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(Millôr Fernandes)

sábado, 26 de novembro de 2016

Rollemberg mente? Ou quem mente para o governador sobre Organizações Sociais (OSs)?

Sábado, 26 de novembro de 2016

Quem mentiu para o governador Rollemberg sobre Organizações Sociais (OSs)?

Rodrigo Rollemberg, governador do DF, postou na última quinta-feira (24/11) em seu Facebook uma nota tratando de OSs. Como se verá mais adiante, o governador foi iludido, ou se esforça para se iludir, sobre o problema de se entregar à saúde pública às chamadas organizações sociais.

Vejamos a seguir a postagem de Rollemberg:

“Estive hoje em São Paulo para acompanhar o lançamento do Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross), que irá reunir entidades do setor de todo o país para fortalecer e aperfeiçoar o SUS. No evento, Renilson Rehem de Souza tomou posse como presidente do Ibross. Ele também gerencia o Hospital da Criança, aqui em Brasília, com muita seriedade e o trabalho reconhecido em todo o país.

Além de mim, os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmim, Pernambuco, Paulo Câmara, e Goiás, Marconi Perillo, estavam lá para prestigiar a criação do instituto. Os três estados já têm trabalho com a gestão de unidades de saúde por meio de OS com resultados positivos. Em todos, há dados comprovando que a adoção da parceria aumentou a produtividade do sistema e reduziu os custos, garantindo mais recursos para investimentos em melhorias.”

Feito o registro, aí acima, da postagem do governador de Brasília, fica a certeza de que alguém mentiu para ele. Ou...


Bem, foi realizado aqui mesmo em Brasília no dia 18 de novembro, no auditório do MPDF, o Encontro A Fiscalização das Organizações Sociais pelos Órgãos de Controle Externo. Portanto a exatos 7 dias antes do governador Rollemberg compor, em São Paulo, a mesa da solenidade do lançamento desse tal de Ibross (que não se perca pela sigla) e também postar em seu Facebook uma defesa das OSs.


Esse encontro realizado no Auditório do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) teve a duração de cerca de três horas e 30 minutos. Foram cinco palestrantes, todos profundos conhecedores dos aspectos que envolvem a atuação das OSs no setor da saúde pública. Cinco palestrantes que demonstraram detalhadamente e de modo convincente os males que representam tais organizações, e os vícios que prejudicam o Estado e os usuários da saúde pública. Adiante o nome dos cinco palestrantes:

1.  Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal
2.  Nominando Diniz, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba
3.  Fernando Aurvalle Krebs, promotor de Justiça de defesa do patrimônio público do Ministério Público de Goiás
4.  Eduardo Moreno, delegado da Polícia Federal e que atuou no Amazonas, apurando, inclusive, os crimes de OSs envolvidas na Operação Maus Caminhos (veja aqui
5.  Marici Coelho de Barros Pereira, procuradora do trabalho em Brasília.

Vamos nos ater nesta postagem de hoje às afirmações do promotor de justiça de Goiás, Fernando Auvalle Krebs, que explorou o tema “A Experiência das Organizações Sociais em Goiás” (um dos três estados citados, e elogiados, na postagem de Rollemberg no Facebook. Ver o parágrafo segundo daquela postagem).

Em Goiás, o governo está, já há algum tempo, pois o governador atual exerce o mandato pela quarta vez, desenvolvendo um processo de privatização de funções básicas do Estado, passando pela Saúde, Educação e até mesmo a segurança pública, onde chegou a implantar um famigerado Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual  –SIMVE.

Disse —dentre outra coisas também interessantes— o promotor Fernando Auvalle Krebs.

Em Goiás em 2012, após uma gestão catastrófica do Secretário de Saúde, em que, inclusive, ele não fazia licitação, o Ministério Público de Goiás o processou por improbidade administrativa. Todos os hospitais públicos estaduais entraram em situação falimentar, onde, por exemplo, os elevadores não funcionavam para transportar macas e pacientes. Não havia ar-condicionado nos locais em que esse tipo de recurso era necessário e indispensável.

Era uma tragédia, uma vergonha. Alguns interditados pela Vigilância.

Na minha santa ignorância, eu imaginava que se roubava pouco, acrescentou o promotor Fernando Aurvalle Krebs.

Os hospitais que estavam deteriorados, quando apareceram as OSs, o governo que não aparecia para reformar os hospitais, apareceu dinheiro e reformou os hospitais.

A Cruz Vermelha assumiu a indústria química do Estado e não deu conta de tocar o contrato.

