Por
Aldemario Araujo Castro*
No dia 10 de fevereiro de 2017, a AGU (Advocacia-Geral da União)
completou 24 (vinte e quatro) anos de existência. Em 1993, nesse mesmo dia, foi
editada a Lei Complementar n. 73. Trata-se da lei orgânica da instituição criada
pelo constituinte para representar a União, judicial e extrajudicialmente, e
realizar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo Federal.
Alguns dias antes do aniversário de 24 (vinte e quatro) anos, a
Advocacia Pública Federal deu mais um exemplo da sua importância para o Estado
e para a sociedade brasileira. Com efeito, a
Justiça Federal no Distrito Federal, mais especificamente a 18a Vara, determinou liminarmente a
indisponibilidade de bens e direitos, em valor superior a 140 milhões de reais,
de empresas de ônibus (concessionárias de serviço público) com atuação em Goiás
e no Distrito Federal. Essas empresas respondem por dívidas tributárias
milionárias perante a União.
A decisão judicial decorreu da atuação articulada de várias
unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), um dos órgãos de
direção superior da Advocacia-Geral da União (AGU). Foram movimentados nessa
atividade: a) o Grupo de Operações Especiais de Combate à Fraude Fiscal
Estruturada; b) o Laboratório de Tecnologia da PGFN contra Sonegação e Lavagem
de Dinheiro e c) a Divisão de Grandes Devedores da Procuradoria-Regional da
Fazenda Nacional na Primeira Região.
A atuação diligente dos Procuradores da Fazenda Nacional
demonstrou em juízo, com farta documentação, a unidade gerencial, laboral e
patrimonial das empresas integrantes do grupo econômico alcançado pela decisão
judicial. Restou claro, e reconhecido pelo Poder Judiciário, que as divisões
societárias entre as pessoas jurídicas envolvidas possuem natureza meramente
formal com o objetivo de blindar o patrimônio e escapar do pagamento das
dívidas para com o Poder Público.
Esses fatos, noticiados pela Coordenação-Geral de Grandes
Devedores, unidade integrante da Diretoria de Gestão da Dívida Ativa da União
da PGFN, ensejam, pelo menos, quatro conjuntos de considerações relevantes.
Primeiro, o combate à corrupção, improbidade administrativa,
lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e outros ilícitos dessa natureza não
envolvem exclusivamente as atuações do Ministério Público e da Polícia Federal.
Outras instituições desempenham funções igualmente importantes. A combinação de
ações preventivas, notadamente nas áreas de consultoria e assessoria jurídicas,
e providências repressivas, particularmente por intermédio de ações judiciais,
como a anteriormente destacada, colocam a Advocacia Pública como uma ferramenta
singularíssima de realização eficiente do combate às malversações socialmente
mais abrangentes.
Em segundo lugar, a AGU convive, durante décadas, com crônicas e
profundas carências estruturais, de valorização de suas carreiras jurídicas e
de mecanismos que permitam o pleno desenvolvimento de seu papel institucional.
Assim, uma nova, moderna e democrática lei orgânica para a instituição, superadora
dessas mazelas, é algo que interessa a seus membros, ao Estado e à sociedade
brasileira. Sem prejuízo de outras definições, seria preciso incorporar ao
ordenamento jurídico relacionado diretamente com a AGU, no âmbito de sua lei
orgânica ou mesmo no texto constitucional: a) a eliminação, ou redução
drástica, do número de cargos comissionados, utilizados em grande medida para a
formação de uma cadeia de comando e obediência que tolhe a independência
técnica dos membros da instituição; b) a transformação do Conselho Superior da
instituição em efetiva instância de definição e controle das principais
decisões e diretrizes de condução da gestão; c) conferir as necessárias
autonomias administrativa e financeira à AGU, inclusive com a clara definição
de que não integra o Poder Executivo; d) a democratização das relações internas
de poder; e) a integração administrativa plena de todos os órgãos da Advocacia
Pública Federal à AGU com eliminação de duplas vinculações ou dependências de
qualquer ordem aos vários níveis de gestão e f) a unificação das carreiras
jurídicas da Advocacia Pública Federal como medida realizadora de profunda
racionalização do serviço jurídico no plano da União, tornando essa atividade
mais eficiente e menos dispendiosa.
Terceiro, a complementação adequada e republicana das
prerrogativas funcionais dos membros da AGU é providência fundamental. Não se
trata de conferir vantagens ou privilégios aos advogados públicos federais.
Prerrogativas adequadas são direitos voltados para o exercício mais eficiente,
seguro e independente das funções públicas. Para contrariar, quando necessário,
em nome da juridicidade e da moralidade dos atos da Administração Pública,
poderosos interesses privados e de gestores públicos de todos os níveis,
impõe-se o manejo de instrumentos viabilizadores do exercício altivo das
atribuições funcionais.
Em quarto lugar, o modelo de recuperação de créditos públicos não
pagos reclama uma profunda revisão. Não parece razoável um contínuo aumento do
número de varas, juízes, procuradores e servidores sempre que o número de
débitos e os correspondentes processos judiciais de execução sofre acréscimo
significativo. Um conjunto combinado de medidas de ordem legislativa e
administrativa são necessárias para a superação dos principais entraves da
atividade de arrecadação das dívidas devidas ao Poder Público. São quatro as
principais diretrizes a serem consideradas: a) adoção de medidas de
"administração de quantidades" para que o volume de processos
permaneça num patamar viabilizador de uma atuação minimamente eficiente; b)
utilização intensiva de “mecanismos indutores de pagamento”, na linha do
disposto no art. 195, parágrafo terceiro, da Constituição; c) reservar a
atuação judicial mais significativa, tanto em relação aos juízes, quanto aos
procuradores, para iniciativas de “inteligência” voltadas para grandes dívidas
e grandes devedores e d) fixação de uma posição política de prestígio às ações
de cobrança e recuperação de créditos não pagos materializada em níveis
orçamentários e fluxos financeiros adequados e respeito a dignidade funcional
dos agentes públicos envolvidos.
O Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos – RDCC, recentemente
adotado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional por intermédio da Portaria
PGFN n. 396, de 2016, é uma interessante experiência na linha destacada. A
iniciativa busca otimizar essa atividade com a implementação e aperfeiçoamento
de ações de: a) “administração de quantidades” (suspensão de execuções fiscais
de valores relativamente baixos); b) “inteligência” (notadamente no campo do
diligenciamento patrimonial) e c) “indução de pagamento” (protesto de certidões
de dívida ativa e acompanhamento especial de parcelamentos e execuções
garantidas). Sem prejuízo da discussão de certos aspectos, como o eventual financiamento,
mesmo parcial, por meio de operações de crédito externas e o limite de corte
para suspensão dos processos de execução fiscal, o RDCC inequivocamente coloca
a atividade de recuperação de créditos públicos não pagos em outro patamar
qualitativo.
*Aldemario Araujo Castro é Advogado, Mestre em Direito, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília.
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