Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 30 de maio de 2015

Financiamento eleitoral por empresas: um câncer na democracia

Brasília, 29 de maio de 2015
Por Aldemário Araujo Castro*
"A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (27) incluir na Constituição Federal autorização para que empresas façam doações de campanha a partidos políticos, mas não a candidatos. As doações a candidatos serão permitidas a pessoas físicas, que poderão doar também para partidos. O texto foi aprovado por 330 votos a favor e 141 contra" (Portal G1, dia 27 de junho de 2015).
" 'Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo'. Quem disse isso, veja bem, não foi nenhum cientista político, mas um corrupto confesso: o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, em delação premiada à Polícia Federal. (...) A JBS [Friboi] ... doou R$ 366 milhões a políticos nas eleições de 2014, o que a transformou oficialmente na maior doadora do País. Por outro lado, ela também é a recordista em receber dinheiro do governo. O BNDES injetou R$ 7,5 bilhões na Friboi nos últimos anos, na forma de empréstimos e de compra de ações. Coincidência?" (Revista Superinteressante, maio de 2015).
Uma profunda reforma político-eleitoral, com inafastável conteúdo democrático e popular, que contemple o afastamento do financiamento empresarial, é uma das iniciativas mais importantes no atual cenário nacional.
Várias propostas são cogitadas nesse campo. Sem esgotar a lista, os seguintes assuntos podem ser destacados: a) financiamento de campanhas; b) sistemas eleitorais para composição dos parlamentos; c) voto obrigatório; d) reeleição; e) suplentes de senadores; f) candidaturas avulsas; g) cláusula de barreira; h) liberdade de manifestação político-eleitoral, notadamente na internet; i) prestação de contas; j) propaganda eleitoral; k) pesquisas eleitorais; l) fidelidade partidária; m) organização de “clubes” de eleitores; n) partidos de aluguel; o) distribuição de tempo nos programas de rádio e televisão; p) distorção, em relação à população das unidades da Federação, nas representações na Câmara dos Deputados; q) coincidência de mandatos; r) racionalização dos casos de desincompatibilização; s) bicameralismo no âmbito da União; t) utilização de “cabos eleitorais” e u) utilização da urna eletrônica e v) concomitância de todas as eleições (municipais, estaduais, distritais e federais).
O financiamento eleitoral é, de longe, a mais importante questão da reforma político-eleitoral na atualidade. Alguns dados mostram um quadro profundamente deteriorado. "PT, PMDB e PSDB, as três maiores legendas do País, receberam pelo menos R$ 1 bilhão de empresas entre os anos de 2009 e 2012, o que equivale a quase 2/3 de suas receitas, em média." (Estadão, 23 de fevereiro de 2014). Nas eleições para Deputado Federal em 2014, cerca de 2/3 (dois terços), em média, dos financiamentos eleitorais dos vencedores são oriundos de pessoas jurídicas (empresas) (Estado de Minas, 8 de dezembro de 2014). Importa pontuar que as campanhas eleitorais com recursos modestos e sem financiamento de empresas são honrosas exceções, como é o caso do PSOL.
O atual modelo de financiamento preponderantemente privado das campanhas eleitorais, notadamente por (grandes) empresas, induz corrupção em larga escala e “escolhe” claramente representantes dos interesses mais mesquinhos e elitistas presentes na sociedade brasileira. Os dados dos financiamentos de campanhas eleitorais nos últimos pleitos são profundamente esclarecedores.
O modelo a ser adotado deve combinar os financiamentos público e privado. Essa última modalidade deve ser realizada exclusivamente por pessoas físicas com limites espartanos (um a dois salários mínimos, por exemplo). Deve ser lembrado que na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), já foram colhidos 6 (seis) votos pela inconstitucionalidade do financiamento eleitoral por empresas. Também é fundamental que o financiamento público viabilize campanha eleitorais singelas, sem pirotecnias midiáticas, enormes estruturas de propaganda e contratação de legiões de “cabos eleitorais”.
Parece, portanto, fora de dúvida que a Câmara dos Deputados ao viabilizar o financiamento eleitoral por empresas, mesmo de forma indireta através dos partidos, prestou um grande desserviço à democracia e aos interesses populares.
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*Aldemario Araujo Castro é Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
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