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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 30 de março de 2016

O que Sérgio Moro realmente falou a Teori Zavascki — Lava Jato: Sérgio Moro não se desculpou com STF por divulgação de grampos

Quarta, 30 de março de 2016
Do Blog do Sombra

Moro pediu desculpas por controvérsias decorrentes da decisão
POR TAIGUARA FERNANDES DE SOUSA

A imprensa nacional divulgou erroneamente que o juiz Sérgio Moro se desculpou com o STF pela divulgação dos grampos envolvendo autoridades com foro privilegiado.  ...

O Juiz Sérgio federal Sérgio Moro acaba de enviar ofício contendo explicações ao Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo à um pedido específico do ministro Teori Zavascki. No ofício divulgado na noite desta terça-feira, 29, Moro pede respeitosas desculpas ao STF por toda a controvérsia causada pela divulgação das gravações envolvendo autoridades com foro privilegiado, e não pelo fato de ter levantado o sigilo das gravações, destacando que apenas cumpriu seu dever constitucional.


No ofício, Moro também confirma que o ex-presidente Lula tentou deliberadamente obstruir justiça. Sérgio Moro afirmou categoricamente que o ex-presidente Lula tentou obstruir a justiça, além de ter ofendido as instituições do país, notadamente no trecho em que o ex-presidente ataca o STF. Fato que tem sua relevância, já que se inflige em um contexto de uma clara tentativa de influenciar decisões do Supremo.

“O propósito não foi politico-partidário, mas sim, além do cumprimento das normas constitucionais da publicidade dos processos e da atividade da Administração Públicas (art. 5º, LX, art. 37, caput, e art. 93, IX, da Constituição Federal), prevenir obstruções ao funcionamento da Justiça e à integridade do sistema judicial frente a interferências indevidas”, escreveu Moro.

No outro trecho do ofício logo abaixo, fica claro que Moro se desculpou apenas pela controvérsia e por interpretações diversas decorrentes de sua decisão. Em momento algum, Moro se desculpa pelo fato de ter divulgado as gravações. De fato, Moro lamenta que sua decisão tenha causado tantas controvérsias, e não por ter divulgado os grampos.

"Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo e da r. decisão de V.Ex.ª, compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal", escreveu.

Sobre o diálogo de Lula com Dilma, no qual ambos combinam a entrega do termo de posse, Moro disse não ver “qualquer manifestação dela” assentindo com o propósito de Lula em “influenciar, intimidar ou obstruir a Justiça” e, por isso, não remeteu o caso ao Supremo.

“Apesar disso, pela relevância desse diálogo para o investigado, não há falar em direito da privacidade a ser resguardado, já que ele é relevante jurídico-criminalmente para o ex-presidente”, escreve o juiz.

O QUE SERGIO MORO REALMENTE FALOU A TEORI ZAVASCKI

Agora que já esclareci que não, Moro não pediu desculpas ao STF (a expressão “escusas”, como “data venia”, é comum em qualquer peça jurídica e não significa nada mais do que uma discordância ou demonstração de respeito – vejam as postagens abaixo), vamos ao que ele realmente falou no ofício de informações a Teori Zavascki.

Inicialmente, é importante esclarecer que o pedido de informações de Teori não foi uma tentativa de colocar Moro contra a parede: é algo comum, que a própria lei impõe; sempre que o ato de um juiz é questionado, o juiz precisa ser chamado a prestar informações para defender o ato. É questão de garantia de defesa ao juiz.

Vamos aos pontos principais:

1 – Primeiramente, Sergio Moro esclarece que a decisão de Teori Zavascki, do dia 22/03, requisitando o envio dos processos relacionados às escutas telefônicas de Lula foi inócua, pois, observando a controvérsia que se instalou, ele mesmo (Moro) já tinha enviado o processo espontaneamente ao STF um dia antes, 21/03;

2 – O juiz esclarece que não foi interceptada nenhuma autoridade com foro privilegiado, mas estas autoridades conversaram com Lula (que não tinha – e continua não tendo – foro privilegiado) e, por isso, as conversas foram gravadas – o que se chama “encontro fortuito”; leiam meu texto das “11 Perguntas” para entender mais sobre isto;

3 – Moro explica que, a seu juízo, não existem provas nos autos de que as autoridades com foro privilegiado tivessem cometido ou participado dos crimes que foram sugeridos por Lula e, por isto, ele não viu necessidade de enviar os processos ao STF. Explica, ainda, que o foco da investigação era Lula, não as autoridades, o que outra vez justifica por que ele não remeteu os processos à Suprema Corte;

