Segunda, 26 de setembro de 2016
Imagem da internet
João Batista Franco Drummond / Acervo de Família
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Camila Boehm – Agência Brasil
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF) denunciou à
Justiça no último dia 21 os médicos legistas aposentados Harry Shibata,
Abeylard de Queiroz Orsini e José Gonçalves Dias por falsidade
ideológica por causa de fraude em laudo de preso político morto em
decorrência de torturas. Laudo elaborado na época pelo Instituto Médico
Legal (IML) de São Paulo confirmou versão do Destacamento de Operações
de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi),
informando que João Batista Franco Drummond teria morrido atropelado ao
fugir da polícia.
“Atendendo solicitação do (DOI-Codi),
onde o preso político João Batista Franco Drummond havia sido morto sob
tortura, Shibata, então diretor do IML/SP, ordenou que os outros dois
legistas inserissem informações falsas e omitissem do laudo necroscópico
da vítima que ele havia sido torturado e morto por agentes da
repressão”, divulgou a procuradoria.
De acordo com o MPF, caso a
denúncia seja recebida e os réus condenados a pena deve ser agravada por
motivo torpe, pois tinha o objetivo de assegurar a impunidade dos
autores da tortura e homicídio de Drummond.
Ataque
Segundo
o órgão, além disso os três violaram seus deveres de servidores
públicos. O MPF pede ainda que os três legistas percam suas funções
públicas, consequentemente suas aposentadorias, além de eventuais
condecorações que tenham recebido.
Drummond fazia parte do
Partido Comunista do Brasil, então proscrito no Brasil. Na noite de 15
de dezembro de 1976, ele participou de reunião do comitê central do
PcdoB em uma casa na Rua Pio XI, bairro da Lapa, na zona oeste da
capital paulista. A casa vinha sendo monitorada pelo Doi-Codi do II
Exército desde o dia 10, após a delação de um integrante do partido que
havia sido preso dias antes.
O ataque à casa foi feito na manhã
do dia 16, quando estavam no imóvel Ângelo Arroyo e Pedro Pomar.
Drummond e Wladimir Pomar haviam deixado a casa bem antes, entre 20h e
21h30 do dia 15, e levados de carro até o bairro dos Jardins por Elza
Monerat e Joaquim Celso de Lima.
Abertura política
Drummond
e Pomar tomaram direções opostas, mas, como estavam sendo monitorados,
foram presos em pontos diferentes do bairro e levados para o (DOI-Codi),
sendo torturados em salas diferentes. Na madrugada, Drummond acabou
morrendo em razão das torturas, dentro do Doi-Codi.
Devido a
morte da vítima, resultante diretamente da tortura, todas as sessões
foram paralisadas, conforme relatou Wladimir Pomar em depoimento à
Comissão Estadual da Verdade.
O MPF lembrou que, desde outubro de
1975, devido à repercussão do assassinato do jornalista Vladimir
Herzog, seguida, em janeiro de 1976, pela do operário Manoel Fiel Filho,
o comandante do II Exército, general Ednardo D´Ávila, foi demitido e as
mortes no (DOI-Codi) tinham parado, pois um novo caso fatal poderia
prejudicar o processo de abertura política planejado pelo presidente
Geisel.
Laudo
“Decidiu-se, então, simular
que João Batista teria morrido atropelado enquanto tentava fugir do
cerco à casa da Lapa - e não morrido nas dependências do (DOI-Codi),
onde estava sendo torturado. João Batista teve seu corpo levado à Rua
Paim, onde um atropelamento foi encenado para encobrir as verdadeiras
circunstâncias de sua morte. Em seguida, foram divulgadas informações
à imprensa visando confirmar referida versão”, afirmou na denúncia o
procurador da república Andrey Borges de Mendonça.
O delegado
Sergio Paranhos Fleury foi acionado e elaborou a requisição de exame de
corpo delito ao IML para confirmar a versão de atropelamento e
“legalizar” a morte. Shibata, que naquela época comandava o IML,
distribuiu o pedido de exame para Orsini e Dias, que estavam cientes que
o documento deveria confirmar o atropelamento que nunca existiu.
Dias
e Orsini assinaram o laudo, afirmando que Drummond “foi vítima de
atropelamento enquanto fugia ao ser perseguido pela polícia” e que a
morte decorreu de traumatismo crânio encefálico. Outras marcas no corpo
de Drummond foram atribuídas a consequências do atropelamento.
Prescrição
Para
o procurador Mendonça, os legistas agiram conscientes da simulação e da
finalidade de ocultar as verdadeiras circunstâncias da morte de
Drummond. Na denúncia, o
MPF esclareceu que o crime não prescreve, pois se insere num contexto
de graves violações de direitos humanos, crimes contra a humanidade,
ocorridos num ataque sistemático do governo ditatorial contra
opositores, armados ou não.
O MPF argumentou ainda que “os crimes
cometidos pelos agentes da repressão não são passiveis de anistia e não
prescrevem por três motivos: por terem sido cometidos num contexto de
ataque sistemático à população civil brasileira para manter o poder
tomado ilegalmente pelos militares em 1964; porque o Brasil foi
condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes
Lund, cuja sentença aponta que interpretações jurídicas que resultem em
impunidade devem ser ignoradas; e porque o direito penal internacional
prevê que crimes contra a humanidade não estão sujeitos a regras
domésticas de anistia e prescrição”.
Em 2012, a família de
Drummond foi a primeira a obter na Justiça de São Paulo a retificação do
atestado de óbito de uma vítima do regime militar e a versão de
traumatismo craniano deixou de constar do documento. Antes, a Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos já havia reconhecido que
a morte de Drummond havia ocorrido em decorrência das torturas sofridas
no Doi-Codi.
O legista Harry Shibata também atestou a morte de
Vladimir Herzog em 1975 como suicídio. O atestado de óbito foi
retificado em 2013 para constar que o jornalista também foi torturado
até a morte no DOI-Codi.