Domingo, 26 de junho de 2016
Do Correio da Cidadania
www.correiocidadania.com.br
Escrito por Raphael Sanz, da Redação
Já se passou mais de meio ano do rompimento da barragem de rejeitos
do grupo de mineradoras Samarco/Vale/BHP em Mariana-MG. Na ocasião,
toneladas de lama tóxica varreram 800 km de curso de um dos principais
rios do ecossistema brasileiro, causando incontáveis impactos
ambientais, sociais e econômicos na região do Rio Doce. Para debater
tais impactos sob um ponto de vista técnico, falamos com os biólogos
Dante Pavan e Viviane Schuch no auditório de biociências da USP, logo
após um debate no qual apresentaram dados e análises de seu grupo, o
GIAIA – Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental. Financiado
pela sociedade, esse grupo faz suas imersões sobre os impactos da
tragédia sem preocupar-se com interesses políticos ou privados.
Durante o debate que antecedeu esta entrevista, a bióloga Viviane
Schuch apresentou diversos dados. Como o de que o rio Doce é o maior da
região Sudeste, o quinto maior do Brasil e responsável pelo
abastecimento de água e subsistência de aproximadamente 5 milhões de
pessoas. Em concordância, o professor Dante Pavan busca sempre deixar
clara a complexidade deste ecossistema e dos impactos gerados pelo
desastre.
“Na minha opinião, é uma coisa muito complexa. Envolve um ecossistema
complexo, diversos compostos químicos, uma biodiversidade enorme,
apesar de pauperizada. Estamos apenas no começo de um entendimento mais
amplo do que a Samarco/Vale/BHP jogou na água. Ainda podemos demorar um
tempo para entender o efeito desses compostos a longo prazo”, disse
Dante Pavan.
“Há dados de represas que rompem anualmente no Brasil, não são casos
isolados. Isso causa um prejuízo enorme em uma área que se estende por
mais de 800 km em troca de um lucro que não é revertido à sociedade
brasileira, mas vai para os donos e acionistas do empreendimento. Há um
lucro privado e um prejuízo coletivo”, afirmou Viviane Schuch, também
professora da Unifesp.
Eles defendem uma democratização da ciência, na qual a população
possa, a partir de uma formação nas escolas, participar do debate
científico e pautar questões como as de impacto ambiental junto ao poder
público. “Mais além do desastre em si, é importante dizer o quanto ele
representa. Vemos que as leis e os mecanismos da sociedade de proteção
ao meio ambiente não estão funcionando. É um alerta de que o que
aconteceu com o rio Doce hoje pode acontecer amanhã em outro lugar
porque as coisas não estão funcionando. Esse é o recado mais importante
de todo o desastre e que a sociedade tem de perceber”, alertou o
professor Dante Pavan.
A entrevista completa pode ser lida a seguir:
Correio da Cidadania: Cerca de 8 meses se passaram do
rompimento da barragem de rejeitos minerais da Samarco/Vale/BHP, seguido
do escorrimento da lama tóxica por toda a bacia do rio Doce. Levando em
consideração o tempo transcorrido, como está a situação das águas?
Dante Pavan: Aparentemente, os níveis de substâncias
tóxicas estão caindo. Temos uma medição de dezembro e outra de abril
que mostram uma considerável diminuição. Depois de abril podemos falar
de impressões. Visualmente, os sólidos em suspensão já estavam mais
baixos, menores e a água mostrava sinais de que voltava a ser
transparente. As substâncias que estão na água e suas partículas descem
rápido. Assim, por um fluxo de partículas muito grande durante o período
de cheias de dezembro e janeiro, vemos que muito foi levado embora. Mas
houve também a diminuição das chuvas que levaram muitos rejeitos para
dentro do rio, a causar uma correnteza mais forte e com mais
turbilhonamento (espécie de redemoinho, seguido correnteza que se forma a
partir desse redemoinho), que faz as substâncias do fundo levantarem
mais.
Agora, pela falta de chuvas, a água está parada e as substâncias
estão assentadas no fundo do rio. Há muito sedimento de rejeito no fundo
e, apesar da melhora, acredito que vá aumentar em proporção com a queda
da chegada de águas; depois, haverá nova piora quando voltar a estação
chuvosa. E todo o processo acontecerá novamente.
