Sexta, 22 de julho de 2016
De Carta Campinas
O projeto Escola sem Partido (na verdade: Escola com Partido),
que alega combater a doutrinação de esquerda nas escolas e defender uma
educação supostamente neutra, tem um viés mais autoritário que o
currículo educacional desenvolvido durante a ditadura (1964-1985), na
avaliação do professor Alexandre Pianelli Godoy, doutor em História
Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Por
incrível que pareça, embora no período da ditadura houvesse os guias
curriculares e certa vigilância sobre o professor e o conteúdo que seria
dado, os docentes não eram pressionados a ensinar desta ou daquela
maneira”, afirmou.
O Escola sem Partido foi idealizado em 2004, pelo procurador do
estado de São Paulo Miguel Nagib, que enxergou conteúdo ideológico após
um professor de sua filha citar que o revolucionário argentino Che
Guevara e o santo católico São Francisco de Assis, abandonaram a riqueza
pela causa que acreditavam. Pasmem!! O projeto surge também com o incentivo da grande mídia, como Globo e Veja.
O projeto determina que sejam afixados em salas de aula cartazes com
os deveres do professor. Os principais pontos do projeto são impedir
qualquer afronta às convicções religiosas ou morais dos pais e dos
alunos e impedir a apresentação de “conteúdo ideológico” para os
estudantes – nesse caso há uma evidente partidarização, pois somente
conteúdos considerados de esquerda são citados. (Veja o truque de linguagem do Escola sem partido)
Para Godoy, ao definir o que não pode ser dito em sala de aula,
impondo as convicções morais e religiosas das famílias tradicionais
sobre o conteúdo das disciplinas, o Escola sem Partido expõe sua própria
partidarização. “Há um retrocesso e uma visão autoritária que estão se
voltando contra os conteúdos. Viver em uma democracia com práticas
autoritárias acaba com o debate de ideias e com a própria democracia. É
preciso que o professor tenha uma prática plural, diversa e que dê
espaço para o livre debate e que os alunos se posicionem e discutam”,
afirmou. Para o historiador Leandro Karnal, da Unicamp, o Escola sem partido é algo estúpido.
No período ditatorial, os alunos do primário – atual ensino fundamental I – conviviam com uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica,
que basicamente exaltava a nação por meio de eventos festivos e
afirmação dos símbolos nacionais. No ginásio e no colegial – que hoje
correspondem aos fundamental II e ensino médio – os estudantes recebiam
conteúdos de Organização Social e Política do Brasil (OSPB), que reunia
disciplinas da área de ciências humanas (geografia e história), com o
mesmo objetivo da matéria anterior.
“A Educação Moral e Cívica pretendia moldar os alunos, mas não
dispunha de atividades pedagógicas competentes”, argumentou o professor.
Desse modo, os professores tinham certa “liberdade para trabalhar”, já
que não havia modelos rígidos de como atuar em sala de aula.
Diferentemente do que pretende o Escola sem Partido.
“Em vez de uma disciplina, o Escola sem Partido está criando uma
ideologia que propõe voltar a cultivar valores nacionalistas, mas que na
verdade escondem como se formou o nosso país: por meio de lutas, de
conquistas, da dizimação de indígenas, escravidão dos negros. Não se
pode tomar a história brasileira por meio de eventos festivos (como se
fez na ditadura), é preciso problematizar”, avaliou.
Segundo o doutor em Educação e professor emérito da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Antônio Cunha, a ditadura não fez
grandes mudanças em relação ao modelo educacional que vinha sendo
implementado no país desde o Estado Novo (1937-1945). “Não houve
necessidade de um projeto, porque o que eles queriam já estava sendo
aplicado: esvaziamento das matérias, unificação do ensino fundamental,
adoção do modelo americano”, disse.
A OSPB, inclusive, fora criada em 1962 pelo educador Anísio Teixeira
(1900-1971), com o objetivo de discutir os processos democráticos, os
direitos políticos e deveres do cidadão constantes da Constituição,
baseado em modelos franceses e estadunidenses. A principal ação
implementada pela ditadura foi a vigilância sobre os professores e a
ideologização da educação como um instrumento moralizante.
Para Luiz Antonio, os valores defendidos pelo Escola sem Partido não
diferem daqueles promovidos nos conteúdos de Educação Moral e Cívica,
porém são mais rígidos. “Saímos de uma proposta que não era exatamente
religiosa, mas sofria influência, para uma ideia de educação
objetivamente religiosa. Além disso, incentivam alunos e pais a
delatarem professores. O que mais vão fazer? Colocar polícia em sala de
aula? Criar tribunais ideológicos?”, questionou.
O professor ressaltou ainda que é preciso observar que o Escola sem
Partido esvazia a escola, mas algo deve, obrigatoriamente, preencher o
espaço vago. “Esta é uma perna de um projeto mais amplo. Não basta
calar, é preciso colocar algo no lugar. Quem mais que está agindo para
educar dentro da escola pública, nessa perspectiva que evite a crítica
de fato? São aqueles grupos que pretendem desenvolver o ensino
religioso”, afirmou.
Hoje existem quatro propostas baseadas no Escola sem Partido em 12
Câmaras Municipais e sete Assembleias Legislativas. Na Câmara dos
Deputados, há quatro projetos. E no Senado, um. (Da RBA; edição Carta Campinas)