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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Os riscos de uma reforma política ainda mais antidemocrática

Quarta, 25 de fevereiro de 2015
Para impormos uma reforma política realmente democrática só através de uma ampla mobilização, contra o governo e este congresso
Do site do PSTU
Por André Freire, de Salvador (BA)
Por iniciativa do atual Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no dia 10 de fevereiro os deputados instalaram uma Comissão Especial para discutir a reforma política. Ela será presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), filho do ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, e membro destacado da oposição de direita no Congresso, e a relatoria ficou para Marcelo Castro (PMDB-PI), político que já está sendo investigado em seu estado por compra de votos.
O PT ficou somente com a 1ª Vice-Presidência, colecionando mais uma importante derrota na Casa, desde que seu candidato perdeu a eleição para a Presidência da Câmara para Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - do setor “oposicionista” deste partido.
Na semana anterior, o plenário da Câmara já tinha votado a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada no final de 2013, que representa grandes retrocessos democráticos. A partir dessa votação, essa proposta não precisará mais de aprovação prévia da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sendo uma base para o trabalho da nova comissão e, ao final dos trâmites, poderá ir direto para aprovação em plenário.
O objetivo é apresentar um relatório final que permita a conclusão das votações em dois turnos, tanto na Câmara como no Senado, um ano antes das eleições municipais de outubro de 2016. No Senado, seu presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), também já avisou que marcará para o início de março as votações de matérias sobre reforma política.
Toda essa pressa se explica. Querem fixar em lei as doações de grandes empresas para as campanhas eleitorais, que podem estar ameaçadas por uma retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de uma ação encabeçada pela OAB, e apoiada pelo PSTU, que proíbe o financiamento empresarial.

No julgamento do STF, essa ação já contava com o apoio de seis ministros e apenas um voto contrário. Quando faltava o último voto, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e o processo não entrou mais em pauta. Uma situação absurda, onde já há uma maioria folgada no STF proibindo o financiamento de campanhas eleitorais pelas grandes empresas, e o Congresso pode acabar definindo a matéria, garantindo em lei essa verdadeira fonte de corrupção.