Depois de tudo que foi facilmente levado para a água for embora,
teremos uma grande quantidade de solo e subsolo onde penetrou a água
contaminada. Por fim, nas enchentes futuras, ou seja, toda vez que o rio
encher e isso tudo for mexido, pode voltar a contaminação.
Viviane Schuch: De forma geral, no resultado que
tivemos pelo GIAIA das análises realizadas em dezembro, encontramos
altos índices de contaminação por metais pesados em diversas amostras
tiradas ao longo do rio Doce. Isso indicou que a água não está própria
para captação e uso humano. Não obedecia aos padrões do Conama –
Conselho Nacional do Meio Ambiente – que definem os critérios da
captação de água para consumo humano.
A água do Rio Doce não se enquadrava nesses critérios e estava
imprópria para uso. Agora com as análises que foram realizadas em abril,
feitas na segunda expedição do GIAIA, esse índice de contaminação já
diminuiu muito, a água está um pouco mais própria, a depender do
elemento. O manganês, por exemplo, está elevado em muitos pontos ainda,
mas a maioria dos metais pesados mais tóxicos já diminuiu bastante a
contaminação, deixando a água um pouco mais própria para o consumo
humano.
Correio da Cidadania: Ainda sobre os impactos ambientais, foi
possível vislumbrar alguma melhora na recuperação das fauna e flora da
bacia do rio Doce?
Viviane Schuch: Sobre os impactos na fauna e na
flora, não sabemos muito porque ainda estão ocorrendo. Não sabemos quais
são os efeitos de bioacumulação. Nem os relatórios de toxicidade estão
concluídos até o momento. Como o impacto ainda está curso e as análises
que fizemos são preliminares, não temos condições de dar uma resposta
definitiva sobre a questão.
O que podemos observar é que fauna e flora estão seriamente
prejudicadas. Tanto pela avalanche física que desceu das bacias de
rejeitos, destruindo a mata ciliar, quanto pela contaminação química,
que tem um efeito mais a longo prazo.
Danta Pavan: A mortalidade que ocorreu ali logo após
o desastre nos mais diversos tipos de organismos depende muito do
trecho. Lá para cima, perto do desastre, morreu tudo. Para baixo, a
mortalidade foi mais seletiva. Isso implica em uma perda enorme de
diversidade. Temos populações inteiras que foram extremamente reduzidas.
Mesmo que elas voltem depois, vão voltar a partir de poucos indivíduos.
É como se repovoássemos uma cidade de milhões de pessoas a partir de
alguns casais. Isso significa baixa diversidade biológica. Houve uma
perda e não se tem de onde tirá-la de volta, mesmo que haja uma
recuperação do rio.
É muito difícil prevermos o que vai acontecer e em quanto tempo. É
claro que vai diminuir a concentração de elementos tóxicos, vai diminuir
a turbidez da água, vão penetrar luz, crescer algas, folhas que caem no
rio serão comidas por bactérias e insetos, ou seja, o rio vai começar a
se reestruturar. É bem possível que ele forme uma estrutura simples no
começo. Com poucas espécies, poucos organismos e poucas relações
ecológicas. Depois, vai se tornando mais complexo com o passar do tempo.
Mas não podemos dizer em quanto tempo. Precisamos estudar mais para
entender o processo.
É óbvio que haverá uma melhoria das condições ecológicas do rio na
medida em que a concentração de substâncias tóxicas for diminuindo, e a
tendência é que diminua. Talvez em alguns aspectos, por exemplo, diminua
tanto a pesca que o ambiente favoreça um repovoamento de peixes.
Ocorreu algo semelhante em Chernobyl, onde hoje é possível avistar
muitos animais selvagens, por conta da ausência humana após o desastre
nuclear. Talvez o rio Doce possa se recuperar, até mesmo levando em
conta a preocupação que a população tem demonstrado.
Viviane Schuch: Voltar igual ao que era antes não dá
porque o impacto foi muito grande. O ecossistema vai, de certa forma,
se regenerar dentro de suas possibilidades, mas acho difícil voltar ao
que era antes do desastre – mesmo porque antes já estava muito
degradado. O rio Doce tem uma influência antrópica muito grande.
Esperamos que isso jogue luz ao problema de devastação das áreas em
torno do rio, da atividade mineradora, que é muito agressiva ao meio
ambiente, e o rio possa ficar melhor do que era antes. Mas o desastre já
está consolidado. Imagino que daqui a dez séculos os geólogos vão
analisar o perfil sedimentário e ver que neste ano de 2015 houve alguma
coisa muito grave. Vai ficar marcado.
