Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

MPF ajuíza seis ações de improbidade contra militares do Exército e empresários

Sexta, 24 de fevereiro de 2017
Do MPF
Eles são acusados de fraudar contratações e compras públicas, atestando falsamente a aquisição de bens e serviços para o 10º Batalhão de Infantaria, em Juiz de Fora/MG

O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) ajuizou seis ações de improbidade contra cinco militares da ativa e um da reserva, que, à época dos fatos, integravam o 10º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, em Juiz de Fora/MG.
Também são réus nas ações cinco empresários da cidade e sete pessoas jurídicas. Em todos os casos, o MPF narra irregularidades praticadas em contratos celebrados pelo 10º Batalhão de Infantaria, no âmbito dos quais "os agentes públicos proporcionaram enriquecimento ilícito às pessoas jurídicas em questão, mediante a realização de pagamentos indevidos por serviços e bens que, na verdade, não foram prestados ou fornecidos à Administração".
Os militares atestavam, falsamente, a execução dos objetos contratados, recebiam notas fiscais fictícias e autorizavam a realização dos pagamentos indevidos.
Os fatos ocorreram entre os anos de 2010 e 2013, quando o MPF recebeu uma representação noticiando a prática de “química” naquela unidade do Exército Brasileiro.
A expressão “química”, no jargão militar, refere-se a fraudes em compras públicas, com emissão de empenhos para aquisições fictícias ou fornecimento de uma mercadoria por outra ou até mesmo desvio de dinheiro público. Esse tipo de fraude é praticada sobretudo em relação a serviços e compra de materiais de consumo que não são incorporados formalmente por meio do registro de patrimônio, dificultando sua apuração.
Outra característica da "química" é que, como os bens na verdade não são entregues, os preços são praticados em valores muito abaixo dos de mercado, de forma a garantir a vitória sempre do mesmo grupo nas licitações.
De acordo com o MPF, a prática é tão grave, que pode envolver, conforme o caso, com variações, até quatro crimes: fraude em licitação, falsidade ideológica (uma vez que a prática de “química” pressupõe a inserção de declarações falsas, divorciadas da realidade, em notas de empenho, notas fiscais e documentos de atestação de despesas), dispensa indevida de licitação e apropriação do dinheiro por agentes públicos ou o seu desvio em proveito próprio ou alheio.
Pagamentos indevidos - Duas das pessoas jurídicas beneficiadas com os atos ilegais dos agentes públicos são empresas co-irmãs, pois, além de compartilharem o mesmo sócio, ambas registram o mesmo endereço fictício nos respectivos contratos sociais: um imóvel residencial, pertencente a terceiro, na cidade de Ubá, a cerca de 100 km de Juiz de Fora.
E, embora não tivessem sede própria, dados do Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br) indicam que, de 2010 até 2014, ambas acumularam, juntas, quase R$ 3 milhões em pagamentos recebidos de órgãos e entidades federais, dos quais mais de R$ 500 mil foram provenientes do 10º Batalhão de Infantaria.
Os três contratos assinados por essas empresas com aquela unidade do Exército destinavam-se à execução de serviços diversos: manutenção/reparo em telhado de amianto e demolição de cobertura ou telhado; fornecimento e instalação de revestimento cerâmico em parede; fornecimento e instalação de vasos sanitários com caixa acoplada, além de manutenção em equipamentos do Serviço de Aprovisionamento.
Os serviços foram contratados após licitações realizadas pelo próprio batalhão ou por meio de adesão a licitações realizadas por outras unidades, através do Sistema de Registro de Preços, na modalidade Pregão Eletrônico. O Sistema de Registro de Preços permite que a empresa contratada possa ser chamada pela Administração Pública, a qualquer tempo, durante o período do contrato, para fornecer os bens e serviços licitados.
Esse foi o caso dos serviços de manutenção/reparação em telhado de amianto, com material fornecido pelo Exército, e demolição de cobertura ou telhado com retirada dos entulhos. Segundo a ação, entre maio e outubro de 2011, uma das empresas teria supostamente realizado a manutenção/reparos em 1.130,75m² de telhado de amianto, com material fornecido pelo 10º Batalhão, e demolido 1.006,25m² da cobertura ou telhado.