Nova comissão abre espaço para maiores retrocessos
Ao contrário de buscar os principais temas para que fosse realizada de fato uma reforma política que amplie o espaço democrático e combata a corrupção, a maioria dos seus membros quer levar a discussão para um caminho oposto, votando propostas que fechem ainda mais o regime e garantindo a manutenção do financiamento privado das campanhas eleitorais.
Na Câmara, as discussões na grande imprensa giram em torno do fim da reeleição para os cargos executivos, com ampliação dos mandatos para 5 anos, a manutenção do voto obrigatório, um retrocesso ainda maior na proporcionalidade do voto, uma concentração maior do tempo de TV para os partidos com maiores bancadas na Câmara, a proibição de coligações proporcionais e, no máximo, a adoção de um financiamento misto de campanha, ou seja, inserindo uma parte de financiamento público, mas mantendo a possibilidade de  financiamento privado, especialmente pelas grandes empresas.
Não se poderia esperar nada diferente de uma Câmara de Deputados dominada por maioria esmagadora de “picaretas”. Uma Casa onde mais de 370 deputados tiveram suas campanhas diretamente financiadas por empreiteiras, fonte evidente de mais compra de votos e mais corrupção, presidida pela figura sinistra de Eduardo Cunha, deputado ligado ao lobby das igrejas evangélicas, de perfil ultraconservador, que defende pautas homofóbicas e machistas, além de ser acusado de corrupção, especialmente quando foi diretor da Companhia de Habitação do Governo do Rio de Janeiro na gestão de Garotinho, e já tem seu nome lembrado na Operação Lava Jato.
Qual papel joga o Governo Dilma e o PT neste debate?
A presidente Dilma assumiu de forma mais contundente a defesa da reforma política como uma de suas respostas às mobilizações de junho de 2013, inclusive para fugir das principais reivindicações levantadas pelas ruas e desviar as mobilizações de seu foco, e depois manteve a defesa desta bandeira durante sua campanha eleitoral e nos primeiros discursos já como presidente reeleita.
No papel, o PT se coloca formalmente em defesa de propostas mais democráticas, como o fim do financiamento das grandes empresas. Mas é preciso se ter uma análise crítica do papel do PT e de seu governo nas discussões da reforma política.
O PT discursa contra o financiamento empresarial, mas foi o partido que mais recebeu dinheiro das grandes empresas na campanha presidencial, por exemplo. Apesar do esforço de alguns poucos parlamentares petistas, este partido está no Governo Federal há mais de doze anos, na maioria das vezes contando com uma folgada maioria parlamentar nas duas Casas Legislativas, e nada fez de concreto para viabilizar uma reforma política minimamente democrática.
E, não é verdade que todas as propostas do PT vão no sentido de uma reforma política necessária para os interesses do povo trabalhador. O PT e seus parlamentares são parte importante dos beneficiados pela manutenção da maioria das regras atuais. A própria proposta, que agora foi desengavetada e está sendo defendida como parâmetro pela oposição de direita e por Eduardo Cunha, ficou conhecida como “PEC Vacarezza”, em alusão ao deputado petista de São Paulo na legislação passada.
É justo defendermos uma reforma política que torne o regime político mais democrático. Isso embora as verdadeiras mudanças que são necessárias em nosso país só virão com o fim da exploração de uns poucos sobre a maioria do povo trabalhador. Só depois disso poderá se falar em uma verdadeira democracia, e não a atual “democracia dos ricos”.
Mas só conseguiremos impor uma pauta que realmente seja do interesse dos trabalhadores e da maioria do povo se, em primeiro lugar, deixarmos de acreditar que tanto o PT como o Governo Dilma serão nossos aliados para conquistarmos nossas reivindicações. Do contrário, é cair em uma armadilha que tenta livrar mais a cara do PT e de seu governo em relação principalmente ao financiamento de suas campanhas pelas grandes empresas, ao invés de garantir de fato o avanço da mobilização dos trabalhadores, que permitam inclusive verdadeiros avanços democráticos.
Unificar as lutas contra o governo, a direita e o Congresso corrupto
Importantes movimentos sociais, políticos e democráticos, tendo à sua frente o MST, a Consulta Popular e o Levante da Juventude, vem defendendo que o centro da nossa pauta deva ser a defesa de uma Constituinte exclusiva para realizar a reforma política, uma proposta muito semelhante às assumidas formalmente pelo PT e o Governo Dilma. No dia 3 de fevereiro realizaram um ato político no Congresso Nacional para defender essa pauta.
Porém, a cada dia fica mais evidente que uma reforma política realizada por esse Congresso Nacional de maioria esmagadora de parlamentares corruptos e representantes dos interesses das grandes empresas será marcada por mais retrocessos democráticos. Não seria nada diferente se fossem eleitos outros parlamentares para uma possível Constituinte exclusiva, com as mesmas regras atuais, para realizar uma reforma política. Manteria-se uma maioria a favor dos interesses das grandes empresas e seus partidos.
Para acabarmos de uma vez por todas com o financiamento privado - e especialmente empresarial - das campanhas, para realmente termos um voto proporcional derrotando propostas ainda mais conservadoras como o voto distrital, uma divisão igualitária do tempo de TV e Rádio, instituir a revogabilidade dos mandatos, acabar com os privilégios e os enormes salários dos políticos, entre tantas outras propostas que em sua maioria são parte do Projeto de Lei encabeçado pela OAB e a CNBB, não existem atalhos, será necessário um amplo movimento de mobilização nacional, independente e contra os atuais governos e o Congresso Nacional.
O caminho já foi demonstrado pelos operários da Volks do ABC e pelos profissionais de educação do Paraná. Nossa pauta prioritária é intensificar as lutas contra os ataques de todos os governos. Construir uma jornada nacional de lutas unificadas que derrote a atual política econômica, grantindo às reivindicações dos trabalhadores, derrotando essa reforma política em tramitação na Câmara. Lutando, inclusive, para garantir uma reforma política que realmente seja mais democrática, começando por aprovar o fim do financiamento de campanha pelas grandes empresas.