Sábado, 30 de julho de 2016
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por Étore Medeiros
Esvaziado em menos de um ano, PMB tem hoje apenas dois deputados
federais, que defendem desde a polêmica ‘pílula do câncer’ até a
‘família e os bons costumes’
Dizer que o Partido da Mulher Brasileira (PMB) não é feminista não é novidade. A Agência Pública contou essa história em 2015, após entrevistar a presidente da sigla, Suêd Haidar. Agora, ao analisar a atuação dos parlamentares da legenda, o Truco no Congresso concluiu que ela nada fez pelas mulheres no Congresso Nacional.
Caçula entre os partidos brasileiros, com registro aprovado no
segundo semestre de 2015, o PMB surgiu com uma força impressionante:
recebeu filiações de 22 deputados federais e de um senador. A maior
parte dos parlamentares, porém, fez dele apenas um ponto de parada antes
de seguir para outras siglas. Passados poucos meses, após intenso troca-troca partidário no Congresso, restaram ao PMB apenas dois parlamentares na Câmara.
A liderança na Casa é exercida por um homem. O outro único deputado
federal também é homem – e pastor evangélico. Nenhum deles jamais
militou de forma destacada na defesa dos direitos das mulheres da
igualdade de gênero. Tampouco apresentaram projetos diretamente
relacionados aos temas. “Temos certeza que precisamos eleger mais
mulheres para os cargos decisórios do país, mas esse é um projeto de
longo prazo”, reconhece a presidente nacional do PMB, Suêd Haidar. “Na
época da homologação do partido, tivemos que constituir nossa bancada
dentro da realidade atual do Congresso Nacional, em que apenas cerca de
10% dos parlamentares são mulheres”, justifica. Na época áurea, o
partido alcançou um pico de duas parlamentares mulheres.
Nos estados, 16 diretórios são comandados por mulheres, e elas também
são maioria entre os cerca de 30 mil filiados ao partido, ressalta
Haidar. “Não somos um partido que exclui qualquer gênero e, com isso,
todos que estão filiados estão trabalhando com ideais formados, sejam
homens ou mulheres.”
Fosfo
Respondendo pela bancada miúda de apenas dois deputados, o líder do
PMB está no segundo mandato na Câmara. Weliton Prado (MG) foi o sexto
deputado federal mais votado em Minas Gerais em 2014, quando ainda
estava no PT. A sua chegada ao PMB, entretanto, não se deve a um
engajamento repentino junto às lutas das mulheres ou a “ideais
formados”.
Antes de entrar no novo partido, Prado movera uma ação
pedindo para deixar o PT por “justa causa” e, assim, não perder o
mandato na Câmara ao se desfiliar e trocar de sigla. Como a legislação
eleitoral não pune a adesão a legendas recém-criadas, o Partido da
Mulher Brasileira foi um caminho natural para o mineiro.
O líder ainda não pode se gabar de muita coisa no currículo como
deputado, até por ainda estar no segundo mandato. Teve aprovados somente
o projeto que instituiu o Grupo Parlamentar Brasil-Nepal, outro que
incentiva ações de reflorestamento e, em parceria com outros
parlamentares, assina o projeto que autorizou o uso da fosfoetanolamina.
Apesar da múltipla autoria, Prado é apontado como pai do projeto da
controversa “pílula do câncer”, já que apresentou o primeiro texto que trata do assunto – como sempre faz questão de ressaltar.
Após a debandada de parlamentares do PMB, Weliton Prado chegou a ser o
único representante da legenda na Câmara. Essa era a situação nos
instantes finais do processo de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff na Casa, em meados de abril. Assim, Prado usou sozinho cada
minuto da uma hora disponibilizada para o partido na sessão de debate
que antecedeu a votação no plenário. Aproveitou para apoiar não só a
saída da petista, como a do vice, Michel Temer, e do ex-presidente da
Casa, Eduardo Cunha.
Em maio, o deputado do PMB fez um único movimento quanto a questões
de gênero, quando juntamente a outros deputados apresentou um requerimento
para que fosse realizado um debate no plenário sobre “a violência
contra mulheres e meninas, a cultura do estupro, bem como o
enfrentamento à impunidade, e políticas públicas de prevenção, proteção e
atendimento a vítimas no Brasil”. A Agência Pública não conseguiu contato com o parlamentar.
Pastor “em casa”
Em 18 de abril deste ano, exatamente um dia após a Câmara autorizar o
prosseguimento do impeachment para o Senado, tomou posse como deputado
federal o suplente Pastor Luciano Braga (BA). Assim como aconteceu com
Prado, ele não nega que chegou ao PMB também devido a articulações
políticas alheias ao conteúdo programático do partido.
“O principal motivo, primeiramente, foi um acordo para que o PMB
fosse para a base do atual prefeito ACM Neto [DEM] em Salvador, da qual
faço parte”, admite à Pública. Um “outro motivo
especial”, cita, foi a vontade de “atuar combativamente pelos plenos
direitos das mulheres, de forma lúcida e objetiva”. Com menos de três
meses no exercício do mandato, diz que estuda algumas ideias que poderão
ser apresentadas futuramente como projetos de lei – por enquanto nada
foi protocolado.
Evangélico, faz questão de usar “pastor”
antes do nome, como poucos fazem na Câmara – um exemplo é Marco
Feliciano (PSC-SP) –, e já no primeiro discurso, em 19 de abril,
apresentou as credenciais ao plenário da Casa: “Eu estarei aqui como um
guerreiro, para lutar até a última gota de suor em favor da família e em
favor dos bons costumes”.
Braga assegura que norteará os trabalhos legislativos segundo os seus
preceitos religiosos – e do seu eleitorado. “O fato de ser um pastor,
inevitavelmente, pauta minha atuação na Câmara dos Deputados, uma vez
que creio em meus princípios – que por sua vez são conduzidos pelas
diretrizes da igreja da qual sou membro –, tendo absoluta certeza que
caminho juntamente com a expectativa dos meus eleitores.”
Com a forte premissa religiosa guiando os trabalhos legislativos, o
deputado não adere às pautas mais progressistas relacionadas aos
direitos das mulheres, como a ampliação dos casos de aborto. “O direito
deve ser respeitado no tocante às autorizações legais, por isso aceito
aqueles que o Estado me obriga a aceitar. Porém sou extremamente contra
qualquer outro tipo de aborto. Não compartilho a ideia de que o corpo da
mulher pode ser usado da forma quer ela quiser, considerando eventual
aborto voluntário.”
O PMB não encampa pautas feministas. Assim, as teses defendidas pelo
pastor e pelo partido pouco ou nada se chocam. Braga ressalta a boa
acolhida que recebeu da presidente nacional da legenda, Suêd Haidar.
“Não existe ditadura no PMB. Vamos conversando, aqui e ali há uma
flexibilização e todo mundo consegue conviver bem. Hoje me sinto em
casa.”
“Nossos parlamentares têm, sim, liberdade para terem as suas crenças
individuais, mas têm atuado em consonância com as bandeiras do PMB”,
explica a presidente da sigla. “O partido defende a educação sexual, o
planejamento familiar e a difusão de métodos contraceptivos para a
população, para evitar que a mulher chegue a cometer um ato tão violento
como o aborto, que coloca em risco também a vida da própria mulher”,
justifica, quanto ao aborto.