Ocorre que, "conforme informações prestadas pelo próprio Batalhão, dos 1.787m² de coberturas de amianto existentes naquela Unidade, 1.395m² eram de telhas de 6mm" [previstas na licitação]. Ou seja, os serviços, que consistiam na troca das telhas antigas por novas, fornecidas pelo próprio Exército, teriam alcançado cerca de 81% das telhas existentes. O problema é que, conforme o Sistema de Material do Exército (Simatex), apenas 130 unidades de telhas onduladas de amianto novas, por terem dado entrada naquela Unidade do Exército Brasileiro entre os anos de 2009 e 2011", poderiam ter sido aproveitadas para o serviço.
Os pagamentos indevidos também ocorreram em outro item do contrato, que consistia na retirada de cobertura ou telhado com remoção de entulhos. Isso porque, a retirada das telhas é parte do serviço de substituição de telhas antigas por novas, que pressupõe, naturalmente, a retirada do telhado antigo para a colocação do novo. Apesar disso, o 10º Batalhão pagou R$ 18.687,81 pelo serviço de retirada de 1.006,25m² de telhas, após ter pago R$ 33.224,86 pelo serviço de substituição de R$ 1.130,75m² de telhas, item que já englobava aquele.
As mesmas irregularidades se repetiram no contrato que previa fornecimento de revestimento cerâmico para parede e fornecimento e instalação de vaso sanitário com caixa acoplada. Em 16/08/2011, o batalhão requisitou 946 unidades de revestimento cerâmico e o fornecimento e instalação de 18 vasos. Dois meses depois, em 25/10/2011, o 10º Batalhão requisitou mais 880 unidades de revestimento cerâmico e fornecimento e instalação de mais três vasos sanitários. E em 28/11/2011, foram pedidas mais 1.165 unidades de revestimento cerâmico e fornecimento e instalação de outros 23 vasos.
Segundo o MPF, "não há no processo de pagamento qualquer planilha de medição que comprovasse a prestação dos serviços e permitisse a regular liquidação das despesas", e, no que diz respeito aos vasos sanitários, o Simatex registrou a entrada, naquela Unidade, de apenas 18 vasos sanitários entre os anos de 2010 a 2012, sendo que pelo menos 12 deles foram fornecidos por outra empresa.
Favorecimento - Em 2011, o 10º Batalhão realizou também procedimento licitatório para contratar 28 diferentes serviços de manutenção em seus equipamentos, sob a justificativa de necessidade dos serviços para "redução dos custos" com manutenções constantes e para que os equipamentos pudessem continuar "em perfeito funcionamento".
No entanto, concluída a licitação, das quatro adjudicatárias, apenas uma veio a ser efetivamente contratada, e, dos 28 serviços, o Batalhão limitou-se a contratar apenas os seis itens registrados por essa empresa, contradizendo totalmente a justificativa apresentada quanto à suposta necessidade dos serviços.
Além disso, considerando-se que "nem mesmo os serviços correspondentes àqueles 06 itens chegaram a ser efetivamente prestados, vê-se que aqueles requeridos, na verdade, agiram com o propósito de favorecer a empresa contratada", afirma o MPF.
Outro fator a indicar favorecimento indevido à empresa consiste no fato de que os pagamentos não se limitaram aos preços registrados, no total de R$ 55.096,97, mas alcançaram, sem qualquer justificativa, o montante de R$ 70.996,21, em acréscimo excedente aos 25% permitidos pela legislação.
Mais grave ainda é que as supostas manutenções teriam ocorrido em equipamentos inexistentes. Por exemplo, a empresa recebeu 42 mil reais pela realização de quatro serviços completos de manutenção preventiva numa câmera fria marca Danfos, mas não havia, em carga, no serviço de aprovisionamento do 10º Batalhão de Infantaria nenhum equipamento desse tipo. A empresa também recebeu pagamento por 13 serviços de manutenção preventiva em balcão térmico com cinco cubas, embora a ata de registro de preços somente previsse a execução de nove desses serviços. Ocorre que, à época, o 10º Batalhão de Infantaria possuía um único balcão térmico com cinco cubas, de modo que, considerada a garantia de 180 dias prevista para o serviço, no máximo poderia ter sido realizada uma manutenção preventiva por semestre, jamais duas, quatro ou sete em um único mês.
