Quarta, 3 de agosto de 2016
Do Correio da Cidadania
por Gabriel Brito, da Redação
Entrevista com Milton Temer
Com os olhos do país voltados às Olimpíadas, o Congresso brasileiro
voltou do recesso com novo presidente na Câmara, Rodrigo Maia (DEM),
apoiado inclusive por setores outrora governistas, em mais um cambalache
da política oficial. Para comentar o tema, além de outras questões de
momento, conversamos com Milton Temer, ex-deputado federal pelo PT e
atualmente da direção do PSOL.
“A eleição de Maia representa bem o nível da baixa política que hoje é
hegemônica no Congresso. Parlamentar medíocre, desde sempre colado nas
piores iniciativas de Eduardo Cunha – seu papel na recente
contrarreforma da lei eleitoral é prova. A não ser pela vagabundagem
inerente ao Poder durante campanhas eleitorais, a perspectiva é de
ajustes conservadores, manutenção de privilégios do grande capital e
desconstrução de conquistas sociais obtidas a muito custo pelo mundo do
trabalho”, enumerou.
Além das críticas ao jogo de poder do parlamento, Milton Temer
reitera suas críticas ao “neoPT” e sua postura no pleito da Câmara, ao
passo que afirma torcer pela cassação completa da chapa Dilma-Michel
Temer pelo STF, a fim de abrir caminho às eleições gerais, opção que
encontra bastante eco na população. Porém, não considera ruim um
eventual retorno de Dilma.
“Não sei nem se o seu próprio partido de apoio, o neoPT, tem
interesse nisso. Às forças da esquerda autêntica sua volta interessa,
até para que não se tente, por conta da vitimização, o retorno de Lula a
uma suposta ‘liderança’ das esquerdas às quais ele já disse nunca ter
pertencido”, analisou.
Correio da Cidadania: O que achou da eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados?
Milton Temer: Representa bem o nível da baixa
política que hoje é hegemônica no Congresso. Parlamentar medíocre, desde
sempre colado nas piores iniciativas de Eduardo Cunha – seu papel na
recente contrarreforma da lei eleitoral é prova. No caso, construiu um
relatório voltado para a conjuntura que apresenta candidatos do PSOL
pontificando em pesquisas para as principais prefeituras do país, a fim
de tentar neutralizá-los com o estabelecimento de pisos absurdos como
condição de garantia de participação em debates, para o que, aliás,
contou com o apoio da bancada petista. Bancada essa que, juntamente com a
do PC do B, não hesitou em garantir sua eleição para a presidência do
verdadeiro covil em que está sendo transformada a Câmara dos Deputados.
Correio da Cidadania: Que papel acredita que a Câmara desempenhará na gestão interina de Michel Temer?
Milton Temer: Pela composição atual da base de
sustentação, e levando-se em conta o papel subalterno que nela aceitou
desempenhar a bancada do PSDB, vai ser bastante negativo, do ponto de
vista dos interesses sociais. A não ser pela vagabundagem inerente ao
Poder durante campanhas eleitorais, a perspectiva é de ajustes
conservadores, manutenção de privilégios do grande capital e
desconstrução de conquistas sociais obtidas a muito custo pelo mundo do
trabalho.
Poderia haver a alternativa da contrapressão a partir dos movimentos
sindicais. Mas tendo em vista o papel desmobilizador da CUT, nos longos
anos do lulopragmatismo, e da adesão da “Farsa” Sindical aos eixos da
pauta patronal, vejo pouca capacidade de resistência externa, ao menos
no curto prazo.
Correio da Cidadania: Como avalia a orientação do PT na
votação à presidência da Câmara? O que representa do partido a essa
altura, em especial se a colocamos ao lado de toda a retórica do “golpe”
alimentada desde que Dilma foi afastada da presidência?
Milton Temer: Orientação negativa, condizente com a
degradação ideológica do partido a partir da chegada de Lula ao Planalto
e do transformismo que impôs ao saudoso PT das décadas anteriores. No
quadro atual, o partido representa um peso para as correntes de esquerda
combativa, a esquerda que não se rendeu nem se vendeu aos postos
comissionados no aparelho do Estado, em troco de uma vergonhosa
cooptação.
Correio da Cidadania: Acredita que Dilma volte? Ademais, acredita que seu partido está realmente empenhado nesse objetivo?
Milton Temer: Não sei nem se o seu próprio partido
de apoio, o neoPT, tem interesse nisso. Às forças da esquerda autêntica
sua volta interessa, até para que não se tente, por conta da
vitimização, o retorno de Lula a uma suposta “liderança” das esquerdas
às quais ele já disse nunca ter pertencido.
Correio da Cidadania: Como você avalia os dois meses do
governo interino de Michel Temer e a tentativa de emplacar medidas
políticas e econômicas como respostas à crise generalizada do país?
Milton Temer: Está por enquanto no nível da
retórica, aguardando a sua confirmação em efetivo, para ir de boticão em
cima do povo trabalhador. Como brasileiro, de profissão esperança, fico
com uma ponta de expectativa sobre a condenação da chapa no STF, a
despeito dos esforços em contrário em que se empenha o ministro Gilmar
Mendes. E que isso ocorra ainda neste ano para que tenhamos novas
eleições presidenciais.
Correio da Cidadania: O que comenta da esquerda brasileira
neste intrincado momento histórico? Que caminhos e alternativas deveria
buscar para se credenciar com algum projeto perante a sociedade?
Milton Temer: Momento difícil. Diferentemente da
conjuntura inteiramente favorável ao nascimento e crescimento do PT, não
vivemos clima semelhante ao do fim da ditadura, com campanhas massivas
de rua – Anistia e Diretas Já -, para além de uma conjuntura
internacional que apontava um socialismo real se submetendo a reformas
progressistas. Mas mantenho a chama acesa, pois ralar no áspero sempre
foi nossa sina. A partir dessas eleições municipais, creio que poderemos
gerar um novo ambiente, propício à mobilização dos segmentos hoje
tomados pelo ceticismo.
Correio da Cidadania: Mudando de assunto, estamos às portas
das Olimpíadas. Como você, morador do Rio de Janeiro, sentiu toda a
preparação do país e da cidade? O que espera para os dias em que se
desenrolará o megaevento e que balanço acredita que ficará depois de seu
encerramento?
Milton Temer: Os fatos do dia a dia estão
confirmando a absoluta improcedência de o governo Lula, em parceria com o
PMDB bandido, ávido por “megaobras” e suas consequentes benesses
ilegais amplamente compensatórias, ter se empenhado nessa gastança,
quando questões estruturais que deveriam ser atacadas ficaram para as
calendas. Legado quem terá são os empreiteiros da Vila Olímpica, com o
lucro pantagruélico a ser obtido na especulação imobiliária que
promoverão após os Jogos.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.