Dante Pavan: Existem lugares onde o Rio vai marcando
seus depósitos de sedimento. Todos os anos formam-se novas camadas de
sedimento no fundo do rio, uma por cima da outra. As camadas de
sedimento desse ano vão ficar marcadas com os compostos químicos.
Eventualmente, o rio pode destruir essa camada que ele próprio construiu
e disponibilizar de novo o rejeito que estava lá. Em outras palavras,
forma-se um barranco, dali um tempo o rio vem e destrói esse barranco,
espalhando novamente o sedimento.
Correio da Cidadania: O país ainda carece de uma noção mais precisa da magnitude do fato?
Dante Pavan: Na minha opinião, o acontecimento é uma
coisa muito complexa. Envolve um ecossistema complexo, diversos
compostos químicos, uma biodiversidade enorme, apesar de pauperizada.
Estamos apenas no começo de um entendimento mais amplo do que a
Samarco/Vale/BHP jogou na água. Ainda podemos demorar um tempo para
entender o efeito de tais compostos a longo prazo.
Viviane Schuch: A sociedade não tem uma real
magnitude do impacto. Conversamos muito com biólogos e colegas de
trabalho que estão pesquisando. Mas eu, por exemplo, dou aula no Senac
em um curso que não é para biólogos e quando converso com os alunos e
pessoas no geral vejo que eles não têm muita noção. Muitos nem sabem o
que aconteceu. Algumas pessoas não entendem conceitos como “rejeito de
mineração” e acham que é uma barragem de água. Pouca gente tem noção da
importância do rio Doce para o ecossistema brasileiro e da magnitude do
desastre que vai atingir a nós, nossos filhos, netos e gerações futuras.
A maioria da população brasileira ainda não tem dimensão.
Dante Pavan: Mais além do desastre em si, é
importante dizer o quanto ele representa. Vemos que as leis e os
mecanismos da sociedade de proteção ao meio ambiente não estão
funcionando. É um alerta de que o que aconteceu com o rio Doce hoje pode
acontecer amanhã em outro lugar porque as coisas não estão funcionando.
Esse é o recado mais importante de todo o desastre e que a sociedade
tem de perceber.
É preciso que a sociedade absorva as coisas e tenha uma opinião a
respeito delas para pautar as ações dos políticos. A sociedade não pode
ficar alienada e ignorar as questões que a afetam, deixando-as nas mãos
deles. É preciso que as pessoas tenham consciência das coisas que estão
acontecendo, o máximo possível.
Hoje, os mecanismos de licenciamento e fiscalização estão
praticamente inoperantes. Assim, gostaria muito que a sociedade e a
ciência – afinal, como que a ciência se insere nesse processo? – se
envolvessem no processo e ajudassem a dar respostas. Existe toda uma
ciência financiada pelo Estado que não se voltou para resolver os
problemas ambientais. O que está sendo feito no Brasil, qual seu
desenvolvimento e como fazer o desenvolvimento gerar menos impactos e
ser mais sustentável?
Correio da Cidadania: Nesse caso seria necessária uma maior democratização da ciência?
Viviane Schuch: Exato. Que a sociedade de forma
geral participe das discussões científicas. Acreditamos que a junção dos
cientistas com a sociedade é que vai promover uma elevação do nível da
discussão, especialmente perante os governantes, que tomam as decisões.
Que a sociedade os pressione para que consultem os cientistas antes de
tomar decisões como, por exemplo, a flexibilização do licenciamento
ambiental (PEC 65).
Uma vez que não são biólogos, os governantes não têm condições de
tomar uma decisão dessas sem consultar pessoas que trabalham e se
dedicam diariamente a tal tipo de estudo. Tomam suas decisões baseadas
em interesses partidários, particulares ou de financiadores de campanha e
agenda eleitoral. Acreditamos que a sociedade deva participar da
discussão para ajudar a fazer com que o ciclo se feche: que os políticos
consultem os cientistas e os cientistas possam oferecer subsídios para
que os políticos tomem decisões melhores em relação ao meio ambiente.
Nesse processo de democratização da ciência, é essencial a
participação da sociedade, tanto no próprio processo científico com
coletas de dados e análise de resultados como também para discutir os
dados gerados e criar um conhecimento coletivo, que é muito importante
para elevar o nível da discussão. Vemos hoje discussões rasas e o
problema é muito mais complexo.
