Do Blog Náufrago da Utopia
Rui Martins é editor do Direto da Redação |
O
que já era dramático virou trágico. A política brasileira virou um
ringue e a presidente Dilma, que durante meses vinha resistindo aos
rounds, de repente, cansada ou distraída, tomou uma direta no queixo,
quase mordeu a língua e perdeu por nocaute técnico.
O PT vinha alertando o povo quanto à iminência de um golpe e o golpe
realmente ocorreu, mas foi detonado não pela oposição e sim pela própria
presidente, ao nomear seu Pigmalião
Lula como chefe da Casa Civil, numa tentativa de protegê-lo contra a
prisão, como todos puderam comprovar ao ouvir uma sua conversa com o
ex-presidente, grampeada por um juiz inédito na história jurídica
brasileira.
Ao defender e querer salvar Lula, de quem vinha marcando distância desde
sua posse com um Ministério neoliberal, Dilma acabou se molhando e pode
até ser processada. Foi um verdadeiro autogolpe ou gol contra.
A ação foi dolosa e durante a encenação desse autogolpe seus inimigos
aproveitaram para montar o impeachment, programado para o mês de abril.
Como as manifestações da 6ª feira (18) foram bem menores que as do
domingo (13), as portas do Planalto vão se abrir para o vice-presidente,
exceto se o TSE decidir impugnar a vitória da chapa Dilma-Temer e
provocar novas eleições, nas quais Lula não poderá provavelmente
participar. Seria uma sábia maneira de se evitar confrontos.
O clima é de caos porque se a causa da crise é corrupção, os autores do
impeachment também são corruptos. Se os evangélicos conseguissem levar
Cristo para Brasília e ele adaptasse sua célebre frase ao momento atual,
dizendo "quem nunca roubou atire a primeira pedra", essa história ia
acabar numa abençoada pizza, com todos se desculpando, se abraçando e
prometendo uma alternância na sangria das estatais e do dinheiro
público.
Maluf, Cunha e Lula iriam até Curitiba propor uma boa comissão ao Moro,
porque afinal ninguém é de ferro. E acabaria essa história de delações e
processos seletivos – "se os tucanos fizeram por que nós não
podemos?".
E o Brasil nisso tudo, enlameado e ridicularizado aqui fora no Exterior, tem algum peso? Não, não tem.
Releiam todo noticiário publicado desde meados de 2014, quando começou
essa história da Lava-Jato, e procurem se algum desses tristes
personagens se preocupou com isso.
Não, absolutamente. Eles estão preocupados com seus mandatos, suas
contas bancárias em paraísos fiscais, suas comissões ou com a manutenção
de seus partidos no poder.
Existe algum combate ideológico nesse caos? É o combate da esquerda
contra a direita, como dizem os petistas? Nada disso, o que se vê é um
mero incentivo ao culto pessoal, mesmo porque, é bom lembrar, o governo
Dilma se elegeu sem ter apresentado um programa.
E por que? Porque se os discursos e a publicidade lançada pelo
marqueteiro João Santana insinuavam um governo social, a candidata Dilma
sabia que faria um governo neoliberal.
O governo de Dilma Roussef vai chegando ao fim e arrastando consigo a
possibilidade de Lula retornar em 2018. Uma tragédia política para Lula,
que chegara a obter o respeito e os elogios de toda a imprensa
internacional e mesmo de chefes de Estado como o presidente Obama, dos
Estados Unidos.
Uma tragédia também para a ex-resistente à ditadura militar,
transformada em tecnocrata e retirada do anonimato por Lula para exercer
o cargo de presidente, no qual não soube usar sua formação de
economista, enfrentou uma crise internacional com a queda do valor das
matérias-primas de exportação, viu seu partido e seu Pigmalião
envolvidos no maior processo de corrupção da história brasileira e não
soube também avaliar o tamanho da crise política na qual foi envolvida e
acabou por se envolver.
"A REELEIÇÃO DE DILMA FOI FATAL PARA LULA E O PT"
De nada adianta o PT e seus filiados clamarem serem vítimas de um golpe
porque ninguém mais neles acredita, muito menos a imprensa
internacional depois das delações e revelações da Operação Lava-Jato,
dando conta de uma corrupção desenfreada dentro da Petrobrás.
A reeleição de Dilma foi fatal para Lula e o PT, por terem utilizado de
todos os artifícios de uma propaganda enganosa e de uma campanha
insidiosa de destruição dos adversários, técnica que se voltou contra
eles já na nomeação dos ministros e desde o primeiro dia de posse de
Dilma, quando se confirmou a trapaça eleitoral. Levy e Kátia Abreu,
lembram-se? Esse já era um golpe nos eleitores.
