Terça 14 de junho de 2016
"Imersos na confusão estabelecida pela pintura aparente de vermelho
orientada à reprodução obscura do capital, a história do PT no poder
projeta o exílio forçado para a esquerda que recebe como pena a
desarticulação da classe, ainda quando esta tente explicitar, por
diversos meios, a centralidade do PT para a ordem do capital."
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Do Correio da Cidadania
www.correiocidadania.com.br
Por Roberta Traspadini*
Vivemos um momento complexo na América Latina. Os não tão antigos
anos da ditadura militar vividos em grande parte de nosso continente
entre os 1960-1980 se mostram presentes, como resultado de velhas
práticas que se renovam com o fim de manutenção da ordem do capital.
No teor de educar oprimindo, os mentores ideológicos do capital
tendem a tingir de vermelho tudo o que conspira contra a ordem, se
autodenominam defensores da paz, ainda que em meio às mais obscuras
violências cotidianas.
A ditadura fez escola e forjou a reprodução da opressão no interior
da classe trabalhadora. Como resultado da ideia de modernidade, muitos
foram os partidos políticos ditos de esquerda que se vincularam às teses
do desenvolvimento. Confusão que, no passado e no presente, explicita
diferenças de processos, objetiva divergências e expõe discrepâncias de
princípios.
No tom das diferentes nuances da consciência de classe, assume-se
como vermelho uma ampla gama de sujeitos políticos que passa pelos que
contestam a ordem e chega aos que lutam pela superação da lógica do
capital. Desta confusão entre o sentido de esquerda, fluem complexas
situações que fazem o todo pagar por uma parte realmente distante de
suas crenças e proposições. A narrativa de esquerda disseminada pelo PT e
por seus rivais projetou para a esquerda anos difíceis na recomposição
do projeto popular para o país.
As cores da ditadura
No período de ditadura marcado por mordaças e matanças dos sujeitos
que contestavam a ordem, qualquer pergunta ou franzir das testas
culminava na consolidação do estereótipo de perigoso. O comportamento
habitual do progresso era a lei do silêncio. Através dela se moviam os
mundos dos mandatários do capital com incidência sobre o mundo do
trabalho.
A ideia do branco da paz do capital instituiu, na ditadura, a
cremação cinza sobre os contestadores pintados pelos ditadores como
possíveis conspiradores vermelhos. O capital dá o tom da tortura ainda
quando induz uma ideia equivocada de paz e ordem para o progresso. De
suas ações jorram sangues e consolidam-se concretos muros cinzas de
preconceitos.
O importante era forjar no imaginário coletivo tanto a ideia de
progresso do capital como a leitura do inimigo, de cor vermelha, a ser
combatido. O combate aos sujeitos da cor vermelha expressava a razão
ditadora da defesa do progresso, situação que instituía as opressões
capazes de conter os estereótipos da desordem. Pretos/pretas,
homossexuais, camponeses/camponesas, trabalhadores das periferias,
mulheres mães solteiras, artistas de rua, intelectuais, religiosos e
sujeitos políticos de partidos entravam nesta caracterização.
Ainda que os sujeitos não fossem comunistas, eram tratados como
criminosos do mesmo tom. Situação sobre a qual tanto os mandatários do
capital como a sociedade deviam perseguir, combater, extirpar. Nessa
estratégia de limpeza comunista o opressor foi transformando o oprimido
em um corpo nada dócil, capaz de torturar os seus, caso não se
adequassem à ordem a ser realizada.
O opressor travestido de oprimido
A opressão no século 21, ao tirar de foco a história violenta do
capital, coloca em evidência temas sem explicitar os sujeitos políticos
da ação devastadora e os verdadeiros tons correspondentes à sua ação. O
que ocultam é que por trás da ideia de paz apresentavam-se diversas
balas em tons de cinza frutos de atos sombrios do capital.
O problema é que nas crises o número de vermelhos tende a aumentar.