Para piorar, conforme informação prestada pelo próprio Batalhão, em fevereiro de 2013, aquele equipamento encontrava-se em processo de descarga, “uma vez que o reparo foi considerado inviável economicamente”.
A mesma coisa aconteceu na manutenção de outros equipamentos, incluindo dois balcões térmicos com seis cubas, que também haviam sido colocados em processo de descarga devido à inviabilidade econômica do reparo, mas que foram supostamente objeto de manutenção pela empresa.
A ação relata que, durante as investigações, a repetição de tantos serviços chegou a ser justificada ao argumento de que oscilações de energia elétrica e outros eventos ocasionavam danos aos equipamentos do Serviço de Aprovisionamento.
Segundo o MPF, "a incompatibilidade entre a quantidade de serviços pagos e a quantidade de equipamentos em carga torna manifesto o fato de que os agentes públicos envolvidos proporcionaram àquela empresa injustificável enriquecimento ilícito, por serviços não prestados".
Material inexistente - O mesmo tipo de irregularidade ocorreu em diferentes contratos com outras empresas.
Duas delas, por exemplo, venceram vários itens de uma licitação para contratação de serviços de manutenção de imóveis, entre eles, instalação e/ou conserto de registros; instalação/substituição de encanamento; instalação de ducha elétrica; reforma no alojamento do 10º BI, que envolveu serviços de demolição, reboco, fornecimento e instalação de piso, inclusive de mármore em banheiro; fornecimento e instalação de pias, chuveiros, vasos, parte elétrica e hidráulica etc..
Muitos dos serviços atribuídos a essas empresas não deixam vestígios, inviabilizando que fosse verificada sua real execução.
Mas, além dos serviços que não puderam ser verificados, muitos outros, comprovadamente, não foram executados, uma vez que dependeriam, conforme o Termo de Referência da licitação, de materiais a serem fornecidos pelo órgão contratante, os quais, porém, jamais existiram no 10º Batalhão de Infantaria.
Nos contratos firmados com três oficinas mecânicas para a prestação de serviços de “manutenção de veículos leves e pesados” a maioria das irregularidades se relacionou a veículos inexistentes no 10º Batalhão.
No caso de uma delas, além da repetição de serviços idênticos em curtíssimo espaço de tempo, consta também que veículos diferentes supostamente teriam demandado exatamente os mesmos serviços, que tinham naturezas, contudo, bastante específicas. Por outro lado, serviços com descrições idênticas receberam preços acentuadamente discrepantes, variando, em uma caso, de R$ 2.620,00 a R$ 10.480,00.
Contrato sem licitação - Há o caso, ainda, da contratação direta de um armarinho para a execução de serviços que, obviamente, nada tinham a ver com seu objeto social, como locação de máquinas pesadas como lixadeira de piso, martelo rompedor, grupo gerador e polidora de piso de cimento.
Não bastasse isso, os serviços foram pagos em valores não amparados em pesquisa de mercado e a emissão da nota fiscal, dando por concluída a prestação dos serviços, ocorreu apenas 28 dias após a expedição da nota de empenho, embora a contratação previsse prazos de 30 e 60 dias para a sua conclusão.
O MPF lembra que o pagamento de serviços pela Administração antes de sua conclusão é proibido pelos artigos 62 e 63, § 2º, III, da Lei nº 4.320/1964, que dispõem que “o pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação”, o que pressupõe a comprovação “da prestação efetiva do serviço".
Durante as investigações, o proprietário do armarinho afirmou que teria subcontratado terceiro para a prestação dos serviços, mas não conseguiu declinar o nome do profissional que supostamente teria prestado o serviço, tampouco pôde apresentar o recibo comprobatório da alegada subcontratação.
Notas fiscais atestando fornecimento de materiais que nunca chegaram ao 10º Batalhão também foram fornecidas, por outra empresa, no tocante à compra de sacos de cal hidratada.
Indisponibilidade de bens - As seis ações foram propostas no ano passado, e, mais recentemente, promoveu-se a indisponibilidade de bens dos acusados.
Durante as investigações, o Exército colaborou mediante a apresentação das informações solicitadas.
Em caso de futura condenação, os réus estarão sujeitos às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), entre elas, perda da função ou cargo público, pagamento de multa civil, suspensão dos direitos políticos, ressarcimento ao erário e proibição de contratar com o Poder Público e de receber incentivos fiscais ou creditícios de instituições públicas.