Dante Pavan: Uma pesquisa no Instituto de Ciência e
Tecnologia é baseada em algum anseio da sociedade. Se a sociedade não
tem nenhuma opinião crítica nem qualquer formação científica, como ela
vai decidir, opinar e direcionar uma boa política de ciência e
tecnologia?
Viviane Schuch: Não há no Brasil a cultura de se
fazer uma formação científica com a população e, assim, muitas decisões
que precisariam de mais estudo são tomadas de acordo com interesses
diversos. Enquanto isso a ciência coleta, pesquisa, cataloga, analisa,
compara e assim por diante. É preciso democratizar a ciência.
Correio da Cidadania: De que maneira acredita que o modelo de exploração mineral contribuiu para o desastre?
Dante Pavan: O que contribuiu para o desastre foi o
modelo de regulação das atividades de grande interesse econômico e que
produzem grandes impactos ambientais, mas não são necessariamente
mineradoras. A mineração apresenta mais risco, por isso o desastre de
Mariana-MG aconteceu a partir da mineração. Mas as hidrelétricas, por
exemplo, causam impactos ambientais gigantescos. Sem tragédias, mortes e
danos tão evidentes como esses, mas com prejuízos enormes à população.
Viviane Schuch: No caso da Samarco, dizem que gera
em torno de 5 mil empregos diretos, com 20 mil empregos se somarmos os
indiretos. Apesar disso, vejo que ganha muito dinheiro com a atividade
mineradora, enquanto a sociedade brasileira arca com os prejuízos. Não
entendo onde está fechando a conta.
Acabam devastando e impactando uma área enorme com o próprio
empreendimento, a partir das represas de rejeitos e pela contaminação
que gera quando essas represas rompem – há dados de represas que rompem
anualmente no Brasil, não são casos isolados. Causam um prejuízo enorme
em uma área que se estende por mais 800km em troca de um lucro que não é
revertido à sociedade brasileira, pois vai para os donos e acionistas
do empreendimento. Há um lucro privado e um prejuízo coletivo.
A atividade mineradora é muito prejudicial. Principalmente em um país
como o Brasil, onde nossa maior riqueza é o meio ambiente. Como frisou o
professor Dante, também as hidrelétricas oferecem prejuízos correlatos.
Dante Pavan: Uma saída seria precificar os impactos. Conseguir de fato jogar na conta os custos de quem está exercendo a atividade.
Viviane Schuch: A BHP Billiton é australiana. A
Austrália é a região do planeta que tem as maiores reservas de minério
de ferro, só que eles não extraem minério de ferro lá com o mesmo ritmo
que extraem do Brasil – porque lá tem regulação. As leis ambientais
existem, têm de ser cumpridas e os projetos de impacto ambiental têm de
usar a melhor tecnologia e os melhores e menos poluentes processos.
Ambos custam muito caro. Portanto, para eles é mais vantajoso vir
minerar aqui no Brasil. Nós temos leis ambientais boas, mas sabemos que
não há fiscalização. É muito mais barato produzir minério aqui do que na
Austrália, por isso a BHP está aqui.
Se as leis de proteção ambiental, licenciamentos, fiscalização,
enfim, se tudo fosse cumprido como deveria para minimizar impactos e
acidentes, não sei se seria vantajoso para as grandes mineradoras
internacionais. É como se houvesse um preço para um prejuízo
incalculável. Ainda precisamos fazer tal cálculo.
Dante Pavan: A prevenção de impactos ambientais gera
um custo. E se você tem um custo a mais, acaba lucrando menos no final.
Portanto, se você fizer um trabalho mais irresponsável, com menos
restrições, há uma expectativa de lucro futuro maior.
É importante decidir um método de cálculo de impactos ambientais que
possa ser usado pela legislação. Agora, esse trabalho é muito difícil de
ser feito pois há muitas variáveis que dificultam a precificação dos
impactos ambientais.
Correio da Cidadania: O que seria necessário fazer a partir
da sociedade civil e do poder público para evitar futuras tragédias?
Dante Pavan: Aí entra o poder do cidadão que
estávamos falando. O Brasil hoje só está andando em relação ao
prosseguimento da Lava Jato, pois há um medo muito grande de reações da
população. A vontade do povo está sendo respeitada de alguma maneira. No
sentido de que existe um desejo forte de punição aos corruptos. Tanto
os ditos “coxinhas” quanto na esquerda, cada um pedindo punição para
corrupção da sua maneira. Foram para a rua e manifestaram sua opinião,
coisa que no Brasil antes não existia. O problema é que para questões
ambientais ainda não existe essa força.
