Sexta, 8 de abril de 2016
"Apanhamos do PT e do PSDB"
“O momento faz parecer que há uma briga
entre a esquerda e a direita quando, na verdade, parece para a gente que
já apanhou de governos tanto do PT quanto do PSDB, é uma coisa de gente
igual brigando”
“Tendo impeachment
ou não, o Estado vai bater nos movimentos sociais como sempre”
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Daniel Mello - Repórter da Agência Brasil
O
Movimento Passe Livre (MPL) deu início às mobilizações que, em junho de
2013, levaram milhares de pessoas às ruas em São Paulo e a passeatas em
todo o país. Defensor do transporte público gratuito, o movimento
organizou protestos contra o reajuste das tarifas de ônibus, trens e
metrô na capital paulista. Os reflexos daquele momento podem ser
percebidos ainda hoje, diz o filósofo e professor de gestão de políticas
públicas da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado, que
coordena pesquisas sobre as manifestações de rua. “A partir de 2013, com
a dimensão que ganhou, a mobilização de rua se volta para o repertório
político”, afirma, em entrevista à Agência Brasil.
Apesar das diferenças ideológicas, Ortellado vê influências do Passe Livre nas organizações que promovem atos pelo impeachment
da presidenta Dilma Rousseff. O Vem Pra Rua usa como nome um dos gritos
usados pelo MPL nas manifestações de 2013, enquanto o Movimento Brasil
Livre (MBL) tem “uma sigla que se confunde com o MPL de propósito”,
acrescenta o professor.
"Apanhamos do PT e do PSDB"
O Passe Livre não tem, no entanto, agido para apoiar o impeachment,
nem para contestá-lo nas ruas. “O momento faz parecer que há uma briga
entre a esquerda e a direita quando, na verdade, parece para a gente que
já apanhou de governos tanto do PT quanto do PSDB, é uma coisa de gente
igual brigando”, diz uma das integrantes do movimento, Laura Viana (22
anos), a partir das discussões feitas internamente pelo MPL sobre a
atual conjuntura política. Ao se opor ao aumento do preço das passagens,
o movimento tenta pressionar tanto a administração petista, o prefeito
Fernando Haddad, para que administre os contratos das empresas de
ônibus, quanto a tucana, do governador Geraldo Alckmin, responsável
pelas companhias que fazem o transporte sobre trilhos.
“Tendo impeachment
ou não, o Estado vai bater nos movimentos sociais como sempre”, afirma a
estudante de artes plásticas. O que realmente chama a atenção do MPL é o
papel central que as forças policiais estão tendo no desenrolar dos
fatos políticos recentes, muitos conectados com as investigações de
corrupção na Petrobras.
“O que gente vê de muito preocupante no
momento é esse processo de judicialização da política, a força que a
polícia vem ganhando. Essa coisa de a Polícia Federal estar aparecendo
como heroica. Isso é muito preocupante para a gente, como movimento
social, que vem sendo criminalizado desde sempre. É uma coisa que a
gente conversa inclusive com outros movimentos sociais”, acrescenta a
militante.
O protagonismo das forças de segurança está ligado, na
avaliação de Laura, ao processo de descrença nas instituições políticas
tradicionais. “Parece que com esse processo de perda de fé na classe
política, agora quem está ganhando espaço, principalmente na mídia, é a
polícia. Não é uma coisa escancarada do tipo vai ter uma nova ditadura
militar. Mas a gente vê que é uma instituição que ganha muita força
entre a população”.
Para ela, a questão do impeachment
não está, entretanto, no centro das preocupações do movimento. “Essa
população que era maioria, que foi pra rua em junho e que tem ido para a
rua com a gente nos atos contra o aumento [das tarifas]. Essa maioria
ainda não saiu de casa. A gente vê que são pessoas que não estão se
sentindo representadas por nenhum dos lados da polarização. É com essas
pessoas que estamos desde sempre”, afirma a ativista. “Sabemos que vão
ser tipos diferentes de governo [caso aconteça o impedimemto]. Mas a
gente sabe também que a nossa organização tem que permanecer lutando da
forma que já faz, que é manter a luta com quem está embaixo”.
