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(Millôr Fernandes)

domingo, 12 de junho de 2016

Crise na República. Os obscuros negócios de Gim Argello: E-mails revelam negociações que envolvem obras de arte e cargos no governo Dilma

Domingo, 12 de junho de 2016
Por Por Eduardo Militão - Correio Braziliense  //// Blog do Sombra

Quebra de sigilos revelaram novas suspeitas envolvendo o ex-senador do Distrito Federal, preso em abril

Um contrato de direitos de propriedade intelectual reserva 3,33% dos lucros da venda da pílula do câncer para o operador do bicheiro Carlinhos Cachoeira em negócio com o ex-senador Gim Argello (PTB-DF), que ficaria com 30%. Réu e preso por corrupção, concussão, lavagem de dinheiro e pertinência a organização na Operação Lava-Jato, o ex-parlamentar participaria do negócio por meio de uma empresa de seu filho, a HTS Investimentos. O uso do remédio foi suspenso por decisão do Supremo Tribunal Federal.
 
Um email do advogado Clodoaldo Andrade, obtido pelo Correio, foi enviado para Gim e Gleyb Ferreira da Cruz — braço-direito de Cachoeira e condenado em primeira instância a 7 anos e 8 meses de prisão por ser operador do bicheiro, dono do laboratório Vitapan e pivô da Operação Monte Carlo. A mensagem, de 6 de janeiro, sucede outra, enviada com outro contrato em novembro de 2015, redigida depois de uma reunião do ex-senador com o criador da chamada “pílula do câncer”, o professor aposentado da Universidade de São Paulo Gilberto Chierice.

 
O contrato de novembro diz que a pílula será produzida pelo químico da USP e pelo ex-senador, cada um com 30%. Mas, segundo o professor Chierice, Gim lhe surpreendeu com uma reunião em 28 de outubro, quando ele se preparava para participar de uma audiência pública no Senado no dia seguinte. O ex-parlamentar teria insistido na empreitada.
 
A quebra de sigilos de mensagens de correio eletrônico de Gim e de pessoas ligadas a ele, algumas também investigadas, mostra que o ex-parlamentar articulou ocupação de cargos no governo Dilma Rousseff em 2015, quando Michel Temer pilotava as nomeações para aprovar o ajuste fiscal.
 
Segundo o advogado de Gim, Marcelo Bessa, a produção da pílula não se concretizou, mas ele não comentou as afirmações de Chierice e as relações com Gleyb e Cachoeira. Os advogados do bicheiro, Nabor Bulhões, e do operador, Jeoavah Borges, disseram não ter informações sobre o negócio. Gleyb não retornou os pedidos de esclarecimentos feitos pelo Correio.
 
As mensagens do ex-senador mostram Gim enviando a um interlocutor discussões como empréstimos de 2,5 bilhões de euros com banco na China condicionados a um desconto de cheque. 
 
Picasso
 
Há também negociação de obras de arte de Picasso, algumas no valor de US$ 54 milhões. Um documento apreendido mostra a existência de R$ 3,5 bilhões de saldo em uma conta, em janeiro de 2015, e a compra de 12 toneladas de meias de adulto e de bebê na China por US$ 125 mil no primeiro semestre de 2014. Porém, Marcelo Bessa diz que a maior parte dessas mensagens indica apenas “coisas malucas” que ele recebia pela internet. As meias se referem a uma mensagem de uma secretária dele, e não do então senador, explicou o advogado.
 
Em 28 de outubro de 2015, Chierice desembarcou no aeroporto de Brasília a convite dos senadores Ivo Cassol (PP-RO) e Ana Amélia (PP-RS) para uma audiência pública na manhã seguinte. Uma van lhe esperava e ele achou que era do senador Cassol. Mas foi parar num escritório de Gim. “Eu fiquei surpreso”, disse ele em depoimento à Polícia Federal, em 27 de abril. Gim fez uma proposta comercial. “Esse senhor me ofereceu para fazer sociedade no comércio dessas cápsulas”, contou o professor aposentado da Universidade de São Paulo. O advogado Henrique Camacho presenciou a reunião e confirmou à PF a conversa. Segundo Chierice, no dia da audiência no Senado, o advogado Clodoaldo Andrade insistiu que o professor deveria assinar o contrato.
 
Em 3 de novembro, Andrade encaminha email a Gim com a minuta do contrato, para ser assinado em Goiânia (GO), e um pedido para serem fornecidos os documentos dos sócios. Seriam 30% para Chierice, 30% para a HTS Gestão de Investimentos, firma do filho do ex-senador, e o restante para outras pessoas. O professor disse que nunca recebeu esse contrato, embora tenha autorizado, após insistência, receber um documento da equipe do ex-senador para análise.
A reportagem do Correio não localizou Clodoaldo Andrade.
 
Esse senhor me ofereceu para fazer sociedade no comércio dessas cápsulas” 
 
Gilberto Chierice, professor aposentado da Universidade de São Paulo
 
O misterioso Fernando
O publicitário Paulo Roxo, denunciado pelo Ministério Público como operador de Gim Argello (PTB-AL), encaminhou ao ex-senador uma notícia de jornal indicando negociações de cargos no segundo mandato de Dilma Rousseff. Àquela época, o ex-parlamentar já estava sem mandato. Roxo cita a articulação do vice-presidente, Michel Temer, que, em maio de 2015, cuidava de tentar aprovar o ajuste fiscal no Congresso. Em 5 de maio do ano passado, o publicitário avisa Gim, por correio eletrônico, de notícia da Folha de S.Paulo sobre 120 cargos à espera de nomeações. Ele explica que 50 nomeações sairiam naquela mesma semana e havia outras 70 “na fila, tudo via vice”.
 
“Precisamos saber se houve aquela conversa do Fernando com ele”, diz Roxo no email. “Vc conseguiu falar com ele e saber se eles já tinham se falado?”, pergunta o publicitário a Gim. Procurado, o advogado de Roxo, Daniel Gerber, não quis esclarecer a qual Fernando seu cliente se referia porque o material apreendido é sigiloso.
 
A assessoria do Planalto afirmou ao Correio que Michel Temer não se recorda de um eventual pedido de cargos por parte de Gim e disse crer que, se isso aconteceu, foi por meio de outra pessoa, porque Argello não era mais parlamentar. A reportagem procurou a assessoria do senador Fernando Collor (ex-PTB, hoje no PTC-AL), mas ela não esclareceu se ele fez algum pedido em nome do ex-senador. Interlocutores de Collor disseram que ele não obteve cargos em nome de Gim.
 
Da mesma forma, o ex-senador disse a interlocutores ouvidos pelo Correio que tem “zero cargos” no governo de Dilma ou de Michel Temer. (EM e Paulo Tarso Lyra)