiplicador de o SUS custear tratamento médico no exterior: “Tanto isso é verdade que foi trazido um único caso, de sucesso, judicializado neste Tribunal, denominado caso Sophia, concluindo-se, pois, que não há grave lesão à ordem econômica.” Com síndrome de Berdon, uma doença rara que provoca problemas no intestino, bexiga e estômago, Sophia fez, no ano passado, o transplante multivisceral no Jackson Memorial Medical de Miami, tudo custeado pelo SUS, de acordo com determinação judicial.
Osvaldo Capeli Junior pondera que por, tratar-se de doença rara, não há se falar em efeito multiplicador, já que a própria natureza da patologia impede a sucessão de pedidos semelhantes. A especificidade do quadro clínico obriga que o tratamento curativo definitivo se realize no exterior.
A manifestação do MPF foi encaminhada no início do mês ao TRF3 e o caso ainda será julgado pelo Órgão Especial do Tribunal. Nessa segunda, 23 de fevereiro, houve uma audiência de conciliação e julgamento em Franca na qual a União se comprometeu, dentre outras obrigações, a importar tecnologia do Hospital de Miami e realizar a cirurgia no Brasil. Estabeleceu-se, também, a imediata remoção de Davi para um dos três hospitais de excelência em São Paulo (Sirio-libanês, Samaritano e Albert Eistein). Assim, o processo foi suspenso por 60 dias pelo juízo de primeiro grau, até que se efetivem o que foi pactuado na audiência, que contou com a presença do representante do Ministério Público Federal de Franca.