Domingo, 10 de julho de 2016
Do Correio da Cidadania
www.correiocidadania.com.br
Por Virgílio Arraes*
Em meio ao corrente processo de destituição de Dilma Rousseff da
presidência da República, sobejam afirmações, como maneira de defesa
política de sua iníqua administração, relativas a uma suposta altivez da
política externa das gestões trabalhistas ao longo de quatro mandatos
ou independência concernente a interesses dos estadunidenses.
Na prática, a proximidade entre os dois países, indistintamente da
agremiação à frente do poder, tem sido real. Durante a gestão de Lula da
Silva, o dirigente democrata, Barack Obama, era elogiado em público
pelo brasileiro, como, por exemplo, na época de sua visita a países da
área médio-oriental em maio de 2009.
No mesmo período, a indicação de Thomas Shannon, servidor de carreira
do Departamento de Estado, para ser o embaixador foi acolhida de modo
positivo pelo Planalto. Fluente em português e espanhol, o diplomata
havia trabalhado no país no início da carreira (1989 a 1992) - http://www.state.gov/r/pa/ei/biog/55306.htm. Ele substituiria Clifford Sobel, após apenas três de exercício.
Uma das questões prementes daquele momento relacionava-se com a
possibilidade de exportação do etanol ao mercado norte-americano,
dificultada por causa da alíquota de 2,5% do imposto de importação do
produto além da imposição de um adicional acima de 14 centavos de dólar
por litro para vários países - https://www.cbo.gov/sites/default/files/111th-congress-2009-2010/reports/07-14-biofuels.pdf.
Cerca de 98% do biocombustível consumido no território
norte-americano era produzido internamente – em torno de 40 bilhões de
litros. A tendência seria a de ampliar mais a quantidade. Em que pesasse
o interesse de Brasília, Shannon observava que a eventual redução da
tarifa não dependeria da vontade do Executivo tão somente. Lá, o
Congresso dispõe de poderio maior para resguardar a produção local, se
comparado com seu similar brasileiro.
A forma alternativa para comerciar o etanol seria a de o Brasil
valer-se de parcerias junto a países centro-americanos com os quais os
Estados Unidos mantivessem acordos de livre comércio. No entanto, a
relação inverter-se-ia de maneira surpreendente nos meses seguintes: o
país passaria a importar mais que exportar o produto, de sorte que a
sugestão do embaixador caducaria.
De acordo com um importante diário britânico - https://www.theguardian.com/world/2009/jun/02/obama-lula-world-bank
- a identificação ideológica entre os dois governos no primeiro
semestre de 2009 era tão próxima que Lula da Silva teria sido cogitado
por Barack Obama para presidir o Banco Mundial, a despeito de não ser
cidadão estadunidense, tradição vigente até aquela fase.
Seu possível concorrente seria o primeiro-ministro da Índia, Manmohan
Singh. Um ou outro nome demonstrava a vontade de Washington de
valorizar o multilateralismo e, ao mesmo tempo, de alinhamento, ao ir de
encontro ao posicionamento da gestão predecessora, a do republicano
George Bush Jr.
De todo modo, a Casa Branca indicaria de fato o primeiro estrangeiro
para a instituição em março de 2012: o sul-coreano, embora residente
desde os primeiros anos em território norte-americano, Jim Yong Kim.
Por fim, Moises Naím, editor da Foreign Policy, em
entrevista à BBC afirmou que a política econômica da gestão de Lula da
Silva situava-se mais à direita que a de Barack Obama - http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2009/06/090530_eua_esquerdas_bruno.shtml.
Destarte, razão havia para que os democratas se entusiasmassem com os
trabalhistas como singulares colaboradores na governança global,
abalada por uma crise econômica de extensão sem precedentes no
pós-Guerra Fria.
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*Virgílio Arraes é doutor em História das Relações
Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do
Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.