Quinta, 7 de abril de 2016
Do Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br
Por Nildo Ouriques*
A burguesia decidiu que Dilma fica. Não é decisão nova. É decisão
antiga que se fortaleceu no último período diante da situação política e
econômica no país.
A primeira razão da posição burguesa resulta do profundo "ajuste"
praticado por Dilma contra os trabalhadores. No essencial, o desemprego é
elevadíssimo (superior a 10%) e os salários baixaram violentamente.
Dilma vetou a possibilidade de auditoria da dívida e, em consequência,
garantiu vida longa ao rentismo. A brutal recessão e a desvalorização do
cambio - nesta ordem - turbinaram a balança comercial, tal como
pretendiam todas as frações burguesas.
Os cortes no investimento das áreas sociais (o Diário Oficial
comunicou dia 30/03 adicionais R$ 4,2 bilhões na Educação e outros R$
2,28 bilhões na Saúde) alimentaram a fatia dos recursos públicos
destinada aos pagamentos da dívida às custas dos trabalhadores. Enfim,
as bases para a retomada da acumulação de capital estão sendo criadas. O
governo é, basicamente, o que no antigo jargão definiríamos como
neoliberal.
No terreno da ativismo social, muitas organizações e partidos de
esquerda se mobilizaram contra a destituição da presidente e contra o
golpe parlamentar tucano. Ficou evidenciado que a orfandade militante
encontrou na "defesa da democracia" razão para sair às ruas e afirmar
que, finalmente, contra vento e maré, há vida para além do petismo. Este
se moveu, mas como previsto, manteve seu caráter defensivo, ao qual
está condenado irremediavelmente.
As marchas do dia 18 e o protesto do dia 31 de março exibiram certa
capacidade de manifestação. Longe de qualquer apologia, é claro que a
burguesia não tremeu de medo; ao contrário, a burguesia indicou aos
vacilantes parlamentares que devem apoiar a perenização do ajuste e da
"responsabilidade fiscal", sua principal lei de bronze ou, como
demonstram as ruas, "o caos pode dominar".
Claro está: a conversão do PT em principal partido da ordem e o
colapso do sistema petucano – agora reconhecido até mesmo por liberais –
permite confortável situação às classes dominantes. No limite, diante
de um fato realmente novo, elas podem defenestrar Dilma sem cerimônia.
Preferem, no entanto, mantê-la, pois a presidente não se cansa de atuar
disciplinada, nos estritos limites da administração ortodoxa da crise.
Enfim, o governo pode dispensar o FMI porque aquele sabe o que os altas
finanças querem, na medida e momento certos.
A antiga militância petista nunca foi tão ingênua e ideológica. A
direção do PT alertou no início da semana passada que "somente a
militância na rua derruba o impeachment". Era o chamado para fomentar o
protesto do dia 31 de março, data comemorativa do golpe de 1964. A
despolitização é tamanha que muita gente boa acreditou no bordão e,
sinceramente, ocupou as praças com a convicção de que estaria fazendo a
"direita" recuar.
Ora, não se trata de menosprezar o protesto popular, mas precisamente
do oposto: nas circunstâncias atuais, todo protesto popular, mesmo
aquele bem intencionado, crítico ou antipetista, está confinado à
dialética do ajuste em curso, cuja cabeça é Dilma. Não por acaso Lula
disse aos sindicalistas há duas semanas num encontro paulista: "vamos
deixar a economia pra depois do impeachment". Enfim, creio que Dilma
fica.
Domingo, 3 de abril, a Folha de S. Paulo (para dar apenas um exemplo)
em editorial na primeira página indicou: "Nem Dilma nem Temer". É o
desembarque do jornal paulista do golpismo rasteiro e sua declaração de
ingresso oficial no clube dos respeitáveis senhores defensores da moral
pública. Creio que também é a forma astuta de o jornalismo abandonar
Temer, descolar-se de responsabilidade futura e namorar, por baixo do
pano, com a atual presidente. Impossível não recordar o gênio Lima
Barreto, o escritor quase proscrito das letras brasileiras que, há mais
de um século (1905), escreveu este certeiro parágrafo:
A imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda prova.... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação... Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chamá-los de gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos, imorais e bestas.... Só se é geômetra com seu placet, só se é calista com a sua confirmação e se o sol nasce é porque eles afirmam tal cousa.... E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a seleção das mediocridade...”
*Nildo Ouriques é economista.
Texto retirado de seu blog.