Sexta, 1º de julho de 2016
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) deu entrada nesta
quarta-feira, dia 29, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que
questiona os benefícios fiscais concedidos à produção e comercialização
de agrotóxicos no país. O documento, que será apreciado pelo ministro
Luiz Edson Fachin, pede a declaração de inconstitucionalidade pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) de partes do Convênio no 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e do Decreto no 7.660, que reduzem o ICMS e o IPI para os venenos agrícolas.
O texto do Convênio no 100/97, firmado pelo Confaz em 23
de dezembro de 2011, reduz o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Prestação de Serviços (ICMS) para diversos produtos. Entre as concessões
está a diminuição em 60% da base de cálculo do ICMS nas saídas
interestaduais de produtos como inseticidas, fungicidas, formicidas,
herbicidas, parasiticidas, desfolhantes, dessecantes e estimuladores,
com autorização para que os Estados concedam isenção total do imposto. A
ADI do PSOL questiona a constitucionalidade de parte do Convênio, no
trecho em que se refere aos produtos genericamente identificados como
“agrotóxicos”.
Na mesma data também foi publicado o Decreto no 7.660, que
institui a Tabela de Impostos sobre Produtos Industrializados (TIPI),
onde consta a isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) para as substâncias que compõem os venenos agrícolas. “A renúncia
fiscal viola frontalmente as normas constitucionais, ademais quando
analisadas sistematicamente. […] Verifica-se que as isenções confrontam o
direito constitucional ao meio ambiente equilibrado, o direito à saúde,
e violam frontalmente o princípio da seletividade tributária, posto que
realizem uma ‘essencialidade às avessas’, ou seja, contrária ao
interesse público”, defende a peça jurídica.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade argumenta, ainda, que a
isenção fiscal deve privilegiar os produtos essenciais à vida, à
dignidade, à justiça social, e não atividades econômicas extremamente
poluidoras e que detêm ampla capacidade de arcar com a carga tributária
regular. De acordo com o documento, a produção e o consumo dos
agrotóxicos estão principalmente relacionados às grandes multinacionais
que vendem e às principais culturas de commodities que os
consomem, sendo a renúncia fiscal um benefício para grandes empresas que
possuem capacidade para arcar com os tributos. “Ademais, a finalidade é
retirar o estímulo ao consumo destas substâncias, sem criar qualquer
impedimento, sobretaxação ou obstáculo extralegal para sua aquisição”,
afirma.
A iniciativa da contestação ao STF dos benefícios fiscais partiu da
Rede de Advogados Populares do Ceará (Renap-CE) e contou com a
contribuição do Núcleo de Pesquisa Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Tramas). Além
dos advogados do PSOL André Maimoni, Alberto Maimoni e Álvaro Maimoni,
assinam a ADI os advogados cearenses Renata Costa Maia, João Alfredo
Telles Melo, Talita Montezuma, Cláudio Silva Filho, Luanna Marley Silva e
Geovana Marques. Entre outros requerimentos, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade pede a concessão de medida cautelar para que seja
declarada a inconstitucionalidade de parte daquelas normas federais e
realização de audiências públicas para que sejam ouvidos especialistas e
autoridades na área.
Para entender
Crescente a cada ano, o uso intensivo de agrotóxicos coloca o Brasil
como campeão mundial de consumo desses produtos. Desde 2008 o país ocupa
esta posição e impressiona pelas cifras – em ascensão – que a indústria
movimenta. Em 2010, as empresas produtoras dos venenos agrícolas
tiveram, segundo o Anuário do Agronegócio, uma receita líquida de cerca
de 15 bilhões de reais. Deste total, 92% foram controlados por sete
companhias de capital estrangeiro.
A venda de agrotóxicos no Brasil cresceu 194,1% de 2000 a 2012. Só em
2012 foram comercializadas 823.226 toneladas de produtos químicos para
as lavouras brasileiras, o que corresponde a uma média de 5,2 kg de
agrotóxicos por habitante. Considerando o cenário regional, o Brasil
consome sozinho 84% das substâncias vendidas na América Latina. De
acordo com a Anvisa, 63% dos alimentos analisados no Brasil estão
contaminados por agrotóxicos.
