Sexta,
31 de julho de 2015
Do
Correio da Cidadania
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Escrito por Plínio Gentil*
“Um dia chegaremos a um estágio em que será possível
determinar se um bebê, ainda no útero, tem tendências à criminalidade e, se
sim, a mãe não terá permissão para dar à luz”. Segundo o portal Fórum, “essa afirmação foi feita pelo deputado federal Laerte Bessa (PR-DF)
em matéria
publicada pelo jornal inglês The
Guardian no dia 29 de junho. O parlamentar é relator da PEC 171/93,
que reduz a maioridade penal”.
Como todo estelionato - previsto no artigo 171 do Código
Penal, o mesmo número da PEC da redução -, seria cômico se não fosse triste o
ponto de vista do deputado, ainda mais que foi divulgado internacionalmente, o
que também o torna constrangedor.
Preocupante é que o deputado não deve falar só por si. Ao
longo da história as teses mais bizarras já foram tidas como coisa sérias por
muita gente, antes de perceberem que seus defensores estavam, na verdade,
servindo aos interesses mais mesquinhos.
A escravização do negro, por exemplo, assim como a
dominação das nações africanas pelo europeu, já foram justificadas por uma
suposta superioridade racial do branco; a perseguição aos judeus foi
frequentemente explicada porque eles pertenceriam a uma etnia degenerada - e
nisto há toques de intolerância religiosa, manifestada no ódio aos
"assassinos de Cristo", ele também, aliás, um judeu, mas isto nunca
convém entrar na conversa.
Além disso, já se apontaram razões geográfico-climáticas
para legitimar o poder dos brancos inteligentes e laboriosos, vindos de regiões
frias, no norte, sobre os povos preguiçosos que habitam lugares tropicais, de
clima quente. Lógico, jamais é feita qualquer menção ao elevado grau de
civilização a que chegaram, na Antiguidade, as nações da caliente Mesopotâmia.
Pior ainda é que nunca faltou uma coloração
"científica" a essas afirmações. No último quarto do século 19, o
psiquiatra italiano Cesare Lombroso fez sucesso e seguidores com sua tese a
explicar o comportamento do criminoso a partir de suas características físicas,
incluindo sua fisionomia, formato do crânio e das orelhas, lateralidade
esquerda, volume de pelos etc. Um prato cheio para os entusiastas da eugenia e
de medidas higienizadoras com base na medição dos crânios, coisa tão do agrado
do nazismo. Um pouco antes o conde francês Gobineau tinha desenvolvido um
estudo "provando" a superioridade biológica da raça nórdica, ou
ariana, e "explicando" a evolução da história da humanidade com base
nas diferenças raciais.
Pegando carona com Gobineau, já no século 20, o
antropólogo inglês, radicado na Alemanha, Houston Chamberlain proclamava
"cientificamente" ter identificado no povo alemão os traços da
superioridade ariana, qualificando-o como o mais bem dotado entre todos os
demais. Os resultados dessa crença - e de como ela serviu aos ideais de
dominação nazista - são bem, e tristemente, conhecidos.
Ou seja, mesmo para afirmações como a do deputado relator
da PEC 171 (?), sempre existem adeptos, muitos de boa fé, sujeitos a todo tipo
de fraudes, e aí é que mora o perigo. É conveniente desmascarar o absurdo
dessas bizarrices e reconstituir um pouco a história do mundo para evitar a
repetição de algumas tragédias.
Leia também:
*Plinio Gentil é professor de
Direitos Humanos e Direito Penal´e Procurador de Justiça criminal no estado de
São Paulo.
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