Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O Fies e o mercado da educação

Terça, 31 de janeiro de 2017
Da Tribuna da Internet Sindical


Por Hélio Duque*
Esperteza é habilidade maliciosa, onde a astúcia prevalece na conquista dos seus objetivos. Na edição nº 2.514 (25-1-2017), a revista Veja, por título “Virou Farra”, assinado pela jornalista Fernanda Allegretti, retrata realidade que deveria merecer profundas investigações pelas autoridades responsáveis pela educação brasileira. Comprova que o programa Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) vem criando, de maneira badernosa, gigantescas corporações de ensino superior, guiadas em mares nunca d’antes navegado. A grande vítima é o dinheiro público e os jovens estudantes que dependem da ajuda financeira do programa oficial. Denuncia que o Fies transformou-se em um programa sem transparência, assegurando boa vida aos monopolizadores do ensino, onde a ganância se vale de artifícios para garantir lucros na escala de bilhões de reais.

Quantificadamente, em 2017, atenderia 2 milhões de universitários a um custo de 21 bilhões de reais. Educação não pode ser tratada como commodities, ou seja, produto que funciona como matéria prima produzida em escala. O Fies, nos seus financiamentos estudantis, garante que o contemplado não deverá desembolsar nenhum valor durante o curso, mas, de maneira solerte, cobranças “extras” são acrescidas mensalmente, sob alegação de o valor pago pelo governo federal não cobrir as despesas do curso. Aquela publicação destaca: “Enquanto lesam os alunos, as instituições ganham muito dinheiro. As universidades brasileiras estão longe do topo do ranking de excelência, mas é aqui que está instalado o maior grupo do mundo nesse setor em valor de mercado: o Kroton é uma potência avaliada em 24 bilhões de reais. Nos últimos anos cresceu à sombra do Fies.”

E prossegue: “Hoje, seus 120 campus espalhados pelo território nacional, do Amapá ao Rio Grande do Sul, atendem 1 milhão de estudantes de ensino superior, mais da metade financiado pelo Fies. No ano passado, o grupo recebeu 2,5 bilhões de reais”. E destaca: “O Tribunal de Contas da União, em uma auditoria de 23 de novembro de 2016, compara o lucro líquido dos quatro maiores grupos educacionais do país entre 2010 e 2015, o período de maior expansão do Fies. O Kroton disparou em crescimento de 22.130%, bem acima dos demais – Anima, 820%; Estácio Participações, 565% e Ser Educacional, 483%.”

A cobrança de preços diferenciados é sempre mais alta para os alunos financiados pelo dinheiro público. Fica patente entre quem paga com recursos próprios em um curso de engenharia mecânica em Minas Gerais, o valor é de 769 reais. Enquanto no Fies, o aluno pagará 1.501. Um superfaturamento de fazer ladrão grego corar de vergonha. Ao mesmo tempo em que rasga o Código do Consumidor que define que não se pode cobrar preços diferenciados para um mesmo serviço.

De acordo com a publicação, o site da Kroton anuncia que o Fies é mais rentável para os alunos: “A taxa de juros é baixa que vale a pena contratar, mesmo que você tenha dinheiro para pagar o curso. Se você colocar na poupança o dinheiro que iria usar para pagar a faculdade, acaba tendo lucro”. Fato determinante para a redução de matrículas dos estudantes que, podendo ser responsável direto pelo pagamento da anuidade, optaram pelo financiamento do Fies. A concessão de crédito, de maneira indiscriminada, operou e vem operando no enriquecimento frenético dos grupos econômicos que enxergaram no setor educacional uma maneira fácil de multiplicar os seus lucros. Levando a ministra Ana Arraes, do Tribunal de Contas da União a qualificar a gestão do Fies como verdadeiro descalabro, destacadamente entre 2010 e 2015.

O Ministério da Educação é o grande responsável pelo carnaval de irresponsabilidades e farra com o dinheiro público, desvirtuando um programa de grande mérito na sua origem. Muito bem destacado pela jornalista Fernanda Allegretti, na sua histórica matéria: “É uma pena, mas o que nasceu como excelente ideia, e tanto ajudou jovens desfavorecidos a abrir as portas da universidade, acabou com dois resultados visíveis e opostos: é um grande negócio para universidade privadas e uma grande dívida para jovens recém-formados”.

*Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.