Sábado, 6 de agosto de 2016
Do Esquerda.Net
Na véspera da abertura da
Olimpíada, Comité Popular divulga mapa dos despejos da população (77 mil
pessoas), dos crimes ambientais e da militarização da cidade que marcam
o projeto olímpico do Rio de Janeiro. Por Luis Leiria.
Em
todo o mundo, a Olimpíada do Rio de Janeiro, que abre esta sexta-feira
no estádio do Maracanã, será como habitualmente acompanhada como uma
festa do desporto e da fraternidade entre os povos. Mas na sua própria
cidade-sede, o ideal olímpico está a ser ofuscado por uma onda de
contestação à organização, que levou o Comitê Popular da Copa e das
Olimpíadas no Rio de Janeiro a apelidar o evento deste ano de “Jogos da
Exclusão”.
Mapa da exclusão
Às vésperas da cerimônia de abertura, o Comité Popular divulgou um mapa da exclusão,
detalhando as comunidades que foram removidas à força devido às obras,
as favelas ocupadas militarmente, os crimes ambientais cometidos e as
irregularidades de todo o tipo cometidas nas obras. O mapa vem juntar-se
a um dossier,
divulgado no final do ano passado, que mostrava como o Projeto Olímpico
do Rio de Janeiro é marcado pela exclusão e pelas desigualdades
sociais.
O Comitê Popular mostra que desde o ano 2009, quando
a cidade venceu a disputa para sediar os Jogos, mais de 77 mil pessoas
perderam as suas casas no Rio de Janeiro. O prefeito Eduardo Paes
removeu milhares de famílias para a construção das vias expressas ou
alegando riscos de desabamento, sem nunca discutir com os afetados
alternativas aos despejos, como seriam alterações de trajetos e obras de
contenção.
Mas há casos que nem esse pretexto tiveram. O mais
famoso é o da favela Metrô Mangueira, que foi removida por estar a menos
de 1km do Maracanã. Oficialmente, nunca foi dada uma justificativa para
a sua demolição. O mesmo aconteceu com a Vila Autódromo, que fica ao
lado do Parque Olímpico e foi reduzida de cerca de 600 casas a 20,
também por estar ao lado de uma área de intensa valorização imobiliária.
Somando todos os casos, ocorreu, com o pretexto da
Olimpíada, o maior processo de remoções da história do Rio de Janeiro,
afirma o Comitê. Com a desculpa do megaevento, à semelhança do que já
ocorrera em todo o país com o Mundial de Futebol do Brasil, expulsou-se
as camadas mais pobres da população de áreas de interesse empresarial.
Promessas abandonadas
“Muitas pessoas tiveram de mudar-se quase para fora
da cidade, a 70 quilômetros do centro, e a gente vê que muitas dessas
remoções não eram necessárias, atendiam apenas aos interesses privados,
não o público”, denuncia Renato Cosentino, do Comitê Popular da Copa e
da Olimpíada do Rio de Janeiro, ouvido pela Agência Brasil.
Cosentino denuncia que as promessas de melhoria para
a cidade, como o programa Morar Carioca, que urbanizaria todas as
favelas até 2020, a construção da linha 3 do metro, que iria para
Niterói e São Gonçalo, foram abandonadas e trocadas por prioridades
olímpicas. A anunciada despoluição da Baía de Guanabara, a promessa era
de que 80% do esgoto que nela é despejado estaria a ser tratado até
2016, mas não se chegou nem a 50% do total.
“A construção do consenso olímpico ajudou a
legitimar uma série de obras que não eram prioridades. Construir um
Museu do Amanhã não é prioridade numa cidade onde as pessoas não tem
água nem saneamento básico nas suas casas. A Olimpíada permitiu que
muitas dessas obras fossem inclusive desengavetadas nesse processo. É
uma pena, porque a cidade perdeu muito, inclusive, a oportunidade de se
reinventar. Vivemos em uma cidade inclusive mais desigual do que a
anterior aos grandes eventos”.
Apagar a tocha
Por tudo isto, não há entusiasmo da população com os
Jogos. “Não tem clima de euforia com esse evento na cidade, pelo
contrário, as pessoas estão querendo apagar a tocha, parece que o povo
entendeu o que está acontecendo, com esse movimento espontâneo da
população 'desorganizada' de querer apagar a tocha, isso não foi puxado
por nenhum movimento social”, observa Cosentino.
O mapa dos Jogos da Exclusão mostra também como as
grandes intervenções urbanas, como o Porto Maravilha, que visa a
revitalização urbana da Região Portuária do Rio de Janeiro, é a maior
parceria público-privada do país, onde o “público” entrou com o dinheiro
e o “privado” vai ficar com o lucro. O financiamento veio do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço, um fundo para valer ao trabalhador
desempregado – e que é dinheiro dos trabalhadores – e o projeto já está
sob investigação por corrupção nos contratos.
Quanto às novas instalações desportivas, uma parte
será desmontada quando os Jogos terminarem e outra será privatizada, num
processo de venda a baixo preço de obras que custaram fortunas aos
cofres públicos.
Para finalizar, as novas acessibilidades, que
deveriam melhorar muito a vida dos cariocas, estão atrasadas e levantam
dúvidas. Uma das novas linhas do metro previstas foi abandonada e a
outra continua atrasada, e viu o seu traçado original reduzido. Mesmo
assim, o seu custo é 21 vezes mais que o inicialmente previsto em
contrato.
Os corredores de BRT (vias expressas para ônibus) já enfrentam relatos de atraso, dificuldade de embarque,
desconforto e superlotação nos primeiros dias de operação. Uma das vias,
a Trans-olímpica, foi interditada menos de uma semana após inauguração,
porque um viaduto ameaçava cair.
Já o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) tem cobertura
pequena. Mas os grandes transportes de massa, como os comboios que
servem os subúrbios, continuam sem investimento e sucateados.
Fora Temer
Poucas horas antes da cerimônia de abertura, uma
manifestação com cerca de 15 mil pessoas, organizada pelas Frentes Povo
Sem Medo e Brasil Popular, a central CSP-Conlutas, e partidos como PT,
PCdoB, PSOL, PSTU, MAIS e PCB pediu a saída do presidente interino
Michel Temer e denunciou as contradições da Olimpíada. A tocha olímpica,
mais uma vez, teve de mudar um percurso que já deve ser o mais
atribulado da história dos Jogos Olímpicos.