A exposição aos agrotóxicos através do trabalho, do meio ambiente e
do consumo humano é um fator de adoecimento da população, com casos
comprovados de mortes causadas pela intoxicação através do contato com
essas substâncias. Em 2014, a Justiça do Trabalho abriu importante
precedente ao condenar a multinacional Del Monte pela morte de Vanderlei
Matos da Silva, que trabalhava como auxiliar no preparo da solução de
agrotóxicos utilizado na lavoura de fruticultura da empresa, na Chapada
do Apodi (Ceará). A decisão, embasada em longa investigação do
Ministério Público e em pesquisas do Núcleo Tramas, reconheceu a relação
entre o trabalho com agrotóxicos e a morte do empregado.
Outro importante símbolo de luta contra a utilização de agrotóxicos
foi o líder comunitário José Maria Filho, assassinado em 21 de abril de
2010 com mais de 20 tiros, em Limoeiro do Norte (Ceará). Zé Maria do
Tomé, como era conhecido, foi morto a mando de importante empresário do
agronegócio cearense por denunciar as ilegalidades e violações de
direitos cometidas pelas empresas instaladas na região da Chapada do
Apodi, como a grilagem de terras, poluição das águas e principalmente a
pulverização aérea de agrotóxicos.
Seja através da exposição de trabalhadores na produção agrícola, de
moradores no entorno dos empreendimentos rurais e urbanos atingidos pela
contaminação do ar, do solo e da água ou do consumo humano, os
principais efeitos dos agrotóxicos estão relacionados a problemas nos
sistemas nervoso, respiratório, reprodutivo, imunológico, além de
desregulação endócrina e disfunção no fígado. Por isso, em diversos
países os agrotóxicos estão sendo recebendo sobretaxa, e não estímulo
fiscal. “Percebe-se, portanto, que não deve prosperar o argumento de que
o uso de agrotóxicos é essencial, insubstituível ou necessário para a
produção agrícola”, defende a ADI do PSOL.
Pulverização aérea
Na contramão desses esforços, o presidente interino Michel Temer
sancionou a Lei nº 13.301/2016, no dia 27 de junho, que entre outras
medidas para controle do mosquito Aedes Aegypti libera a pulverização
aérea de venenos. No texto consta a “permissão da incorporação de
mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves
mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação
científica da eficácia da medida”.
A proposta partiu do Sindicato de Aviação Agrícola (Sindag) no mesmo
ano em que a venda de agrotóxicos recuou 20%. A lei foi sancionada por
Temer mesmo com o posicionamento contrário da Campanha Permanente Contra
os Agrotóxicos e Pela Vida, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco), do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea), do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Consems), do
Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) e do próprio Ministério da Saúde.
A pulverização aérea para controle de vetores além de perigosa é
ineficaz. Anos e anos de aplicação de fumacê serviram apenas para
selecionar os mosquitos mais fortes, forçando o aumento nas doses de
veneno e a utilização de novos agrotóxicos. Os efeitos na saúde da
população exposta à pulverização aérea nas lavouras estão bem relatados
no Dossiê Abrasco.
A pulverização aérea de agrotóxicos é consideravelmente responsável
por sua dispersão no ambiente. O método de aplicação já foi proibido
pelo Parlamento Europeu em 2009, salvo casos excepcionais. Segundo
pesquisadores, ainda que em condições ideais como calibração,
temperatura e ventos, o método de pulverização implica em reter 32% dos
agrotóxicos emitidos nas plantas, enquanto que 49% vão para o solo e 19%
são dispersados para áreas fora da região de aplicação. No Ceará,
Projeto de Lei no 018/2015, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), pretende proibir a pulverização aérea de agrotóxicos.