Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

2015, um ano que não cabe em definições

Terça, 29 de dezembro de 2015
Da Tribuna da Imprensa
Por Igor Mendes
Tenho visto por aí, entre os ativistas, muitas pessoas frustradas com este ano que ora finda. Uns, porque esperavam que desatasse um novo levantamento popular generalizado, uma vez que pioraram, e sob alguns aspectos acentuadamente, as condições em que vive nosso povo; outros porque, incompreendendo a complexidade do processo histórico, e ainda influenciados pelos oportunistas que estão no governo, só veem o fantasma da direita por todos os lados, incapazes de perceber que o acirramento da luta de classes não poderia mais que radicalizar a luta ideológica e política em toda a sociedade. Ora, as grandes mudanças sociais são impossíveis em ambiente de apatia, de “normalidade”, como aquele vivido antes de junho de 2013.
Da minha parte, e aí misturam-se os aspectos políticos e pessoais, julgo 2015 um ano extraordinário. Nos dois sentidos da palavra: por ter sido atípico, cheio de vicissitudes e viragens; e também por ter aberto novas e maiores possibilidades, que frutificarão em breve.

Metade desse ano eu assisti passar na cadeia, numa cela do complexo de presídios de Bangu. Nesse período de festas, no ano passado, lá estava, vendo e vivendo na pele uma das faces mais hediondas desse Estado hediondo. Quem queira conhecer esse Brasil profundo, que não aparece nos jornais ou nas propagandas eleitorais, deveria ir ao menos a dois lugares, em se tratando das grandes cidades: a emergência dos hospitais públicos e as filas dos presídios, em dias de visitas. Aí o sofrimento, a desigualdade social, a marginalização e tratamento desumano dispensado aos setores mais pauperizados de nosso povo atingem as raias do absurdo, e cai por terra a ilusão sobre essa “democracia” supostamente instaurada pós-1988. Para esses setores de nossa população os “anos de chumbo” não acabaram.
Ainda nessa frente, terminamos o ano sem a publicação da sentença do processo dos 23, mas com duas vitórias acachapantes no STJ, ambas unânimes, uma ratificando a liminar que nos libertou em junho e outra considerando inconstitucional a medida cautelar que nos proibia comparecer em manifestações públicas. A luta nesse terreno foi desigual e muito dura, mas desde a libertação de Caio Silva e Fábio Raposo –outro marco desse ano –a onda fascista de perseguição aos manifestantes começou a refluir.
No terreno político em geral também se deram demarcações importantes. Quando centenas de milhares de pessoas foram às ruas cobrar o impeachment de Dilma, os setores governistas, desesperados, puxaram o fantasma da “direita”, a fim de desqualificar a insatisfação crescente com a situação de descalabro vivida pelo País. Alguns lutadores honestos, que combateram do lado certo em junho de 2013 –lembremos, aquelas manifestações também foram tachadas pelo PT e seus grupos satélites como “direitistas”, apesar dos enfrentamentos quase diários da juventude combatente com as forças policiais, aquelas compostas principalmente por jovens das periferias –embarcaram nesse autêntico canto da sereia, não vendo, ou não querendo ver, que Dilma não apenas governou sempre com a direita (veja-se sua “base aliada”) como é de sua iniciativa o sangrento ajuste fiscal contra os trabalhadores e a fascista lei antiterrorismo, para atermo-nos a dois exemplos próximos no tempo. Sinteticamente falando, a maior ajuda que poderíamos dar à “direita” seria deixar-lhe o monopólio da oposição a esse governo, um dos mais impopulares de nossa história recente, que desemprega e ataca furiosamente os (poucos) direitos sociais e trabalhistas que temos.
No Rio, o ano fecha com os hospitais em estado de emergência, e as favelas banhadas em sangue, incluídas aquelas ditas “pacificadas”. A coisa atingiu um ponto tal que a própria ALERJ, dócil instrumento do Executivo, foi obrigada a instituir a CPI dos autos de resistência, devido aos inúmeros “confrontos” forjados que foram flagrados por celulares e pararam na imprensa. Para o próximo ano a crise tende a agravar-se, e possivelmente as greves viverão novo auge, atropelando as direções oportunistas que só quererão saber da farsa eleitoral. As Olimpíadas, realmente, prometem...
*
Foi amarga, já no fim do ano, a perda do nosso Presidente (Sérgio Luiz Santos das Dores), figura de singular dignidade e lucidez, com quem tive o privilégio de conviver em muitas oportunidades. Passar pela Cinelândia e falar com o amigo eram coisas inseparáveis. Sua serenidade, quase estoica, para encarar as mazelas da vida manteve-se até o fim, e quando o visitei no leito do hospital, poucos dias antes de sua morte, jamais seria capaz de imaginar o que estava prestes a acontecer. Os relatos indicam que foi o Presidente mais uma vítima da falência de nosso sistema público de saúde, fato que infelizmente não foi apurado. Fica aqui o registro, como singela homenagem, a essa figura de caráter inabalável, e a afirmação (indignada) de que os vereadores, deputados e demais “almofadinhas” que abriram as portas da Câmara para o Presidente morto –nunca o fizeram em vida, ao contrário, expulsaram-no, como a todas ocupações que por lá passaram -não representam a sua memória de manifestante e anti-eleitoreiro convicto. Nossas fileiras ficam menos fortes, e um tanto mais tristes, sem o nosso querido companheiro.