Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Celso Lungaretti
O fim de Dilma se aproxima; ainda hoje deverá se tornar presidente agônica.
E ela provavelmente deixará para trás três principais legados:
- a pior recessão brasileira de todos os tempos;
- o pior estelionato eleitoral numa eleição presidencial em todos os tempos; e
- Michel Temer (que só não corre o risco de vir a ser o pior presidente brasileiro de todos os tempos, ditadores excluídos, porque Dilma, Sarney e Collor são insuperáveis neste quesito, a ponto de ser impossível apontar o mais desastroso).
As duas primeiras heranças malditas são incontroversas. Só não vê quem não quer.
A terceira ela ainda poderá evitar, se tiver a grandeza de renunciar logo após a Câmara Federal aprovar o impeachment, deixando o PT com as mãos livres para empunhar imediatamente a bandeira de uma nova eleição.
A terceira ela ainda poderá evitar, se tiver a grandeza de renunciar logo após a Câmara Federal aprovar o impeachment, deixando o PT com as mãos livres para empunhar imediatamente a bandeira de uma nova eleição.
Tudo me leva a crer que ela não o fará. Torço para que, uma vez na vida, Dilma me surpreenda.
De
resto, como praticamente não há mais nada de novo para dizer sobre a
decisão deste domingo, resolvi publicar algo singelo: um excelente
relato de Marieta de Moraes Ferreira, que desencavei no site
do Centro de Documentação da Fundação Getúlio Vargas, sobre como e por
quê um governo realmente de esquerda foi derrubado por um verdadeiro
golpe de direita.
Em
1964, não foi por crassa incompetência e corrupção elevada à milésima
potência que João Goulart caiu; foi por promover as reformas de base.
Em 2016, Dilma será defenestrada... em nome do quê, santo Marx? Do ajuste fiscal?!
Leiam e reflitam.
Em
1958, ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek, o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) começou a discutir um conjunto de propostas
que visava promover alterações nas estruturas econômicas, sociais e
políticas que garantisse a superação do subdesenvolvimento e permitisse
uma diminuição das desigualdades sociais no Brasil. Naquele momento, a
definição dessas medidas e de seu alcance ainda era pouco clara. Foi
apenas com a chegada do presidente João Goulart à presidência da
República, em setembro de 1961, que as chamadas "reformas de base"
transformaram-se em bandeiras do novo governo e ganharam maior
consistência.
Sob essa ampla denominação de "reformas de base" estava reunido um
conjunto de iniciativas: as reformas bancária, fiscal, urbana,
administrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a
necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes
subalternas das forças armadas, como marinheiros e os sargentos, e
defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do
Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos
estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros
para o exterior.
Presidente Goulart sendo abraçado no encerramento do I Congresso de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizado em Belo Horizonte. Em
novembro de 1961. O carro-chefe das reformas era, sem dúvida, a reforma
agrária que visava eliminar os conflitos pela posse da terra e garantir o
acesso à propriedade de milhões de trabalhadores rurais. Em discurso
por ocasião do encerramento do 1° Congresso Camponês realizado em Belo
Horizonte em novembro de 1961, João Goulart, afirmou que não só era
premente a realização da reforma agrária, como também declarou a
impossibilidade de sua efetivação sem a mudança da Constituição
brasileira que exigia indenização prévia em dinheiro para as terras
desapropriadas.
No entanto, a aceitação da mudança da constituição encontrava forte
resistências por parte dos setores mais conservadores do próprio
governo. Para enfrentar tais dificuldades, Goulart criou em 1962 o
Conselho Nacional de Reforma Agrária, mas essa iniciativa não teve
nenhum resultado prático. Durante todo o governo parlamentarista a
agenda das reformas não avançou.
Com o restabelecimento do presidencialismo em janeiro de 1963 e a
ampliação dos poderes de Goulart, a implementação das reformas
tornava-se urgente. Novamente a reforma agrária voltava ao centro do
debate político. No primeiro semestre de 1963, Goulart apresentou às
lideranças políticas para debate, um anteprojeto de reforma agrária que
previa a desapropriação de terras com título da dívida pública, o que
forçosamente obrigava a alteração constitucional. Uma segunda iniciativa
para agilizar a agenda das reformas foi o encaminhamento de uma emenda
constitucional que propunha o pagamento da indenização de imóveis
urbanos desapropriados por interesse social com títulos da dívida
pública. Essas propostas, no entanto, não foram aprovadas pelo Congresso
Nacional, o que provocou forte reação por parte dos grupos de esquerda.
O fortalecimento dos movimentos populares, concretizado através do
aumento do poderio dos trabalhadores urbanos e da crescente organização
das massas rurais, intensificou as pressões sobre o governo para a
implementação das reformas. A eclosão, em setembro de 1963, da Revolta
dos Sargentos – movimento que reivindicava o direito de que os chamados
graduados das forças armadas (sargentos, suboficiais e cabos) exercessem
mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal, o que
contrariava a Constituição de 1946 - foi mais um fator para a
polarização política e para denunciar a urgência das reformas de base.
O ano de 1964 iniciou-se com o virtual isolamento de Jango e com o
esgotamento das negociações com o Partido Social Democrático (PSD) e as
forças mais conservadoras, para implementar a agenda do governo. Neste
quadro, a nova estratégia de Goulart foi organizar uma ofensiva política
apoiada pelos principais grupos de esquerda para garantir o apoio às
reformas de base. O plano de ação era o seu comparecimento a uma série
de grandes comícios nas principais cidades do país, a fim de mobilizar a
maioria da população brasileira em favor das reformas.
Essa nova fase foi inaugurada no dia 13 de março de 1964, com o comício
realizado na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, também
denominado Comício das Reformas, ao qual compareceram cerca de 150.000
pessoas. Na ocasião, Goulart proclamou a necessidade de mudar a
Constituição e anunciou a adoção de importantes medidas, como a
encampação das refinarias de petróleo particulares e a possibilidade de
desapropriação das propriedades privadas valorizadas por investimentos
públicos, situadas às margens de estradas e açudes.
O golpe militar de 31 de março de 1964 e o afastamento de Jango da presidência impediram a concretização das almejadas reformas.