Só existia uma OS antes do edital de chamamento, que comandava o Crer de Goiânia [Centro de Reabilitação e Readaptação, que é um hospital público localizado em Goiânia].

Em Goiás as OSs podem atuar em todo o Estado, em qualquer setor indistintamente.

No Estado de Goiás, praticamente todos os hospitais públicos estaduais foram repassados para as OSs. Agora estão repassando o Hemocentro. Não satisfeitos, querem passar toda a educação para OSs.

Nos contratos de gestão, se a OS cumprir 80 por cento de execução do contrato de gestão, ela tem direito a 100 por cento da remuneração. Então o contrato é gritantemente lesivo ao erário.

Não há em Goiás o estudo prévio de economicidade.

Causou espanto aos participantes do encontro sobra A Fiscalização das Organizações Sociais pelos Órgãos de Controle Externo, quando o promotor Fernando Krebs deu um exemplo de como as coisas vêm acontecendo em Goiás, que tem um governo que está privatizando tudo, e entregando setores importante às OSs. 

Foi quando ele citou um exemplo vergonhoso. Disse que ‘com o dinheiro da contratação de veículos para a PM em um ano, daria para comprar toda a frota e ainda sobraria um trocado para a manutenção’.

Sem estudos e fechando a porteira ao paciente

E foi enfático ao dizer:

Quanto às OSs, já que não houve estudos de viabilidade econômica, de economicidade, as OSs se implementaram, fizeram uma mudança na aparência inegável. E que elas fizeram? Fecharam as portas dos hospitais. Fecharam a porteira no atendimento único de saúde do município, ou seja, da rede básica. Eles fecharam isso, fecharam os portões, colocaram segurança. Você não entra no hospital. Nem os sindicalistas  conseguem entrar no hospital sem mandado de segurança, sem liminar.

Voltando ao inconstitucional SIMVE

O SIMVE, peça importante na privatização das funções do Estado em Goiás, era uma espécie de PM temporária, em que cada homem contratado por processo seletivo simplificado, era treinado em apenas um mês e recebia uma arma, sendo mandado, logo após, para policiar as ruas. Interessante é observar que no processo seletivo para esses “PMs” uma das perguntas da “prova” queria saber do candidato qual era o melhor governador de Goiás até aquela data. Isso dá uma boa visão de quanto vagabundo e enviesado era o processo. A pergunta foi anulada, mas o processo continuou com todos os demais vícios e defeitos.

Com esse ‘modelo’ o governo de Goiás contratou cerca de 2.500 ‘policiais’ temporários. Segundo bem frisou Fernando Krebs, essa força policial era “uma espécie de milícia privada”.

Foram muitas as arbitrariedades cometidas por integrantes desse ‘tipo de milícia’. Os promotores, por entrarem com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, chegaram a receber ameaças, inclusive de tiro na cabeça, especialmente após o STF ter declarado inconstitucional a lei que implantou o SIMVE, o que forçou o governador de Goiás a demitir todos os “PMs” temporários. Eles ficariam por três anos no serviço “voluntário”, quando haveria novo processo ‘seletivo’.

Não precisa dizer pra vocês a quantidade de abusos que foram praticados por esses policiais. Alguns deles chegaram a nos ameaçar de dar um tiro na cabeça, porque conseguimos essa decisão judicial [no STF, por uma ação direta de inconstitucionalidade] que acabou exonerando [os ‘policiais’].

O grande objetivo das OSs

— Qual o objetivo das OSs? É acabar com o concurso público e acabar com a licitação, enfraquecendo o Estado e criando um Estado...assim como Os na saúde, pode-se falar em escola sem partido. O que é OS na educação? É a escola com partido. Prova disso que a OS credenciada [para a educação] em Goiás, o dono da OS, o presidente da OS, é filiado ao PSDB. E nas mídias sociais ele se manifesta politicamente daquela forma xenófoba a la Trump. Vocês imaginem uma OS na educação selecionando professores.

Se o professor não rezar na cartilha, ele não será contratado.

Fato considerado pelo promotor goiano Fernando Krebs como ‘Estranho, muito estranho’ foi o que veio a público quando daoperação da PF que prendeu o  presidente do PSDB de Goiás e o presidente da Saneago (empresa de Saneamento e Água de Goiás e que está sendo privatizada). E no bojo das investigações se encontrou OSs da saúde recebendo dinheiro da empresa. Para o promotor uma coisa ainda inexplicável, que ainda não se sabe a razão das OSs que atuam apenas na saúde, receberem grana da empresa de saneamento e água? “Se suspeita mais de alguma lavagem de dinheiro”, afirmou o promotor.

