Quarta, 27 de julho de 2016
Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil
Simbolizando
corpos de pessoas mortas pela polícia, 40 sacos fúnebres foram
colocados hoje (27) em frente ao prédio do Comitê Organizador da Rio
2016, no centro da cidade. Realizado pela Anistia Internacional, o
protesto denunciou a alta letalidade policial às vésperas da Olimpíada, e
lembrou o grande número de vítimas nos anos dos Jogos Pan-americanos,
em 2007, e da Copa do Mundo, em 2014.
Em 2016, até maio, 151
pessoas foram assassinadas por agentes públicos de segurança na cidade
do Rio de Janeiro, 40 somente em maio – 135% a mais que no mesmo mês de
2015.
Para a Olimpíada, os governos estadual e federal anunciaram
que cerca de 60 mil policiais e 40 mil agentes das Forças Armadas
estarão de prontidão no Rio, patrulhando vias expressas, o transporte
público e, eventualmente, fazendo incursões em favelas. Nas contas da
organização de direitos humanos, trata-se da maior operação de segurança
da história do país.
As forças policiais e armadas, no entanto,
continuam despreparadas para lidar com a população, na avaliação da
Anistia Internacional. Uma das principais críticas da entidade é à
tática de “atirar primeiro e perguntar depois”, associada ao abuso da
força e à impunidade, que tendem a desaguar em uma espécie de “licença
para matar” em ano de grandes eventos.
“A nossa principal
preocupação com a Olimpíada é a escalada da violência policial, a gente
já viu isso acontecer em 2007, no Pan, e em 2014, na Copa do Mundo.
Sabemos que em ano de realização de megaevento esportivo existe um
aumento expressivo de pessoas mortas pela polícia na cidade e no estado
do Rio”, disse a assessora de direitos humanos da Anistia Internacional,
Renata Neder. A maior parte das mortes, segundo ela, ocorre em meio a
operações policiais em favelas.
“A polícia entra atirando em
áreas densamente povoadas – então, é claro, as pessoas vão ser
atingidas. Uma parte foram casos de Troia, que é quando os policiais se
escondem em uma casa para executar um indivíduo e, em outros casos,
pessoas suspeitas de terem cometido crimes ou que estavam sendo presas
em flagrante, mas que não estavam armadas, já tinham se rendido, algumas
até feridas, ou seja, pessoas que não representavam risco, e os
policias, em vez de detê-las, intencionalmente as executaram”,
acrescentou a assessora.
O
ano de 2007, quando o Rio sediou os jogos Pan-Americanos, foi o que
teve o maior número de pessoas mortas em operações policiais na última
década, com 1.330 mortos no estado, sendo 902 apenas na capital.
Na Copa do Mundo, em 2014, foram 580 mortos no estado, 40% a mais que no ano anterior.
Somente
na cidade do Rio, onde estão as instalações olímpicas, nos cinco
primeiros meses deste ano, o número já chega a 151, média de 30 por mês,
maior do que a do ano passado. Em 2014, foram 244 pessoas mortas pela
polícia, e em 2015, 307. Em geral, os mortos são jovens negros que vivem
em favelas.
Impunidade é uma das causas de violência
O
combate à impunidade e a investigação dos casos antigos, com
responsabilização dos envolvidos, destaca Renata, é um dos meios de
evitar a repetição de assassinatos agora. “Infelizmente, as autoridades
não reconheceram [nos anos anteriores] o problema e não tomaram medidas
preventivas. A gente está vendo o que era risco ser confirmado”,
lamentou.
No relatório A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos humanos nas Olimpíadas Rio 2016, lançado em junho, a Anistia Internacional detalha a letalidade policial em grandes eventos,
com exemplos como o uso desproporcional da força contra manifestações
de ruas e detenções irregulares. O documento também contabiliza mortos e
indica ações que ainda podem ser tomadas para impedir a escalada da
violência.
No começo de junho, a entidade também lançou uma
petição que agora reúne 120 mil assinaturas, de 15 países, cobrando que a
Rio 2016 previna o uso desnecessário da força pela polícia e pelas
Forças Armadas, evitem violação de direitos, crie mecanismos de
responsabilização e investiguem as denúncias de abuso. O documento foi
protocolado hoje no Comitê Organizador dos Jogos.
Secretaria diz que investe em formação
Na
época da divulgação do relatório da Anistia Internacional, a Secretaria
de Estado de Segurança informou que reduziu o uso de fuzis, investiu na
formação de policiais para uso progressivo da força e investigou mortes
decorrentes do que classificou como “oposição à intervenção policial”. O
órgão estima que essas mortes caíram pela metade entre 2007 e 2015.
Procurada
por e-mail, a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes
Eventos, do Ministério da Justiça, não se pronunciou sobre a petição.