De um lado, a colunista Mônica Bergamo, da Folha de
S. Paulo, informa que insensatos estão tramando batalhas campais capazes de
acender o pavio que mandaria pelos ares o paiol da democracia brasileira:
"Movimentos sociais estudam convocar para o
dia 13 de março uma manifestação pró-Lula na avenida Paulista.
O evento seria no mesmo dia e hora em que
movimentos contra o governo (...) marcaram protestos contra o ex-presidente e a
favor do impeachment de Dilma Rousseff.
O partido [PT] vê risco e já decidiu não se
envolver na organização nem na divulgação dela.
'Essa ideia está muito forte', diz João Paulo,
dirigente do MST. 'Em alguns estados já está praticamente decidido, como
Brasília e Rio Grande do Sul', afirma".
Depois de amanhã (4ª feira, 9) os movimentos
sociais decidirão se vão manter a data originalmente fixada para sua saída às
ruas (18/03) ou antecipá-la em cinco dias.
Do outro lado, Vinícius Mota, também colunista da
Folha de S. Paulo, desdenha do alarmismo que a rede chapa branca dissemina na
internet:
"A Presidência Dilma Rousseff está
irremediavelmente destruída. O PT definha em praça pública. Lula vai dedicar os
próximos meses, assim como tem feito nos anteriores, exclusivamente a salvar a
própria pele e a de seus familiares.
As expectativas de ressurgimento do velho Lula e do
PT -com sua base movida a fundos públicos a atemorizar incautos com pesadelos
de conflagração- são ilusões aprisionadas no simulacro das redes sociais.
No país real não há nenhum estímulo para defender o
status quo encarnado por Dilma, Lula e o PT. O desemprego se espalha, a inflação
corrói o salário e a política federal só produz horrores. Se uma nova maioria
ainda não surgiu, da velha não se espere nada além de apodrecimento".
Para deixar ainda mais confuso o quadro, o
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto lançará nesta 2ª feira (07/03) um
manifesto de ruptura com o Governo Dilma, argumentando que não a presidente tem
encampado as "reivindicações da elite" a ponto de não existir mais a
expectativa de uma guinada à esquerda. Eis alguns trechos do documento:
"Iniciativas como a reforma da Previdência, a
reforma fiscal, o acordo com o PSDB em relação ao pré-sal e a lei
antiterrorismo são expressões de um governo que parece não ter mais limites na
entrega de direitos sociais".
"Por causa dessa guinada [à direita] o governo
viu evaporar a sua base social. Ficou com o ônus e não recebeu o bônus. Perdeu
a base, o rumo político e ainda assim ficou sem a dita
governabilidade".
"As pautas da direita serão enfrentadas nas
ruas, sem tréguas e com radicalidade".
Resta saber se Dilma vai ficar mesmo sob ataque
simultâneo da direita e da esquerda. Vale lembrar que o MTST é responsável pela
execução em São Paulo de uma das modalidades do Minha Casa, Minha Vida e
não se conforma com o corte de investimentos na faixa 1, voltada para as
famílias mais pobres. Más línguas insinuam que os sem-teto estariam pedindo
muito para conseguirem o pouco que os afeta diretamente.
Mas, algo assim desmoralizaria irremediavelmente o
movimento. Torço para que não seja outro afeto que se encerra, pois
já sofremos decepções demais nos últimos tempos.
ROTA DE COLISÃO
Isto é tudo que a militância de
esquerda não deve ser. Jamais!
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O certo é que há, sim, motivos para recearmos
derramamento de sangue e um desfecho autoritário da crise de ingovernabilidade.
Vinícius Mota está certo quanto aos arranhões que a
mística do PT e de Lula sofreram, mas parece não levar em conta que se trata de
um partido bem diferente daquele que a esquerda idealizou no final da década de
1970.
Já nos anos 80, com o expurgo das tendências e a
desideologização decorrente do inchaço (ingresso indiscriminado de ambiciosos e
carreiristas), a qualidade da militância começou a mudar para pior.
O processo atingiu o auge de 2002 para cá, quando
brotaram boquinhas como cogumelos. Fala-se que, só nas tetas
do governo federal, haveria mais de 40 mil petistas pendurados (não direi profissionalizados,
pois nunca gostei de eufemismos...).
E o que dizer das tribunas virtuais que sobrevivem
principalmente em função de anúncios de empresas vinculadas à União?!
Então, quando começou aquela virulenta campanha de
satanização da Marina Silva na última campanha presidencial, fiquei chocado com
o abandono da tradição esquerdista de tratarmos cordialmente, como adversárias,
as forças pertencentes ao nosso campo; e agressivamente, como inimigos,
apenas os representantes do capital e os liberticidas.
Eu percebia que o PT estava exaurido, a ponto de não ter mais esperanças a oferecer, optando por uma campanha eminentemente negativa. E não tinha dúvidas de que, para um partido dito dos trabalhadores, estar à frente do governo entre 2015 e 2018 seria a maior roubada, já que a economia brasileira começava a fazer água e o grande capital exigia um impopular ajuste recessivo.
Eu percebia que o PT estava exaurido, a ponto de não ter mais esperanças a oferecer, optando por uma campanha eminentemente negativa. E não tinha dúvidas de que, para um partido dito dos trabalhadores, estar à frente do governo entre 2015 e 2018 seria a maior roubada, já que a economia brasileira começava a fazer água e o grande capital exigia um impopular ajuste recessivo.
Isto é tudo de que não
precisamos neste momento
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Por que, então, não competir lealmente com Marina
Silva, filha pródiga do petismo e que a ele agregara preocupações ecológicas
importantíssimas em nosso tempo? Sua vitória não seria nenhum fim do mundo e
deixaria intacta a possibilidade de Lula voltar triunfalmente em 2018.
No entanto, o PT lançou contra ela uma verdadeira
guerra de extermínio. Ocorreu-me que, como politicamente isto beirava a
irracionalidade, deveria estar pesando muito nesta decisão o desespero daqueles
que haviam transformado a militância em profissão e modo de vida.
E é aí que mora o perigo. O desespero dessa gente
deve ser maior ainda agora, a ponto de já haver registros de enfrentamentos nas
ruas com contingentes pró-impeachment. A intimidação talvez se constitua na sua
derradeira cartada. E eu temo que domingo sejam abertas as portas do inferno.
Exorto a esquerda movida pelos ideais (e não por
interesses) a ficar fora dessa temerária aventura.
A refletir sobre se vale a pena irmos tão longe
para tentarmos salvar um governo desacreditado e que abandonou pelo caminho
suas bandeiras de transformação da sociedade, hoje nada mais significando em
termos revolucionários.
E se, num momento em que nossas forças são
nitidamente inferiores, compensa travarmos batalhas que poderão pôr a pique uma
democracia que, embora imperfeita, sempre será melhor do que outra ditadura. Da
última vez, perdemos muito dos melhores cidadãos que este país já produziu e
penamos 21 anos para nos livrarmos do arbítrio. Não podemos repetir os mesmos
erros!
Quem tem verdadeiro compromisso com a causa dos
explorados deve pressionar para que não sejam marcadas manifestações em rota de
colisão com as da direita, nem buscados confrontos que alimentarão uma espiral
de violência cujo resultado previsível é a saída dos quartéis dos efetivos mais
treinados e melhor equipados para exercer a violência.