Terça, 3 de maio de 2016
Tribuna da Imprensa
Hélio Duque
No
geral a classe política brasileira, em todos os níveis, despreza e
ignora os fundamentos econômicos. A economia brasileira não integra a
visão, com honrosas exceções, dos homens públicos nacionais. Até o STF
(Supremo Tribunal Federal) acaba de comprovar isso: não soube distinguir
a diferença de “juros simples” e “juros compostos”. A crise econômica e
social que vivemos com o aumento do desemprego, na ordem de mais de 11
milhões de trabalhadores, a paralisia em todos os setores dinâmicos é
relegada à situação secundária. A deterioração dos indicadores
socioeconômicos, agregada a uma trajetória explosiva da divida pública,
aprofunda a recessão da economia de maneira cavalar. No final de
fevereiro, a dívida bruta da União, Estados e municípios ultrapassou o
nível de R$ 4 trilhões, crescendo na velocidade de R$ 2 bilhões por dia.
Na Câmara, em 17 de abril, quando se votou o impedimento da Presidente
da República, essa realidade foi ignorada. A dívida pública federal
responde por R$ 2,9 trilhões.
Paralelamente,
parcelas gigantescas da população não tem dimensão real da crise
econômica e social em que estamos mergulhados. A desarrumação da
economia, gerada pela “nova matriz econômica” do governo Dilma Rousseff,
foi o tiro detonador que jogou o País no despenhadeiro da recessão. O
Congresso Nacional, com poucas exceções, vem demonstrando não ter
consciência do fato de a crise poder piorar, sem ajuste fiscal. Ele não
pode ser superficial, precisa ser estrutural: disciplinando as despesas
públicas, redefinindo as taxas de juros e melhorando a dinâmica da
dívida pública. Aprofundando reformas na estrutura do Estado, que
possibilite a retomada dos investimentos públicos.
No
ano passado, 2015, a União, os Estados e municípios cortaram 35% dos
seus investimentos. Em contrapartida os investimentos privados seguiram
no mesmo rumo. É o investimento público e o privado que eleva a
capacidade produtiva da economia. A tragédia das contas públicas se soma
ao elevado endividamento do setor privado. Resultado: o desemprego
avança traduzindo no fato de 60 milhões de brasileiros estarem em
situação inadimplente, de acordo com dados de rede de lojistas do
Brasil. Evidenciando que os avanços sociais alcançados nas últimas duas
décadas estão sendo revertidos, afetando diretamente a população de
baixa renda.
O
cientista político carioca Jairo Nicolau acredita que a crise econômica
terá efeitos profundos na vida nacional e deve durar muito. Afirma: “Os
desafios são gigantescos. Concentramos uma enorme energia nas
discussões sobre o impedimento da presidente e os temas fundamentais
saíram da agenda. Temos um encontro marcado com uma economia destruída e
com piora das condições de vida da população”. Para Nicolau: “É
crescente o divorcio entre o sistema representativo e a sociedade
brasileira. Os primeiros sinais apareceram em 2013, se aprofundaram nas
eleições de 2014, com a alta taxa de votos nulos e brancos para o
Congresso e, mais recentemente, na rejeição aos partidos políticos”.
No
executivo temos um governo que não consegue governar. Aprovado no
senado o seu afastamento, um novo governo teria melhores condições de
buscar uma agenda de emergência, atacando a sangria fiscal e mandando
para o Congresso nova lei orçamentária buscando superávit primário no
próximo ano. Seria um sinal positivo, oxigenando o ambiente de negócios,
definindo objetiva abertura comercial e priorizando as concessões de
obras de infraestrutura para o setor privado.
Estaria
construindo um novo horizonte para a economia brasileira,
possibilitando a difícil retomada de alguns núcleos produtivos geradores
de emprego. Essa agenda emergencial, verdadeiro SOS, exige que o poder
legislativo não venha com falsos “slogans” a ser um obstáculo. O
Congresso Nacional não pode fazer cara de paisagem, como se não tivesse
responsabilidade na crise. Sua omissão e apoio às políticas erráticas e
populistas atingem situação e oposição. A última por não resistir no
combate político e parlamentar ao desastre que se antevia. Poucas foram
as vozes resistentes. Amedrontou-se pelos altos índices de popularidade
do governo, sustentadas artificialmente pelo “marketing da mentira”.
Agora
chegou a hora da verdade: não devem os parlamentares temer a
impopularidade momentânea, ante as medidas que devem ser implantadas
para recolocar o Brasil no caminho desafiador do reequilíbrio das contas
públicas, garantindo o aumento da eficiência na economia. Fora dessa
alternativa, mergulharemos na hecatombe social.
*Helio
Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários
livros sobre a economia brasileira.