Viviane Schuch: Uma pergunta que muitas vezes escuto
é: mas como em Bento Rodrigues as pessoas foram morar tão próximas, a
cerca de 2km, da represa de rejeito de mineração? Na verdade, o distrito
estava lá antes da barragem. Séculos antes. Aquela população já morava
lá muito antes do empreendimento.
Dante Pavan: A empresa chegou e ofereceu uma
indenização. Era obrigada a tirar um povo de lá e o povo não queria
sair. Ela ofereceu uma quantia baixa por achar que a população ficaria
com medo da desvalorização. A população não aceitou o pouco oferecido e
foram enrolando. Na sequência, apareceu um vereador “espertinho”, foi lá
e colocou luz e escola. Em outras palavras, consolidou ainda mais o
povoado, incentivou as pessoas a ficarem por lá. Se o poder público ali
fosse responsável, ele teria impedido a barragem de ser construída ou
teria tirado as pessoas de lá. O fato é que depois da barragem as
pessoas não deviam morar lá.
Em Mariana (MG), uma esmagadora maioria da arrecadação da cidade
ocorre em função da Samarco. A prefeitura de Mariana pode falir se a
Samarco não estiver operando. Por isso que o poder público e setores da
população querem a volta da Samarco. Existe um grande monopólio do
minério de ferro. E muito pouca diversidade econômica na cidade. Se a
atividade da cidade não fosse só o minério de ferro e se não estivesse
concentrada em tão poucas mãos, não estaria acontecendo.
Também a cidade de Rio Doce está com um problema orçamentário enorme.
A hidrelétrica foi assoreada e o que sustenta a cidade são os royalties
da hidrelétrica. Quem tem de pagar a conta é a Samarco, teoricamente.
Correio da Cidadania: Existem outros empreendimentos, tanto
de exploração mineradora quanto em outras áreas, que apresentem riscos
semelhantes?
Viviane Schuch: Há muitos. Por exemplo as
hidrelétricas do Tapajós, cujos impactos ambientais são enormes. Olharam
para a bacia e fizeram um plano para represar tudo. Com isso, perde-se a
continuidade do rio. Algo como esse impacto pode ser evitado agora se
conseguirmos nos juntar, discutir e mobilizar porque ainda está por vir.
Dante Pavan: Devem haver mais ou menos 20 anos de
leis de impactos ambientais e nesse tempo não vejo mudança no jeito de
aplicá-las. As empresas começaram a gastar muito dinheiro com as leis de
impactos ambientais. Isso significa que entra dinheiro, mas não é bem
gasto.
Viviane Schuch: Por isso, propomos uma nova forma de
fazer licenciamento e estudos de impacto ambiental. Que sejam
realizados de forma aberta, independente de interesses políticos e
econômicos, e com participação da população diretamente atingida.
Hoje os relatórios de impactos ambientais são feitos pelo próprio
empreendedor que causará os impactos, e são de propriedade do
empreendedor. Assim, não podemos confiar que tais trabalhos resolvam os
problemas e minimizem os impactos de grandes empreendimentos. É preciso
repensar todo o processo, tanto o licenciamento quanto a fiscalização.
Dante Pavan: E criar um modelo novo de pesquisa.
Isso tem sido muito conversado entre cientistas. É preciso criar um novo
modelo de como costurar todo o trabalho. Atualmente, as áreas atuam sem
muita comunicação entre si, cada uma separada no seu recorte dentro da
sua área de conhecimento, sempre os mesmos temas, sem troca de
informações nem transversalidade. E observando isso estamos tentando
pensar uma nova forma de realizar os trabalhos, cruzar dados e chegar a
conclusões mais complexas, que deem conta de explicar e mensurar o
tamanho dos impactos sob diversos pontos de vista. Que levem em
consideração a qualidade da água, a vegetação, as faunas, a população
humana, ou seja, uma forma de cruzar diversos tipos de impacto. Não é
uma tarefa simples, mas o que podemos fazer agora é tentar.
Para ter acesso aos relatórios publicados acesse o grupo GIAIA.
Leia também:
*Raphael Sanz é jornalista do Correio da Cidadania