Terça, 31 de março de 2015
Por Raphael Tsavkko Garcia
Paulo Arantes, durante o encontro dos seminários de quarta que acontece
na FFLCH-USP ao qual fui convidado na semana passada pra expor imagens e
impressões sobre a "nova direita" no Brasil: "Vendo o vídeo do Caio eu
me lembrei (eu era militante na época) da marcha da família com deus em
64 que também foram bem numerosas e bem impressionantes. Depois do golpe
ainda houve uma outra marcha de confraternização. Então é a primeira
vez que eu vejo isso vivo novamente em 50 anos. Portanto eu vi a direita
desfilando, mas era uma direita que não tem nada a ver com essa, eram senhoras de salto alto, padres, advogados, donas de casa bem
vestidas, com algumas panelas, terço... Aquilo não metia medo em
ninguém, uma semana antes do golpe nós ficamos impressionados com o
número de pessoas na rua, que dava de 10 a zero no comício da cut do dia
13... Mas era só, o resto não metia medo. Hoje vendo essas imagens que o
Caio escolheu, aqui dá medo e a impressão é que a repetição é muito mais sinistra do que a farsa. E assusta muito mais porque não
existe o outro lado, não tem esquerda e nós estamos sozinhos esperando
sermos linchados quando dermos a cara pra bater. Estamos sozinhos e por
outro lado tem uma energia social solta aí... Bom, isso é uma tese
clássica da esquerda européia dos anos 30, do marxismo europeu a
respeito do fascismo que diz que: o fascismo é a expressão de uma
derrota da esquerda, quando o fascismo surge nos anos20 na Itália é
quando a esquerda já perdeu a energia revolucionária. O fascismo era a
pulsão plebéia à todo vapor pra acabar com aquilo. Tinha crise, tinha
desemprego, tinha humilhação, tinha classe operária desorganizada, tinha
guerra, tinha tudo. A massa fascista era uma massa revoltada e por isso
ela foi organizada. Se você tem uma massa revoltada, proletária e que
vai te massacrar é porque você perdeu. É isso que vai acontecer conosco
agora, não há dúvida... A outra coisa que nos dá medo é o que nós
perdemos. Todos os "Renans"que estão aí é o que nós perdemos. A gente
precisa saber o que faz isso." via Caio Castor, no FB.
Fonte: Blog do Tsavkko
Fonte: Blog do Tsavkko
O comentário do professor Paulo Arantes descrito pelo Caio Castor é alarmista,
mas em geral correto.
A leitura geral me parece correta, de fato é mais
preocupante uma marcha de direita hoje do que em 64 onde as coisas eram
mais demarcadas (pese não poder dizer apenas que a marcha do dia 15 foi
só de direita ou majoritariamente pedia ditadura, tinha muita gente
mais perdida que carioca em tiroteio), e sem duvida a direita está onde
está por culpa da esquerda, que virou direita.
É
claro que, no entanto, não podemos resumir ou reduzir a marcha do dia
15 à "direita", tampouco a "golpismo", mas é fato que uma ampla maioria
se não era de direita, subscrevia crítica ou acriticamente ao pensamento dos grupos que convocaram a marcha. Aí está o nó, a direita está liderando o centro.
Sem dúvida muitos ali são disputáveis, mas quem está fazendo esta disputa?
E
não quero me repetir, mas é óbvio, o PT é o grande responsável por essa
direitização e também pela situação ter chegado a este ponto, mas não
só.
Setores
da esquerda "radical" também tem responsabilidade, por um discurso
descolado do povo, que não consegue dialogar com divergências, não
conseguem dialogar sobre pautas específicas com a maioria da população
(oras, não conseguem discutir entre si! É um tal de jogar pedra à mínima
discordância...). Mas, enfim, a culpa é nossa enquanto esquerda, seja
da que se vendeu, seja da que não consegue dialogar, seja da que se
limita a ver o barco passar.
É
difícil pensar em um caminho ou caminhos para superar a atual crise,
mas sem dúvida este passa pela total e completa superação do PT. Sem
remorso, sem olhar pra trás. E, claro, pelo combate franco às forças de
direita e fascistas que crescem.