Impostos
O
MPL tem posição contrária à da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp), que vem defendendo o corte de impostos. A entidade
tem apoiado os atos pela saída da presidenta, a partir da campanha que
pede a redução da carga tributária e que tem como símbolo um pato
amarelo. “A gente sabe que esse tipo de imposto, se for cortado da
população mais rica, vai cair sobre a população mais pobre. Então, isso é
sempre muito preocupante”, alerta Laura.
Uma das principais
propostas do movimento é a tributação específica da parcela mais rica da
população, como forma de garantir o transporte gratuito universal – o
passe livre. “O que a gente sempre cobra do Estado é que os ricos paguem
mais, porque eles já ganham em cima do nosso trabalho, não é justo que a
gente tenha que pagar ainda mais”, ressalta a militante.
Sobre a
influência que o MPL exerceu sobre outras organizações políticas, Laura
afirma que isso faz parte da história dos movimentos sociais no Brasil.
”Assim como nós aprendemos muito com outros movimentos, muitos
movimentos aprenderam com a gente. Tanto a esquerda sentiu que precisava
mudar os próprios métodos, como o pessoal pró-impeachment, mais de direita, sentiu também”.
“O
MPL não inventou a roda com manifestação de rua. Vários movimentos
sociais já faziam esse tipo de manifestação. Em 2013, foi a coisa certa
no momento certo”, completa Laura. A análise é semelhante à do professor
Pablo Ortellado. Para o especialista, os atos de junho de 2013 foram o
ápice de uma movimentação que começou no início dos anos 2000, de
retorno das mobilizações de rua, que perderam força após a década de 80.
“O
Brasil foi muito mobilizado no fim dos anos 70, início dos anos 80. A
gente teve muitas mobilizações de rua. E esses movimentos que estavam na
base dessas mobilizações terminaram se institucionalizando por meio do
Partido dos Trabalhadores. O processo de institucionalização foi também
uma gradual desmobilização das ruas, em um processo pelo qual se colocou
ênfase dos meios institucionais”, diz Ortellado.
Na opinião do
professor, os eventos daquele ano foram, no entanto, completamente
excepcionais. “2013 acontece a cada 50 ou 100 anos. São aqueles grandes
terremotos políticos que rompem o país”, acrescenta, ao comparar com o
processo vivido pela França em maio de 1968, quando o país europeu
passou por uma onda de greves, manifestações estudantis e revoltas
populares.
Legado de 2013
Além de
conseguir impedir o aumento das tarifas do transporte público em São
Paulo e no Rio de Janeiro, os movimentos se expandiram, segundo Pablo
Ortellado, para ideais menos imediatos, porém com forte ressonância
social. “Junho de 2013 foi uma experiência concreta para uma parcela
expressiva da população que foi às ruas se manifestar, basicamente por
duas coisas: direitos sociais e crítica ao sistema de representação.
Esse duplo legado que tem sido explorado por diversos grupos”,
acrescenta o professor ao comentar como a expansão dos protestos contra a
tarifa levou ao surgimento de reivindicações contra a corrupção e por
melhoria dos serviços públicos.
“Essa ideia de que o sistema está
corrompido, de que os lastros que ligam a representação com a cidadania
brasileira se romperam. Então, o sistema está crescendo em
ilegitimidade. Esse outro legado de junho de 2013 que foi explorado
pelos grupos à direita”, destaca Ortellado ao falar sobre como o Passe
Livre influenciou as recentes movimentações contra o governo.
Por
outro lado, o MPL também está, de acordo com o professor, diretamente
ligado ao movimento dos estudantes da rede pública que ocuparam escolas
em todo o estado de São Paulo no ano passado. A mobilização levou à
suspensão da reorganização escolar, que levaria ao fechamento de mais de
90 estabelecimentos de ensino. “As primeiras mobilizações dos
secundaristas foram fortemente estimuladas por ativistas do MPL. Têm
ligação direta, são trabalho de base do MPL”.