Sexta, 5 de agosto de 2016
Camila Boehm – da Agência Brasil
O Brasil é o país com maior número de mortes por balas perdidas
entre os países da América Latina e Caribe durante os anos de 2014 e
2015, segundo relatório do
Centro Regional das Nações Unidas para a Paz, Desarmamento e
Desenvolvimento na América Latina e Caribe (Unlirec, sigla em inglês),
órgão da Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados foram
contabilizados a partir de casos divulgados pelos meios de comunicação
em 27 países.
O ranking
internacional mostrou que, das 741 ocorrências envolvendo balas
perdidas na América Latina e Caribe, 197 foram no Brasil, resultando em
98 mortos e 115 feridos. No segundo lugar, está o México com 116 casos
(55 mortos e 77 feridos), seguido da Colômbia com 101 ocorrências (40
mortos e 74 feridos). No total, na América Latina e Caribe foram
registrados 455 feridos e 371 mortos por bala perdida.
Explicações
De
acordo com a entidade, essa situação é consequência da proliferação de
armas pequenas e de munições, combinadas com uma série de variáveis
institucionais, sociais e econômicas, que tem dado lugar a níveis
inaceitáveis de violência armada na região.
“Esse estudo dá
alguns diagnósticos importantes, porque, em muitos casos, o discurso das
autoridades, principalmente aqui no Brasil, é de como se a bala perdida
fosse uma coisa que não tem o que se fazer para evitar”, diz Bruno
Langeani, coordenador da área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública
do Instituto Sou da Paz. Segundo ele, a pesquisa mostra que, conhecendo
um pouco mais sobre como esses fenômenos acontecem e quem eles vitimam,
é possível propor soluções.
O especialista diz que é importante
comparar os países e apresentar o contexto em que as balas perdidas
acontecem. “[Aqui] você tem uma importância grande das operações da
polícia em favela, que é algo que está bastante em voga com a questão
das Olimpíadas no Rio de Janeiro. A própria escolha de qual arma de fogo
você compra para as polícias interfere na quantidade de casos de balas
perdidas”, disse, ao explicar que armas de alto calibre tem maior
potencial de atravessar obstáculos e atingir pessoas que não estão
envolvidas na operação policial.
Motivação
Há
um grande número de casos classificados como motivação não identificada
(31%) sobre o tipo de violência relacionado aos casos de balas perdidas
na América Latina e Caribe, pois, no momento da notícia e do registro,
não se tem, muitas vezes, elementos ou pistas que ajudem na
identificação.
Logo em seguida no ranking, aparece a
violência de gangues com 15% dos casos, seguida por criminalidade
organizada, com 14%, e crimes comuns ou roubos armados, com 12%. A
violência social ou interpessoal foi a causa de 10% dos casos e, em 9%,
foi identificada a prática de disparar para o alto em comemorações ou
advertências, segundo a pesquisa.
Brasil
No
Brasil, 30% dos casos tem motivação não identificada. No restante, as
três maiores causas são: crime organizado, com 24%, e violência de
gangues e roubos, que ficaram empatados com 16% cada. Os casos de
intervenção legal, ou seja, por parte do estado, ficaram em terceiro
lugar, com 7%. No entanto, esse número corresponde às ocorrências de
intervenção legal isoladas, ou seja, sem nenhum vínculo com algum crime,
devido à falta de especificação nas notícias divulgadas.
As
ocorrências que envolvem intervenção legal contra alguma atividade
ilícita, como o roubo ou o crime organizado, é de 19% do total dos casos
de balas perdidas. Na média geral dos países, as intervenções legais
isoladas é 3%, enquanto aquelas combinadas com algum crime, é 11%.
O
relatório do Unlirec informa que quase metade de todos os casos de
incidentes relacionados à chamada intervenção legal combinada na região
ocorreram do Brasil. O total de intervenções relacionadas a algum crime,
em todos os países da América Latina e no Caribe pesquisados, resultou
em 83 vítimas. No Brasil, esse número foi 37, representando 44,5% do
total.
O documento destacou os incidentes de balas perdidas no
processo de pacificação em favelas, geralmente caracterizadas por
confrontos entre a polícia militar e o crime organizado, mantendo uma
tendência observada anteriormente.
Método de pesquisa
Para
Langeani, o fato de os dados serem coletados de notícias veiculadas por
meios de comunicação em cada país pode influenciar o resultado na
comparação com países menores, como El Salvador. Ele destaca que
diversos países, como México, Colômbia e Argentina, tem uma imprensa
forte e ampla e, mesmo assim, apresentaram números menores que os do
Brasil.
“Se não fosse feito através das notícias, não haveria
outra forma de documentar. Mesmo no Brasil, não tem no registro de B.O.
[boletim de ocorrência], uma categoria 'bala perdida'. Então o estudo
foi feito com base nas notícias por falta de um outro meio mais
adequado”, disse.
Segundo Langeani, o fato de o Brasil estar no topo do ranking não
é uma surpresa, pois o país tem 60 mil homicídios por ano, o que é
considerado um número alto. “[Com] essa quantidade de violência armada,
obviamente, você vai ter essa questão dos danos colaterais, que são as
balas perdidas”.
Soluções
Langeani diz
que, entre as soluções, a mais geral tem a ver com o trabalho específico
das polícias para retirar armas ilegais de circulação. Para ele, esse
ponto seria uma das soluções para todos os países e influenciaria
diretamente no problema.
Em relação aos casos em decorrência de
intervenção policial, o coordenador do Instituto Sou da Paz diz ser
necessário discutir os protocolos de atuação da polícia e a escolha do
armamento das corporações. “Todas essas escolhas interferem na questão
da bala perdida. Se você escolhe uma arma que é inadequada para o
policiamento, ela pode gerar mais danos para civis”, disse.
De
acordo com Langeani, a troca do armamento mais adequada seria por
carabinas, porque seus disparos atingem uma distância menor e a arma não
dá o chamado tiro de rajada, que, segundo ele, é um tiro que o policial
perde um pouco do controle do alvo no qual está atirando, o que aumenta
a possibilidade de vitimar civis.