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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Sobraram R$ 480 bilhões no Caixa do Governo em 2015. Auditoria já!

Segunda, 25 de julho de 2016
Da Auditoria Cidadã da Dívida
Maria Lucia Fattorelli
Rodrigo Ávila
Gisella Collares
Historicamente, a Auditoria Cidadã da Dívida tem divulgado, de forma didática, o gráfico do orçamento executado em cada ano, mostrando o percentual dos gastos destinados às respectivas áreas, conforme dados oficiais registrados no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal).

O gráfico que elaboramos soma os valores informados no SIAFI a título de juros e amortizações, tendo em vista que desde a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010, restou comprovado que o governo vem contabilizando grande parte dos juros como se fosse “amortização”, “refinanciamento”, ou “rolagem”. O mais grave é que o governo não divulga qual parte dos juros está sendo contabilizada como “amortização”, “refinanciamento”, ou “rolagem”, o que impede a transparência do verdadeiro custo do endividamento público brasileiro. Assim, não há outra alternativa senão somar os valores das duas rubricas, pois grande parte dos juros está informada na rubrica “amortizações”.

Analisando-se os dados referentes ao ano de 2015, nos deparamos com uma relevante diferença entre os valores referentes às despesas federais pagas, indicados no SIAFI (R$ 2,268 trilhões), e as receitas federais realizadas, indicadas na página da Transparência Brasil (R$ 2,748 trilhões) divulgada pela Controladoria Geral da União (CGU).

Por essa razão, além de divulgar o tradicional gráfico de pizza, divulgamos também o comparativo entre as receitas realizadas e as despesas pagas em 2015, tendo em vista a constatação de uma sobra de recursos da ordem de R$480 bilhões – quase meio trilhão de reais – em ano marcado pelo cenário de escassez, conforme déficit “primário” anunciado de R$111,2 bilhões.


Após pedido de esclarecimentos aos órgãos oficiais para obter informações sobre essa relevante divergência, a Secretaria do Tesouro Nacional limitou-se a afirmar, após prorrogação do prazo previsto na Lei de Acesso a Informação, que nossa pergunta era genérica… O Tribunal de Contas da União admitiu que houve emissão excessiva de títulos da dívida pública federal interna (DPMFi).

De fato, apesar do cenário de enorme escassez em 2015, a dívida interna federal em títulos cresceu de forma acelerada, saltando de R$ 3,2 trilhões em 31/01/2015 para R$3,9 trilhões em 31/12/2015. Ou seja, em apenas 11 meses a dívida interna cresceu R$732 bilhões!

Não há a devida transparência em relação à aplicação dessa montanha de recursos, porém considerando o montante da dívida e as elevadas taxas de juros, a maior parte dessa quantia se destinou ao pagamento de juros, o que é inconstitucional, tendo em vista o disposto no art. 167, III, que impede a emissão de títulos para o pagamento de despesas correntes, entre as quais se destacam os juros. Explicações sobre a contabilização de grande parte dos juros como se fosse amortização podem ser acessadas em Relatório Específico (disponível no link http://goo.gl/OqsQ5R ) ou em vídeo curto (disponível no link https://goo.gl/ov7FNX ). Adicionalmente, esclarecimentos sobre argumentos equivocados sobre o gráfico elaborado com os dados do SIAFI são desmontados no texto disponível no link: http://goo.gl/GTQzAX ).

Vamos aos gráficos:

Em 2015, o governo federal destinou R$ 962 bilhões ao pagamento de juros e amortizações da dívida, correspondente a 42,43% do orçamento executado, conforme mostra o gráfico:

Orçamento Geral da União (Executado em 2015) – Total = R$ 2,268 trilhões

[Clique na imagem para ampliá-la]
 

Fonte: http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=684712 . Inclui o “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida, pois o governo inclui neste item grande parte dos juros pagos.


Nota 1: Os Juros e Amortizações da Dívida representam os GNDs 2 e 6, dentro da Função “Encargos Especiais”, e foram obtidos na página: http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=684730

Nota 2: As “Transferências para Estados e Municípios” representam o total do Programa “0903 – Operações Especiais: Transferências Constitucionais e as Decorrentes de Legislação Especifica”, também dentro da Função “Encargos Especiais”. Fonte: http://www8d.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=684780

Nota 3: O restante da função “Encargos Especiais” foi representada no gráfico como sendo “Outros Encargos Especiais”, e incluem, principalmente, o pagamento de Sentenças Judiciais, Empréstimos ao BNDES, ressarcimento ao INSS (das desonerações tributárias), subsídios ao sistema elétrico, dentre outros.

Esse mesmo gráfico está representado a seguir, em forma de coluna, à direita da coluna das receitas federais realizadas em 2015, conforme dados divulgados pela CGU.


[Clique na imagem para ampliá-la]


Esse comparativo de dados oficiais evidencia que em 2015 tivemos uma sobra de recursos da ordem de R$ 480 bilhões, cuja aplicação é desconhecida.

Em 2015 não faltaram recursos para a remuneração da sobra de caixa dos bancos, para os escandalosos swaps cambiais ou para os juros abusivos que somaram centenas de bilhões de reais. Tudo isso garantiu aos bancos lucros crescentes, superiores aos obtidos em qualquer parte do mundo, enquanto toda a economia real encolheu, inclusive o PIB brasileiro retraiu quase 4%.

O anunciado déficit de R$ 111,2 bilhões é obtido de forma artificial, comparando-se apenas parte das receitas e despesas, e tem sido usado para justificar contrarreformas que destroem direitos sociais, levando áreas essenciais como saúde, educação, assistência social e previdência ao caos, aprofundando a desigualdade social e aumentando a violência.

Recurso é algo que não falta em nosso país. O cenário de escassez vem sendo produzido pelo histórico pagamento de juros e mecanismos financeiros abusivos, atrelados a uma dívida ilegal e ilegítima, cenário esse que tem servido para justificar a contínua entrega do nosso patrimônio por meio das privatizações e a pilhagem de matérias primas agrícolas e minerais.

É urgente prosseguir com a reivindicação de completa auditoria da dívida pública – interna e externa – desde a sua origem. Auditoria já!