E
por "forças de direita e fascistas" não me refiro apenas à grupos
pró-Ditadura, que felizmente AINDA são pequenos, mas que devem ser
ferozmente combatidos, mas também aos grupos neopentecostais que estão
hoje formando exércitos como os Gladiadores do Altar, que saem por aí
atacando praticantes de religiões afro e seus centros, perseguindo os
discordantes, espalhando medievalismo e ignorância, incutindo ódio
religioso e buscando controlar a política brasileira e impor sua visão
deturpada de mundo à constituição e à população.
Se
estes grupos não forem parados agora, poderemos não ter nova chance no
futuro. Se hoje os evangélicos são 20% da população (e os
fundamentalistas provavelmente metade disso e obviamente estes são os
inimigos) e já praticamente controlam o congresso, imaginem se não forem
impedidos de pregar seu ódio.
Mas e o resto da esquerda?
Não
faz muito tempo chegou até mim um manifesto em que pese algumas
críticas ao PT (e obviamente ao PSDB), não conseguia superar o
sentimento enraizado de amor ao PT ou de que se deve algo ao PT, um
saudosismo dos tempos de esquerda do partido, uma insistência em não
enxergar o óbvio e a realidade e de embarcar no discurso fácil dos
fundamentalistas neoPTcostais de que ainda há alguma disputa a ser feita
no e pelo partido.
No
manifesto, após críticas, o velho morde e assopra. O PT é responsável
pela crise da Petrobrás, sem dúvida ~subtraiu~ valores da empresa, MAS
(notem o "mas"), o PSDB... Não, meus amigos, não tem "mas". O PSDB se
pudesse privatizaria a empresa sem dó e dividiria o lucro com seus
amigos (como já o fez em outros caoss), mas o PT vem efetivamente
privatizando lentamente a empresa e, no meio tempo, tem se refestelado
com ampla corrupção.
Não
é uma questão de escolher, é necessário denunciar igualmente AMBOS os
partidos e seus respectivos aliados, sem continuar no joguinho de
encobrir e escolher o "menos pior". De quebra, o texto ainda busca dar
um tom passivo aos atos do PT, como se o partido tivesse sido LENIENTE
com os roubos da Petrobrás e não parte ativa, enquanto mandantes, da
roubalheira.
A
linguagem diz muito. A escolha das palavras é fundamental. Recuar ou
buscar de qualquer forma justificar ou acobertar, ou mesmo diminuir, o
papel do PT na direitização do país é bater palmas para este processo.
Tentar criar alternativas enquanto se passa o pano pro PT equivale a
enxugar gelo e até que entendamos isso, é melhor nem insistir, pois todo
e qualquer projeto estará fadado ao fracasso.
"(...) Camaradas, reconheçam agora que esse 'mal menor'
Que ano após ano foi usado para afastá-los de qualquer luta
Logo significará ter que aceitar os nazistas.
Mas nas fábricas e nas filas dos desempregados
Vimos a vontade de lutar dos proletários (...)"
Bertolt Brecht, 'Quando o fascismo se tornava cada vez mais forte' In: Poemas 1913-1956, 2000 [1967], p. 95.
Com
o perigo de mais uma vez me repetir, fica o apelo: Superem o PT. Parem
de justificar, de "entender" os atos do partido. Não fiquem excitados
porque no mar de lama surgiu um Janine Ribeiro que, sozinho, irá salvar a
pátria. Não, ele não vai.
Não
se trata te ~torcer contra~ mas de ser realista. Uma andorinha não faz
verão, um Janine Ribeiro não fará a revolução na educação. Se ele
conseguir ao menos brecar parte das "reformas" que Dilma vem fazendo ou
debatendo até aqui (chegando ao ponto de aventar terceirizar a
contratação de professores federais) já será um ganho, mas ainda assim,
mais por obra dele que do PT que, sem dúvida, se vendo nas cordas e
atacados por todos os lados, da direita à esquerda, resolveu fazer um
aceno contando com a boa vontade dos ainda adeptos da tese do mal maior (ou mal menor, para ficarmos com o velho Brecht).
Aceitem
de uma vez por todas que não há salvação - a não ser que você acredite
na volta de jesus e afins, porque se acredita no PT.... - e vamos
construir alternativas antes que seja tarde.