Quarta, 16 de março de 2016
* por José Menezes Gomes
O processo de privatização interna da Petrobras teve um grande
impulso no governo FHC, quando em 1997, logo após a quebra do monopólio,
com Joel Rennó na presidência1, se realizou um acordo dando
exclusividade a Oderbrecht em futuras parcerias2. Este processo teve
continuidade nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, tendo como
consequência o aprofundamento do processo de terceirização de funções
antes exercidas pela estatal. A quebra do monopólio, definida pela lei
9.478 de 1997, visava criar um ambiente propício aos investimentos
privados em exploração e produção. Tal processo foi acompanhado por
iniciativa de dentro do governo de preparar o terreno para o surgimento
de empresas privadas que passassem a ocupar o espaço até então exclusivo
da estatal. Nesta direção a Petrobras foi liberada de procedimentos
rigorosos de contratação com flexibilização de regras para supostamente
poder concorrer com as grandes do setor. Em seguida FHC mudou o estatuto
da empresa em 1999, permitindo a venda de parte das suas ações
diretamente na bolsa de nova Iorque, nos chamados ADRs, o que facilitou a
aquisição das ações por estrangeiros. Além disso, a Petrobras passou a
contratar empresas terceiras para desempenhar funções antes exercidas
por ela.
Esta estatal passou a ampliar sua presença em segmentos como o
transporte e refino de petróleo e a petroquímica com a compra, em março
de 2007, junto com o Grupo Ultra e a Brasem, da Refinaria Ipiranga por
US$ 4 bilhões. Pelo acordo, o grupo Ultra ficou com a rede de
distribuição de combustíveis da Ipiranga nas regiões Sul e Sudeste,
enquanto a Petrobras ficou com a parte do grupo nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.3 Deste valor total da operação, a Petrobras
desembolsou US$ 1,3 bilhão, a Braskem US$1,1 bilhão e o grupo Ultra
emitiria 52,8 milhões de ações, num valor equivalente a cerca de US$ 1,6
bilhão. Nesta direção a estatal tem sido um sustentáculo para o
processo de fusão e aquisição que fortaleceu os grupos privados. A
Ipiranga era o segundo maior distribuidor de combustível brasileiro,
atrás apenas da BR Distribuidora, braço de distribuição da Petrobras,
com atuação também no setor petroquímico, refino, exploração de petróleo
e gás.
A expansão da Brasken, também, é resultado do processo de
privatização ocorrido durante o governo FHC com crescente volume de
recursos subsidiados do BNDES, reunindo a antiga Copene e um conjunto de
empresas operacionais da Odebrecht e do Grupo Mariani, entre as quais a
OPP Química, a Trikem, a Nitrocarbono, a Proppet e a Polialden. Em
2008, a Braskem anunciou a integração das participações da Petroquisa no
capital da Copesul, Ipiranga Petroquímica, Ipiranga Química e da
Petroquímica Paulínia. Com base nessa decisão, a Odebrecht, como
acionista controlador da Braskem, celebrou com a Petrobras um novo
acordo de acionistas que reforçou ainda mais a aliança estratégica entre
as empresas. A justificativa deste acordo é que desta forma se teria a
consolidação do setor petroquímico brasileiro.
Estas parcerias serviram para progressivamente fortalecer seus
concorrentes surgidos, especialmente depois de 1997, quando os fundos de
pensão ligados ao PT e a CUT, aliados com as grandes empreiteiras e
financiados pelo dinheiro subsidiado do BNDES deram início a
transferência de monopólios das estatais para a formação de monopólios
privados. Com isso as empreiteiras passaram a deter grande parte das
empresas ex-estatais de setores estratégicos como química, petróleo,
telefonia, comunicação, energia, etc. A Petrobras agiu sempre no sentido
de fortalecer as parcerias com as empresas privadas, que nunca tinham
atuado no setor e que progressivamente passaram a se apropriar da
tecnologia que antes era dominada pela Petrobras.
Esta intenção de criar empresas privadas no setor de petróleo se
manteve também no governo Lula da Silva. Segundo Ildo Sauer, professor
da USP e Ex – diretor da Diretoria de Gás e Energia da Petrobras no
governo Lula, José Dirceu ajudou a entregar o Pré – Sal para Eike
Batista. Este processo teve início em 2005 – 2006, quando Rodolfo Landim
saiu da Petrobras porque o consultor da OGX, que era José Dirceu,
sugeriu a Eike Batista que entrasse no ramo de Petróleo. Desde então,
passou a contratar técnicos desta estatal, levando segredos
estratégicos. De acordo com ele a OGX foi criada em 2007 e em julho de
2008 estava valendo R$ 17 bilhões. O que a empresa tinha antes era um
patrimônio de US$ 200 milhões: “tudo que ele tinha era uma equipe
recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados por Lula e
Dilma (…) foi um dos processos de “acumulação primitiva” mais
extraordinários da história do capitalismo mundial. Alguém sai do nada e
em menos de três anos tem uma fortuna de bilhões de dólares”. A
Petrobras durante toda a sua existência conseguiu ter 20 bilhões de
barris, enquanto Eike Batista em pouco tempo passou a ter reservas de 10
bilhões de barris, que correspondem US$ 100 bilhões.4
Todavia, em meados de 2012 após a OGX, braço petroleiro do grupo, ter
perdido US$ 27 bilhões em valor de mercado, no semestre, Eike Batista
demitiu Paulo Mendonça da presidência da empresa. Vale lembrar que ele
foi mais um dos executivos vindos da Petrobras contratados a peso de
ouro por Batista, após mais de 30 anos na estatal. Rodolfo Landim,
também ex – Petrobras, saiu da empresa em 2010 após desentendimento com
Eike, que acabou na Justiça. As empresas do grupo de Eike Batista
ficaram conhecidas no mercado pelos seus crescentes prejuízos e pelas
falências. A corrupção dentro da Petrobras resulta da evolução deste
processo de privatização interna. As empreiteiras envolvidas no
escândalo da operação Lava jato são denunciadas por esta prática desde o
governo JK. A expansão das antigas empreiteiras no setor de Petróleo é a
consequência direta desta política de destruição interna da Petrobras.
Tal fato acabou por impulsionar a corrupção dentro da Petrobras. A
formação de cartel para a obtenção de serviços virou prática regular.
Aliás, a ocorrência do cartel é parte essencial do capitalismo
monopolista que vai desde o preço de combustível ao valor das tarifas de
ônibus ou na compra de trens para o metro de são paulo. A crescente
terceirização praticada em todas as esferas de governo tende facilitar a
corrupção.
* José Menezes Gomes é doutor pela USP, pós Doutor pela UFPE,
professor do Mestrado em Serviço Social e do curso de Ciências
Econômicas da UFAL de Santana e coordenador do Núcleo alagoano da
Auditoria Cidadã da Dívida.