Tragédia igualmente para todos simpatizantes do lulismo e do petismo,
quando começaram a ser reveladas as mazelas praticadas por petistas e
membros da base aliada do governo com empreiteiros ainda antes da compra
da refinaria de Pasadena. Os primeiros desacertos da política do
governo Dilma mostraram o despreparo total do PT no poder, por não ter
criado bases e infraestruturas já desde o primeiro governo de Lula. E
por não ter se preocupado em dar cultura política e ideológica aos seus
seguidores.
Não houve um plano econômico consequente quando a distribuição da Bolsa
Família permitiu fossem retirados da pobreza cerca de 20 ou 30 milhões
de pessoas, utilizou-se apenas o mecanismo do consumismo e seu valor
eleitoreiro, na crença de ser uma fórmula eterna, sustentada igualmente
pela elevação progressiva do salário-mínimo.
O país não se industrializou, muito ao contrário, acreditou na
perenidade nada ecológica do petróleo e projetava o futuro no pré-sal,
embora as constantes punções da base aliada na Petrobrás acabassem por
comprometer a própria Petrobras ao ocorrer a queda do preço do petróleo e
das matérias-primas.
Embora alguns representantes da esquerda venham acusando a direita, como
nos esquemas clássicos do passado, como responsáveis pelas quedas de
Lula e Dilma, nada disso tem base concreta e nada disso corresponde à
verdade.
Seria mais verdadeiro se falar em conservadores e aproveitadores, porque o governo simplesmente não é (não era) de esquerda, embora se vestisse e quisesse falar como de esquerda.
Seria mais verdadeiro se falar em conservadores e aproveitadores, porque o governo simplesmente não é (não era) de esquerda, embora se vestisse e quisesse falar como de esquerda.
O PT embora não tivesse sabido criar uma imprensa própria, capaz de
concorrer com a mídia já existente, criara em torno de si uma muralha de
blogueiros, encarregados de sua segurança e publicidade, na verdade
repetidores da direção do partido. Essa proteção excessiva acabou por
contribuir para sua própria perda, por ter impedido aos seus próprios
dirigentes uma visão geral do descontentamento popular.
Lula e Dilma falharam na política agrícola, não protegeram a saúde dos
brasileiros dos produtos químicos das grandes multinacionais dos
agrotóxicos. Cederam à Monsanto na questão dos OGM (organismos
geneticamente modificados), mesmo quando os europeus preferiam receber
produtos agrícolas brasileiros não geneticamente modificados. Lula e
Dilma não realizaram a reforma agrária, esperada e sonhada desde os anos
60, quando se projetavam as reformas de base.
Não protegeram as populações indígenas contra os posseiros e deixaram a
porta aberta para a revisão das reservas indígenas. A política do
desenvolvimentismo fechou os olhos à necessidade do desenvolvimento
sustentável, permitindo a continuação dos desmatamentos criminosos na
Amazônia, massacres de indígenas ou desalojamentos de populações como os
consequentes à Barragem de Belo Monte.
Embora tendo aberto maiores oportunidades com as cotas universitárias
para afrodescendentes e indígenas, não há ao mesmo tempo uma proteção
real para eles, vítimas constantes de massacres por policiais e
posseiros.
Um recente relatório da ONU sobre tortura no Brasil confirma ser a tortura um método aplicado em todas as delegacias e prisões e a realidade de que os negros são sempre considerados e presos ou abatidos como culpados sem qualquer investigação prévia.
Um recente relatório da ONU sobre tortura no Brasil confirma ser a tortura um método aplicado em todas as delegacias e prisões e a realidade de que os negros são sempre considerados e presos ou abatidos como culpados sem qualquer investigação prévia.
A educação no Brasil não conseguiu se reerguer dos baixos níveis deixados pela ditadura militar, o setor da saúde pouco evoluiu.
A esquerda brasileira será estigmatizada pelos desvios dos governos
petistas, mas uma parcela minoritária não vinha aprovando e não aprova
as iniciativas do governo Dilma. Dentro do próprio PT, um setor também
minoritário, não esconde suas divergências.
É falso falar-se em golpe, em luta entre direita e esquerda, trata-se de
uma mera luta de uns pela conquista do poder, enquanto outros usam de
tudo para permanecerem no poder.