Sábado, 25 de julho de 2015
Da Tribuna da Imprensa
José Amaral Argolo*
Em
1993 tanto eu como o engenheiro Luiz Alberto Machado Fortunato ouvimos falar
sobre a existência de Pierre Richell Pelegrin, cognominado O Francês,
combatente na etapa final da guerra da Indochina e, posteriormente, durante a
campanha de libertação da Argélia, atuando como suboficial das forças
coloniais. Posteriormente, tendo em vista os resultados da sua atuação no norte
da África, e mais ainda: o receio de vir a ser punido pelo Governo de Charles
De Gaulle, veio para o Brasil onde, entre outras atividades, conseguiu emprego
nas obras do interceptor oceânico, em Ipanema (meados dos anos sessenta),
graças aos seus amplos conhecimentos sobre explosivos e demolição.
Não
tardou para que fosse cooptado por um pequeno grupo de militares e civis
radicais empenhados numa guerra surda contra os grupos da esquerda armada.
Parte substancial dessa experiência foi publicizada graças ao empenho dos
autores supra e por intermédio de uma série de entrevistas realizadas em
ambientes diversos, com oficiais reformados e civis ex-integrantes e/ou
simplesmente colaboradores daqueles ativistas reunidos naquele que ficou
conhecido como o Grupo Secreto, responsável por mais de quarenta e seis
atentados a bomba no antigo Estado da Guanabara, entre 1968 e 1972.
Todos
esses episódios foram minuciosamente relatados em A Direita Explosiva no
Brasil (Rio de Janeiro, Mauad, 1996, 332 p.) e Dos Quartéis à
Espionagem: Caminhos e Desvios do Poder Militar (Rio de Janeiro, Mauad ,
2004, 248 p.), o primeiro com a colaboração de Kátia Ribeiro. Em um terceiro
volume: Terrorismo e Mídia (Rio de Janeiro, E-Papers, 2012, 368 p.), chancelado
tão-somente pelo autor destas linhas, foi possível ressaltar outras operações
perpetradas no âmbito da chamada Direita Radical.
Os
dois últimos, pelo que me foi dito, escaparam à leitura dos integrantes da
Comissão. Faço um convite para que não deixem escapar essa oportunidade.
Pierre
está bastante idoso, quase chegando à casa dos noventa. E, há poucos dias, foi
localizado em solo francês, para onde retornou graças ao auxílio de mãos
invisíveis, graças a uma bobeada resultante da vaidade que sempre renegara
enquanto residiu no Brasil. Inicialmente no Rio de Janeiro e, tempos depois, em
Brasília. Em uma página de uma das redes sociais (cuja designação preservo
porquanto não necessariamente abriga indivíduos dotados de matrizes radicais)
foi identificado e localizado.
Todo
esse esforço poderia ter sido antecipado mediante uma simples consulta aos
arquivos fotográficos dos diários publicados na Capital Fluminense e nos das
sucursais de outros produtos noticiosos. Mas isso não importa mais.
Em
primeiro lugar utilizou o seu próprio nome, o que pressupõe o rompimento de um
dos fundamentos do submundo do terrorismo, dos soldados da fortuna e mercadores
da morte (leia-se contrabandistas de armas e munições) jamais revelar o
próprio nome ou associá-lo a atos pretéritos capazes de ressuscitar rancores ou
contribuir para desviar a atenção dos segmentos da Opinião Pública em tempos de
crise.
Diferentemente
da identificação, localização, captura e sequestro de Adolph Eichmann, na
Argentina, por um comando especial israelense (que o conduziu para ser julgado
e condenado à morte pelos crimes perpetrados contra os judeus e outras
minorias, durante a Segunda Guerra Mundial) Pierre Richell Pellegrin não matou
ninguém enquanto aqui esteve. Mas ensinou outros indivíduos a fazê-lo, por meio
de bombas caseiras e outras com as quais estava familiarizado desde os combates
na Indochina e na Argélia.
Também
não poderá vir a ser extraditado uma vez que não pesam sobre ele o sangue das
vítimas posteriores à sua fuga por intermédio dos corredores de proteção que,
com toda certeza, lhe foram abertos pelos demais participantes do mencionado Grupo
Secreto e/ou da Comunidade de Inteligência. Os tempos em que morou em
Brasília, a proximidade com tais pessoas, as mudanças no foco após a
consolidação da Nova República e, tempos depois, as mudanças derivadas
do pânico generalizado decorrente da Guerra Assimétrica, das ações do
fundamentalismo islâmico etc, afrouxaram os indispensáveis cinturões de proteção.
Some-se
a tudo isso o ressurgimento da nova Direita, não somente na França, mas em
praticamente toda a Europa. A prudência de costume cedeu lugar a uma (sabe-se
lá?) vaidade descabida. A tal ponto que, em sua página nas mídias sociais,
escreveu que não se arrependia de nada. Ora, quem não se
arrepende? Apenas os fanáticos ou aquelas pessoas que nada devem. Caiu na
própria armadilha. Não imaginava que, nos dias de hoje, inexistem distâncias;
que os hackers estão aí exatamente para atuar no incogitável: na
violação da privacidade entre outras coisas.
As
histórias que ouvimos e/ou obtivemos sobre Pierre Richell Pellegrin e suas
atividades, conforme explicitado, foram publicadas e, hoje, os nossos livros
constituem obras de referência sobre uma fração da História Política
Brasileira.
Outro
aspecto a ser considerado: os três investigadores que colaboram com o
Ministério Público e a Comissão da Verdade em âmbito estadual, não poderiam ter
chegado ao ex-combatente francês apenas por seus próprios méritos. Houve, em
certo grau, ajuda externa. Penso na Interpol (com sede em Paris) e na Adidância
da Polícia Federal do Brasil, também na Capital francesa. Penso numa
colaboração discreta por parte das principais agências antiterrorismo
norte-americanas, francesas e belgas.
Penso,
também, que este texto que ora finalizo, incluiu ponderações bem atrevidas. A
referida Comissão, apoiada eficazmente pelo Ministério Público, teria logrado
identificar três corpos dos chamados “desaparecidos políticos”, o que constitui
um conjunto de pontos favoráveis. Mas não conseguiu, até o momento e pelo que
soube, localizar alguns dos indivíduos que desertaram das organizações da
esquerda armada, mantiveram o status de “desaparecidos políticos” e
passam muito bem, obrigado, em alguns países da Europa e Américas.
*José Amaral Argolo é Jornalista, Advogado e Professor do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal
Fluminense.