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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A Classe Trabalhadora e a Resistência ao Golpe de 2016

Quinta, 25 de agosto de 2016
Artigo de Julio Turra no Livro: A Classe Trabalhadora e a Resistência ao Golpe de 2016
capa livro a classe trabalhadora e a resistência ao golpe de 2016 II

A CUT, eixo da luta de resistência contra o golpe

Por Julio Turra

“Os últimos 10 meses concentram não só um balanço positivo dessa gestão, mas um balanço histórico do lugar da CUT, independente dos patrões e governos – inclusive dos que ajudou a eleger – e autônoma diante dos partidos – inclusive daquele que é o da maioria dos seus militantes – comprometida com a defesa da   classe trabalhadora. Foi o que permitiu à CUT ser o eixo da resistência contra a ofensiva da direita, agrupando os movimentos populares nas ruas, numa situação de paralisia e crise do PT e da aplicação pelo governo de uma política contrária à sua própria base social. É essa postura que devemos prolongar no próximo período difícil e complexo que temos diante de nós”.

A citação que introduz este artigo é de minha intervenção sobre o balanço da gestão da Direção Nacional da CUT que encerrava seu mandato no 12º Congresso nacional da CUT (CONCUT – 13 a 16 de outubro de 2015).

Ela fazia referência (“últimos 10 meses”) ao processo de mobilização iniciado em 13 de março de 2015 pela CUT, em conjunto com o MST, a UNE e centenas de organizações do movimento popular, quando – resistindo inclusive a pressões que vinham do Planalto e da direção do PT no sentido de “não fazer nada, para não provocar a direita” – decidimos convocar uma primeira mobilização de massas nacional para disputar as ruas com os golpistas e “coxinhas” que preparavam então atos pelo “Fora Dilma, Fora PT”.

A rigor esse processo de mobilização – que no seu início combinava a defesa do mandato popular dado a Dilma com a exigência de mudança da política econômica de seu ministro Levy – continua até hoje, às vésperas da votação do Senado sobre o “impeachment” (prevista para o final de agosto), desdobrando-se num processo de consulta às bases da central sobre a deflagração de uma greve geral, como instrumento eficaz para barrar os ataques aos direitos sociais, trabalhistas e à soberania nacional já iniciados pelo governo golpista.

As raízes desse processo de mobilização liderado pela CUT podem ser buscadas nas “jornadas de junho” de 2013, quando a CUT, com outras centrais, chamou o dia nacional de luta de 11 de julho, levantando uma plataforma de reivindicações dos trabalhadores. Buscava-se, então, fazer presente um caráter de classe num cenário marcado por múltiplas demandas e inclusive manipulações sobre os atos de massa protagonizados pela juventude.

Tendo apoiado a proposta de Constituinte para a reforma política, feita por Dilma em agosto –  em resposta às jornadas de junho que trouxeram para o primeiro plano o “vocês não nos representam” – e depois retirada, a CUT engajou-se, ao longo de 2014, no Plebiscito Popular Constituinte, que em setembro alcançou quase 8 milhões de votos e incidiu na campanha eleitoral presidencial. Nessas eleições, em que Dilma derrotou Aécio num 2º turno renhido e polarizado, o engajamento da militância da CUT e dos movimentos populares foi decisivo para a reeleição da candidata do PT.

Já em 2015, diante do impacto negativo das primeiras medidas do governo Dilma, com a política econômica do banqueiro Levy na contramão do mandato popular dado por 54 milhões de brasileiros, a CUT jogou papel central em sucessivas mobilizações que, a partir de 13 de março, disputaram as ruas com a direita e a oposição golpista.  A tal ponto que, em 16 de dezembro, a mobilização contra o golpe, combinada com o “Fora Levy”, ganhou a disputa das ruas, pois foi maior do que a da direita no mesmo período, dando oxigênio para a sobrevivência do governo Dilma. O anúncio, no final do ano, da saída de Levy do Ministério, foi recebido como um sinal de guinada na política do governo no sentido de atender as demandas populares e dos trabalhadores que a CUT encampava.

Infelizmente, o substituto de Levy, Nelson Barbosa, no início de 2016 foi anuncia uma reforma regressiva da Previdência. E isso num momento em que a combinação de ações judiciais – como a Lava Jato, focada na destruição do PT, mas que respinga no conjunto do sistema político apodrecido – com as manobras de Cunha na Câmara dos Deputados, a ação cotidiana de intoxicação da grande imprensa e da Rede Globo e o apoio maciço do empresariado local e ligado às multinacionais, fazia avançar o golpe do “impeachment”, sem crime de responsabilidade de Dilma.

Impactos no PT e na construção da Frente Brasil Popular

O protagonismo da CUT na luta pelo respeito ao mandato popular recebido por Dilma – na forma, os 54 milhões de votos, mas também no conteúdo, que era o de impulsionar as reformas populares e barrar o retrocesso simbolizado por Aécio – teve impactos políticos, como não poderia deixar de ser, tratando-se da maior central sindical do país.