Como a Saneago é a empresa de água...o promotor goiano deve estar certo no seu prognóstico. Lavagem é com água mesmo.

Materiais reutilizados

Vamos em frente nesta postagem sobre a indecência que é, geralmente, organizações sociais na saúde.

Como o MP de Goiás não tem estrutura para fiscalizar todos os hospitais, optou por se valer da Vigilância Sanitária Estadual para esse trabalho. A Vigilância foi para os hospitais do interior. Adiante um relato de Fernando Krebs referente ao resultado desse trabalho da Vigilância.

Descobrimos várias coisas muito interessantes. Reutilização de compressas, não cumprimento do contrato de gestão, funcionários de OS de uma cidade trabalhando em outra, falta de escala, falta de controle de ponto e uma série de outras irregularidades, inclusive aquelas que são comuns nos hospitais privados do Brasil, que é a reutilização de equipos cirúrgicos. Essas irregularidades todas foram encaminhadas ao conhecimento delas [OSs], a quem de direito. O que foi feito? Nada, nada, absolutamente nada.

Outra colocação grave feita por Fernando Krebs foi de que:

Nós temos médicos e profissionais da saúde sobrando no sistema [de Goiás], em razão da entrada dos celetistas [das OSs] no sistema, já que não houve planejamento algum. Resultado: repassaram esse pessoal para uma outra unidade e lá tem gente sobrando.

Como o Conselheiro do Tribunal de Contas da Paraíba mencionou,  [Nominando Diniz, do TC da Paraíba, que falou antes do promotor de Goiás], ao contrário do que se imagina, a OS não é mais econômica do que a gestão direta. Ela é antieconômica. Por quê? Porque ela custa muito mais caro. Quando os hospitais estaduais fecharam as porteiras, fecharam as portas ao contrário das unidades básicas de atendimento dos municípios que vivem lotadas e esses hospitais também não socorrem os sistemas, pois eles não absorvem o papel, o resultado disso é que um paciente atendido hoje nos hospitais de OSs, hoje o das OSs atendem menos do que quando os hospitais eram administração direta, e por via de consequência ele custa muito mais caro do que no sistema.

Hoje nós temos servidores quarteirizados das OSs que não recebem. O que acontece? Cai a qualidade de serviço. Como OSs não podem formar patrimônio próprio, nós não temos como buscar o dinheiro. E quem vai responder isso será o Estado que vai ter que pagar duas vezes.

Isso acima é um resumo rápido dos pontos tratados na palestras do promotor do MP de Goiás, no dia 18 de novembro de 2016, no encontro A Fiscalização das Organizações Sociais pelos Órgãos de Controle Externo.

A quem tiver um tempo, 31 minutos, recomendo ouvir no áudio abaixo postado o relato do promotor Fernando Aurvalle Krebs, promotor de Justiça de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público de Goiás. Rico em detalhes e convincente. Pena que o secretário de Saúde do DF, Humberto Fonseca, tenha abandonado o encontro do dia 18 de novembro logo após as duas primeiras palestras. Não ouviu o promotor de Goiás. Palestras que, por sinal, foram fortes cacetadas nessa ideia enviesada, troncha, estranha, suspeita, que é a adoção (ou doação?) de OSs na saúde pública.

Os cinco palestrantes do Encontro A Fiscalização das Organizações Sociais pelos Órgãos de Controle Externo, demonstraram cabalmente que a adoção de OSs na Saúde derruba a produtividade do sistema e representa a elevação absurda dos custos. É bom lembrar, ainda, que no dia (24/11), dia em que Rollemberg tecia elogios às OSs, o Ministério Público denunciava à Justiça Federal um grupo de 16 pessoas por formação de organização criminosa e por desvio de recursos da saúde, sendo que o dono da OSs, que se encontra atualmente atrás das grades no Amazonas, tentava empurrar seu esquema na saúde do DF.

Voltando à postagem de Rollemberg no seu Facebook, onde registrou a sua participação no evento de lançamento do Instituto Brasileiro de Organizações Sociais na Saúde, Ibros (registre-se mais uma vez, que não se perca pela sigla), bem como elogios rasgados ao “desempenho” das OSs em três estados, dentre os quais Goiás, forçoso é repetir abaixo o título dessa postagem do Gama Livre.

Rollemberg mente? Ou quem mente para o governador sobre Organizações Sociais (OSs)?