Sábado, 25 de junho de 2016
Do Correio da Cidadania
www.correiocidadani.com.br
Escrito por Marcelo Castañeda*
Escrito por Marcelo Castañeda*
Junho não é um calendário de luta: 2013 não se repete todo ano. O que
resta até hoje de 20 de junho de 2013 é Rafael Braga, preso por ser
pobre e negro, morador de rua. Sem ser pessimista acerca do espírito
daquele junho, podemos depreender as ações dos estudantes secundaristas
que ocupam as escolas, mas se organizam para além disso e inovam
corajosamente na esfera das lutas.
De certa forma, junho de 2013 continua vivo depois de ser morto pela
repressão, pelos conflitos entre as singularidades que compunham a
multidão e pela representação contestada. Continua vivo na memória da
revolta que não se dissipa e que possibilita múltiplas apropriações,
como nos grupos anti-impeachment, um efeito que pode ser tido como
indesejável.
Esses aspectos que levantei até aqui fazem com que junho de 2013
continue sendo um enigma. Sua ambiguidade faz com que passe por
contínuas ressignificações ao longo do tempo e dos atores que buscam
interpretá-lo. É nessa ambiguidade que mora a força e a fraqueza de
junho de 2013, que lhe faz parecer vivo e morto ao mesmo tempo, com
destaque para a sua capacidade de imprevisibilidade que chocou e marcou a
sociedade brasileira.
Discordo de quem acha que junho de 2013 abriu uma guinada à direita
(pois representou mais um ponto fora de uma curva que já era ascendente)
tanto quanto daqueles que reificam junho de 2013 como um modelo de
mudança a ser alcançado, e com isso fabricam uma prisão. Prefiro tentar
entender as diferentes nuances do que estava em jogo naquele momento, e
isso não é tarefa fácil, que talvez leve algum tempo.
O fato é que a mobilização mostrou sua capacidade de arranhar o poder
constituído ao fazer com que os aumentos das passagens de ônibus fossem
revertidos (ainda que a custa de renúncias fiscais), que a violência
policial (antes restrita aos pretos e pobres, em especial os favelados)
fosse amplamente reconhecida e, principalmente, que o medo mudasse de
lado, mesmo que somente por alguns meses, mesmo propiciando uma reação
forte do poder constituído que se estende até os dias atuais, vide a lei
antiterrorismo.
Sim, parece que o momento atual é uma reação ao que junho de 2013
representou de mais ameaçador ao poder constituído: as pessoas nas ruas,
gritando suas pautas que não eram unificadas (por vezes
contraditórias), ameaçando de forma descontrolada quem estava operando
nas esferas de poder. O descontrole que assustava também pode ser visto
como uma das dificuldades encontradas pelo campo de lutas no pós-junho
de 2013 no que diz respeito à capacidade de organização da multidão.
É nessa toada que os estudantes secundaristas vêm recuperar o que, na
minha opinião, de melhor se produziu em junho de 2013. Não podemos
esquecer que o repertório de ação em rede pode ser muito bem apropriado
pela direita como bem provaram MBL, Revoltados On Line e Vem pra Rua nas
suas manifestações pelo impeachment de Dilma.
Por fim, queria destacar que, depois de ser tido como morto, junho de
2013 vive na memória de um campo de lutas que se reconfigura a todo
instante. E é essa memória do impossível que se fez possível, mesmo que
por um breve instante e com limitações, que pode nos fazer sair da
sensação de que estamos num beco sem saída.
Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador da UERJ.
A publicação deste texto é livre, desde que citada a fonte e o endereço eletrônico da página do Correio da Cidadania