Assim, no 5º Congresso do PT (junho de 2015), um Manifesto endossado por mais de 400 dirigentes sindicais, a esmagadora maioria cutistas, incidiu centralmente nas discussões. O título do manifesto dos sindicalistas petistas concentrava toda uma orientação: “O PT de volta para a classe trabalhadora”.  Ele afirmava:

“Consideramos que a política de ajuste fiscal regressivo e recessivo inaugurada com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda coloca o PT contra a classe trabalhadora e as camadas populares que sempre foram sua principal base de apoio. Trata-se de uma política econômica que diminui o papel do Estado, corta investimentos e eleva juros, acabando por restringir direitos sociais, rebaixar salários e aumentar o desemprego, com impactos negativos no PIB. 

Sabemos o que ocorreu na história recente com partidos de esquerda que aplicaram políticas de ajuste fiscal inspiradas pelo FMI, como se viu em alguns países da Europa: entraram em crise, foram derrotados em eleições, perderam sua base social. Não queremos que o mesmo aconteça com o PT! “

Para concluir dizendo que: “Só sairemos dessa crise se retomarmos a nossa tradição de partido da classe trabalhadora, e organização da militância para a luta social e política”.

Além do diagnóstico correto, baseado na experiência prática dos cutistas na luta de classes, sobre o enfraquecimento da base popular de sustentação do governo Dilma que provovava a política de “ajuste fiscal” – o que hoje é quase unânime no PT, mas que foi recusado por estreita margem no seu 5º Congresso – a ação contínua da CUT, que já atraía a militância de base petista, acabou por trazer a direção do partido para as ruas e para as articulações que começavam a tomar corpo para enfrentar a ofensiva golpista da direita.

A principal delas foi a constituição da Frente Brasil Popular, em 5 de setembro de 2015, da qual a CUT, juntamente com o MST, a CMP, UNE, CTB, outros movimentos populares, partidos políticos, intelectuais e personalidades, integrou desde o primeiro momento. Mais adiante, já em 2016, a CUT participa também da formação da Frente Povo sem Medo, com setores como o MTST, Intersindical e outros movimentos (alguns deles ligados ao P-SOL), buscando a unidade na ação das duas frentes no combate ao golpe e em defesa dos direitos e reivindicações dos trabalhadores e dos setores oprimidos de nosso povo, que formam a esmagadora maioria da nação brasileira.

A situação atual e os desafios

O protagonismo da CUT na luta contra o golpe continuou neste ano de 2016, passando pelos grandes atos de massa contra o golpe e em defesa dos direitos de 18 de março, pela mobilização em Brasília em 17 de abril, no momento da votação da admissibilidade do Impeachment pela Câmara dos Deputados e, depois, em 11 de maio quando da mesma votação no Senado, a qual afastou temporariamente Dilma da presidência com o vice golpista, Michel Temer (PMDB) vindo a assumir a presidência interina da República.

Duas jornadas nacionais de luta, em 10 de maio e 10 de junho, ajudaram a amadurecer a reflexão entre os sindicalistas da CUT da necessidade de preparar a greve geral para enfrentar o ataque de conjunto aos direitos dos trabalhadores que é o conteúdo do golpe jurídico-parlamentar em curso. A palavra de ordem “Fora Temer, nenhum direito a menos”, proposta pela CUT, passa a ser a base da ampla frente única necessária para derrotar o golpe.

No momento em que escrevemos este artigo, a Executiva nacional da CUT encaminha junto às CUTs estaduais, ramos e sindicatos filiados a discussão e consulta sobre a deflagração da greve geral, o que é o principal desafio para a central neste momento. Sim, pois somente a presença organizada da classe trabalhadora, com seus próprios métodos de luta, em defesa de seus direitos ameaçados pelo golpe, pode modificar profundamente a relação de forças e isolar e derrotar o golpismo e os interesses que estão por trás dele.

Ao mesmo tempo que abre a discussão da greve geral com suas bases, a CUT propõe a unidade de ação com outras centrais na preparação da mesma, sobre a base dos pontos concretos que configuram um ataque maior à classe trabalhadora:  impedir a reforma da Previdência (65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres),  combater e derrotar a tese do “negociado valer mais que a lei” (que rasga a CLT), derrotar o PLS 30 de “terceirização ilimitada”, defender o regime de partilha no Pré-sal contra entrega-lo às multinacionais, exigir a volta dos recursos vinculados para a Saúde e Educação. Unidade de ação que pressupõe que a CUT preserve sua total independência, seja para explicar a origem desses ataques (que é o governo golpista de Temer), seja para expressar suas próprias palavras de ordem (como o “Fora Temer!”) e posições políticas (como a necessidade de um Plebiscito Constituinte para fazer uma profunda reforma do sistema político).

Seja qual for o desenlace do impeachment, as lições desse período de intensas mobilizações devem iluminar os desafios e próximos passos que a CUT vai enfrentar.

Uma dessas lições, talvez a mais importante, é que a CUT pôde jogar o papel que jogou por ser uma central sindical, isto é, uma organização da classe trabalhadora em seu conjunto, que foi chamada a assumir a liderança de uma mobilização que envolveu inúmeros outros setores sociais (juventude, camponeses, intelectuais, artistas). Em termos teóricos, trata-se do papel de vanguarda que a classe trabalhadora organizada deve ter na luta contra o imperialismo – o capitalismo de nossa época – num país como o nosso Brasil. A luta continua!