Se vermelhos são entendidos como os que gritam e se perguntam porque
vivem na miséria que vivem. A ruptura com o silêncio é suficiente para
ampliar o campo dos desordeiros, segundo a ótica do capital.
Imersos na confusão estabelecida pela pintura aparente de vermelho
orientada à reprodução obscura do capital, a história do PT no poder
projeta o exílio forçado para a esquerda que recebe como pena a
desarticulação da classe, ainda quando esta tente explicitar, por
diversos meios, a centralidade do PT para a ordem do capital.
A força ideológica da projeção de um sonho a ser sonhado por todos e
realizado por poucos é o que permite ao opressor seguir forte. O
opressor conserva as amarras que prendem o oprimido a sua condição
realizadora de sonho. O opressor conduz o tempo de trabalho como matriz
de seus ganhos.
O oprimido, quanto mais se submete a um tempo acelerado de ganhos
menores, menos tempo tem para entender o que realmente ocorre. E mais
sonhos projeta, com a ajuda da mídia, de pertencer à orgia consumista de
um mundo mágico feito para poucos, mas com capilaridade absurda sobre
os desejos de muitos.
Através das ilusões opressoras, parte expressiva da suposta esquerda
que chegou ao poder no Brasil não sonhava algo diferente da realização
do capital. Essa esquerda fetichizada, originada dos ideários do
progresso capitalista, foi apresentada e se autopromoveu como
pertencente ao vermelho, quando em realidade reproduzia a lógica cinza
do progresso.
Para o PT e seus defensores, a reforma substituía a revolução e a
modernidade suprimia a proposta de superação da ordem do capital. O
combate à pobreza dava, assim, a tônica da manutenção da desigualdade
estrutural.
A opressão ganhava novos mandatários para velhas técnicas de
realização do poder sobre os oprimidos. Parte dos protagonistas
políticos atuais é fruto daquelas gerações que nos anos 1960-1980 viviam
cenários duros sobre a realização do progresso. Filhos dos operários ou
intelectuais do progresso, se contentam em ser meros reprodutores da
ordem imperante e mandam para o exílio os representantes dos tons de
vermelho mais duros.
O passado das ditaduras, ao se fazer presente, demonstra que parte da
geração vermelha foi forjada em tons obscuros de cinza. Violentos tons
que produzem múltiplas desigualdades ao retirarem do horizonte o sentido
de revolução manifesto nas ideias e ações comunistas. Os trabalhadores
tragam a sujeira emanada dos carburadores, comem alimentos com
agrotóxicos e adoecem como resultado de uma sociedade que não tem outro
sentido senão o da doença.
O preço a ser pago pelos que defendemos um projeto popular é muito
alto, como resultado da propaganda discursiva que atrela o PT à
esquerda. As propagandas midiáticas do PT demonstram a retirada do
vermelho e a defesa da ideia pacifista do branco. Aproximação real ao
ilusório discurso de paz do capital. Infelizmente, anos de educação
opressora provocam distorções sobre a vida concreta. Isto, aliado à
intencional projeção do capital, torna as coisas ainda mais difíceis
para os defensores do projeto popular.
O período petista provocou um recuo tático de décadas na recomposição
popular com perspectiva de classe, em meio a muito sangue e suor da
classe trabalhadora brasileira. As conservadoras vozes da ditadura
insistem em reafirmar-se entre nós.
Os ecos da opressão querem seguir com torturas, criminalizações e
exílios com relação às lutas e aos lutadores populares. Os gritos dos
que se contrapõem se fazem fortes e presentes. Basta uma recomposição
que os faça ecoar em um único tom na sinfonia da luta organizada pela
classe trabalhadora. Tratar temas doloridos como este não significa
defender a direita, nem tampouco reforçar o golpe e, sim, explicitar que
o problema é muito mais denso do que temos ousado discutir.
*Roberta Traspadini é professora da Universidade Federal da Integração Latino-americana.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania