Sexta, 23 de setembro de 2016
Do MPF
Relatora das Nações Unidas elogia trabalho do MPF/MS e pede punição de responsáveis por ataques a índios no estado
Túmulo do cacique Marco Veron: Violência contra indígenas é a pior nos últimos 25 anos. Foto: Ascom MPF/MS
Relatório das Nações Unidas sobre os
direitos dos povos indígenas no Brasil ressalta que os povos indígenas
estão mais vulneráveis agora do que em qualquer outro tempo desde a
Constituição Federal de 1988. O documento foi divulgado nessa terça, 20
de setembro, durante a 33ª Reunião do Conselho de Direitos Humanos da
ONU, realizada em Genebra, na Suíça.
O trabalho é resultado da missão da relatora especial sobre os
direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, que esteve no
Brasil de 7 a 17 de março deste ano para fazer um diagnóstico da
situação indígena e acompanhar a evolução das recomendações feitas pela
ONU em 2009, por meio de seu antecessor, James Anaya. Durante a missão,
Victoria visitou aldeias, comunidades, instituições e órgãos públicos
que atuam na temática.
Segundo o coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades
Tradicionais, subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, “nós
do MPF não fomos surpreendidos. Os problemas como demarcação, violência
contra indígenas, impacto de grandes projetos sobre terras e a ausência
de processo de consulta prévia, livre e informada de medidas que os
atingem já eram conhecidos pelo ministério público”.
O procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, que atua
na questão indígena em Mato Grosso do Sul, representou o MPF na 33ª
Reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ele aponta que
“infelizmente, a resposta do Brasil ao relatório não enfrentou as causas
estruturais das violações apresentadas. Enquanto não houver uma mudança
na abordagem jurídica e administrativa, os mesmos e, provavelmente,
piores resultados ocorrerão”.
Procurador da
República Marco Antônio Delfino (centro), em evento da ONU, com
indígenas de MS e a relatora especial Victoria Tauli-Corpuz
Muito índio, pouca terra - Mato Grosso do Sul tem a
segunda maior população indígena do país, mais de 70 mil pessoas
divididas em várias etnias. Apesar disso, somente 0,2% da área do estado
é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de
soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, dez e
trinta vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato
Grosso do Sul.
A taxa de assassinatos entre os guarani – cem por cem mil habitantes –
é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é
de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem
mil pessoas.
Em Dourados, há uma reserva com cerca de 3600 hectares, constituída
na década de 1920. Existem ali duas aldeias – Jaguapiru e Bororó – com
cerca de 14 mil indígenas. A densidade demográfica é de 0.3
hectares/pessoa. O procurador Marco Antonio Delfino de Almeida aponta
que "esta condição demográfica é comparável a verdadeiro confinamento
humano. Em espaços tão diminutos é impossível a reprodução da vida
social, econômica e cultural.
Direito à consulta e conflitos - O relatório critica
as violações de direitos das populações indígenas por grandes
empreendimentos, alertando para a importância de se ouvir os povos sobre
projetos que os atinjam, em cumprimento à Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho. Segundo Victoria, o mecanismo “impediu
contestações judiciais dos povos indígenas e permitiu que os projetos
prosseguissem sem o cumprimento do dever do Estado de consultar para
obter o consentimento livre, prévio e informado dos povos afetados”
A relatora especial destacou, ainda, os atentados cometidos contra os
povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Victoria Tauli-Corpuz condenou
os ataques e conclamou o governo brasileiro “a pôr um fim a essas
violações de direitos humanos, bem como investigar e processar seus
mandantes e autores diante da Justiça”.
Barraco queimado após ataque a comunidade indígena em MS
Victoria elogiou o MPF pela condução da investigação sobre o ataque
violento de 14 de junho de 2016 no estado e pela denúncia contra 12
pessoas envolvidas no uso de milícias contra povos indígenas. Avaliou,
ainda, ser urgente a conclusão do processo e a responsabilização dos
envolvidos pelo Poder Judiciário.
Recomendações - Com base
nas observações feitas durante a missão no país, a relatora especial
sugere uma série de recomendações ao governo brasileiro, como a adoção
de medidas urgentes para enfrentar a violência e discriminação contra os
povos indígenas; o fortalecimento de instituições públicas como a
Funai; a capacitação de autoridades públicas, inclusive altas
autoridades do poder Executivo e juízes de primeiro grau, considerando
sua inapropriada aplicação de doutrinas que negam direitos.
ONU critica violações de direitos de indígenas. Foto de área ocupada em Caarapó (MS)
A ONU também recomenda ao Estado brasileiro redobrar esforços na
demarcação e proteção de terras; alocar recursos para melhorar o acesso à
justiça; garantir significativa participação e consulta prévia, livre,
informada e de boa-fé dos povos indígenas com relação a grandes ou
impactantes projetos de desenvolvimento e respeitar protocolos indígenas
próprios para consulta e consentimento com relação a assuntos de
desenvolvimento; e assegurar, de maneira participativa, estudos de
impacto e compensações para os danos causados.
Resposta do governo - Em resposta ao relatório da
ONU, o governo brasileiro informou que está estudando “cuidadosamente”
as recomendações feitas e que discorda da afirmação de que houve
retrocesso na proteção dos povos indígenas entre a visita do ex-relator
especial James Anaya, em 2009, e a visita de Victoria, em 2016.
Segundo o governo, o Brasil “não subestima os desafios enfrentados na
promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas” e elenca uma
série de ações que demonstram que “evolução positiva e significativas
ocorreram”. O governo federal cita, como demonstrativo de suas ações, a
constituição, pelo Ministério Público Federal, da Força Tarefa Avá
Guarani e os trabalhos por ela realizados no Estado de Mato Grosso do
Sul.
A Força-Tarefa Avá Guarani foi instituída pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, para apurar crimes contra comunidades
indígenas de MS. Em 10 meses de investigações, doze pessoas foram
denunciadas por formação de milícia privada contra os índios e outras
cinco foram presas preventivamente por participação em crimes contra
indígenas.
O MPF esclarece que, ainda que a instituição não integre a estrutura
do executivo federal (a quem compete reprimir os crimes cometidos contra
as comunidades indígenas), a força-tarefa “é uma maneira de dar uma
resposta efetiva aos milhares de indígenas vítimas de violência, que
poderiam deixar de acreditar na Justiça por causa da impunidade”. Só nos
últimos 10 anos, pelo menos um índio foi morto por ano em decorrência
do conflito fundiário em Mato Grosso do Sul.