4 – O juiz esclarece que o levantamento do sigilo é uma prática comum nos processos da Operação Lava Jato sempre que se encerra uma fase e que ele tem feito isto desde o início, para cumprir o princípio constitucional da publicidade, sem que houvesse oposição à sua conduta;

5 – Sergio Moro dá uma informação relevante: explica que o levantamento do sigilo não teve o objetivo de criar polêmica político-partidária, mas PROTEGER A INTEGRIDADE dos procuradores, dos policiais e dele mesmo, que estavam sendo ameaçados nos diálogos. Vejam o trecho:

“Para sintetizar esses atos e tentativas, relembro aqui o diálogo acima transcrito do ex-Presidente no qual, ao referir-se aos responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás e ao que deveria ser feito em relação a isso, disse, sem maiores pudores, que 'ELES TÊM QUE TER MEDO'. Não se trata de uma afirmação que não gere naturais receios aos responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás.

Entendeu este Juízo que, nesse contexto, o pedido do MPF de levantamento do sigilo do processo se justificava exatamente para prevenir novas condutas do ex-Presidente para obstruir a Justiça, influenciar indevidamente magistrados ou intimidar os responsáveis pelos processos atinentes ao esquema criminoso da Petrobrás.”

Esta informação, sobre a qual já suspeitávamos, é, agora, confirmada por Moro: de fato, a publicidade dos áudios tinha como objetivo também inibir e denunciar as ameaças à integridade dos policiais, dos procuradores e do juiz da Lava Jato.

6 – Moro comenta cada um dos áudios e mostra porque eles permaneceram no processo: têm relevância jurídico-criminal para o caso de Lula e não havia questão de privacidade que impedisse sua publicidade, justamente por se relacionarem aos crimes cometidos;

7 – O juiz, em seguida, demonstra que foram conservados até mesmo os áudios em que Lula afirma que não ocuparia um Ministério “para se proteger” e afirma que isto comprova a isenção e imparcialidade do juízo na condução dos processos. Afinal, se Moro estivesse querendo perseguir Lula, por que conservaria uma prova que depõe em seu favor?

8 – Sobre o advogado Roberto Teixeira, Sergio Moro explica que apenas autorizou a interceptação de um telefone, pertencente ao advogado, e que desconhece interceptação de outros telefones (do escritório, por exemplo, como Roberto Teixeira alegou repetidamente na última semana).

9 – Moro esclarece que Roberot Teixeira estava sendo interceptado na condição de investigado, não de advogado, pois estaria se associando criminosamente a Lula, o que derruba o sigilo advogado/cliente (leiam meu texto das “11 perguntas” para entender) e cita jurisprudência dos EUA: “o 'selo' do segredo entre advogado e cliente não se estende à comunicação do advogado para o cliente e feita pelo advogado com o propósito de dar conselho para o cometimento de uma fraude ou de um crime”. Isto está na lei (no próprio Estatuto da OAB) e na jurisprudência do STF.

10 – Sobre a acusação de Teori Zavascki, de que teria sido violada a competência do STF, o juiz explica que isto sequer passou pela cabeça, pois a decisão sobre o levantamento de sigilo no dia 16/03 era de sua competência, já que, naquela data, Lula ainda não era Ministro e, portanto, não tinha foro privilegiado. E adiciona, para fechar com chave de ouro: “Rigorosamente, como teve os efeitos da nomeação ou posse suspensos, permanece até o momento em que presto essas informações destituído dessa prerrogativa”. Em suma: “eu ainda sou o juiz da causa até agora”.

11 – Por fim, respondendo à outra acusação de Teori Zavascki, de que o levantamento de sigilo teria sido feito sem cuidados, Sergio Moro explica que isto não é verdade: mostra que existem muitos outros áudios interceptados, que não entraram no processo porque eram íntimos; cita um despacho em que ele mesmo mandou destruir alguns áudios que a Polícia Federal queria colocar no processo; comprova, inclusive, que mandou inutilizar gravações de Lula e outro advogado, estas, sim, protegidas pelo sigilo profissional, pois o advogado não era investigado. “Não seria correto, portanto, afirmar que os diálogos foram juntados ao processo sem o maior cuidado”, rebate Sergio Moro.

Quem tiver curiosidade de ler o ofício inteiro, está disponível aqui.

Enfim: a prestação de informações foi definitiva e muito esclarecedora.

Taiguara Fernandes de Sousa, advogado