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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Na saúde: OSs, PPPs, terceirizações, ruins aqui e em ultramar. E o marinheiro de Brasília querendo enfiá-las a todo custo. E que custo!

Quarta, 8 de fevereiro de 2017
Não só aqui, como em Portugal, OSs, PPPs e trambicagens outras na área da saúde, são desastres para os pacientes e também ao Estado.

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Do Esquerda.Net [Portugal]

Quanto mais se debate mais se percebe que as PPP na saúde não trazem nenhum benefício ao contribuinte ou ao utente [pacientes], muito menos ao SNS [Serviço Nacional de Saúde] ou ao Estado.

Do Esquerda.Net

Muito se tem debatido a questão das PPP na Saúde. Quanto mais se debate mais se percebe que estas parcerias com privados não trazem nenhum benefício ao contribuinte ou ao utente, muito menos ao SNS ou ao Estado. Não são justificáveis do ponto de vista económico, muito menos do ponto de vista de qualidade.


Comecemos por analisar a questão económica:
Em 5 anos, o Estado gastou mais 51,3M€ com a PPP de Cascais para contratualizar os mesmos serviços que contratualiza com os hospitais de gestão pública
Um relatório encomendado pelo Governo à UTAP (Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos) diz que “a PPP atualmente em vigor no Hospital de Cascais permitiu uma poupança acumulada, no período 2011-2015, de aproximadamente 40,4M€, face aos custos clínicos de gestão pública, estimados de acordo com o CPC Atualizado”.
Quer isto dizer que a PPP de Cascais trouxe poupanças para o Estado? Não, não quer. É que o CPC (Custo Público Comparável) é apenas uma estimativa sobre quanto o Estado previa gastar com a gestão do hospital de Cascais. Portanto, o que a UTAP revela é que a PPP de Cascais poupou em relação a uma estimativa. Mas e comparando com a realidade e não com cenários? Nessa comparação a PPP de Cascais revelar-se-á mais cara para o Estado.
Em 2015, o SNS pagou aos hospitais públicos 44€ por cada primeira consulta; à PPP de Cascais pagou 79€ (um custo 82% superior). A consulta subsequente foi paga aos hospitais públicos a 44€, enquanto que à PPP de Cascais se pagava a 59€ (um custo 36% superior). Nas urgências, enquanto os hospitais públicos receberam 54€ por cada atendimento, a PPP de Cascais recebeu 69€ (29% a mais); para além disso, foi pago à PPP de Cascais mais 3,62M€ só para garantir a disponibilidade do serviço de urgência, valor que não foi pago aos hospitais públicos com serviço de urgência semelhante.
Feitas as contas o hospital de Cascais foi, em 2011, 4,1M€ mais caro; em 2012, 10,4M€ mais caro; em 2013, 13,6M€ mais caro; em 2014, 13,9M€ mais caro e, em 2015, 9,3M€ mais caro. Em 5 anos, o Estado gastou mais 51,3M€ com a PPP de Cascais para contratualizar os mesmos serviços que contratualiza com os hospitais de gestão pública.
Um outro indicador utilizado para aferir a eficiência dos hospitais é o do doente-padrão. O relatório da UTAP dedica uma extensa análise a esta questão, comparando a PPP de Cascais com um grupo de referência composto por vários hospitais públicos de dimensão e diferenciação semelhante.
Há pelo menos 2 factos a realçar: 1) em nenhum dos anos analisados (2011 a 2015) a PPP de Cascais foi o hospital mais eficiente, havendo sempre algum hospital público a apresentar menos encargos por doente-padrão; 2) nos anos de 2013 e 2014 (dois dos cinco anos analisados) a PPP de Cascais apresenta maiores custos por doente-padrão do que a média dos hospitais públicos.
Se compararmos o financiamento do SNS por doente padrão, nos últimos três anos, a PPP de Cascais representou um encargo adicional para o SNS de 9,6 milhões de euros
Se compararmos o financiamento do SNS por doente padrão, nos últimos três anos, tendo por comparação o hospital PPP de Cascais e o grupo de referência composto por hospitais públicos, veremos mais uma vez que a PPP representou maiores encargos: em 2013, o SNS financiou o doente-padrão da PPP de Cascais em €2508, enquanto financiava os hospitais públicos comparáveis em €2441; em 2014, o financiamento à PPP de Cascais foi de €2452, enquanto aos hospitais públicos foi de €2266; em 2015, o financiamento à PPP foi de €2314, enquanto os públicos foram financiados em €2214. Neste aspeto e tendo em conta os últimos 3 anos, a PPP de Cascais representou um encargo adicional para o SNS de 9,6 milhões de euros.
Mas, a discussão sobre a prestação de cuidados de saúde não deveria ser feita em torno de quem poupa mais. Deveria, pelo contrário, ser feita em torno de como garantir melhor acesso e melhores cuidados de saúde a todas as pessoas. Se nos orientarmos apenas pelo critério ‘poupança’, então o melhor hospital é aquele que não presta cuidados de saúde. Não deve ser isso que queremos para o nosso Serviço Nacional de Saúde, pois não?
Vejamos então alguns indicadores sobre acesso e segurança na prestação de cuidados de saúde, recorrendo aos dados da Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS):
Na PPP de Cascais apenas 66,9% das primeiras consultas são realizadas dentro do tempo (classificando-se em 9º entre os hospitais do mesmo grupo). No caso das cirurgias há 3 hospitais públicos do mesmo grupo com resposta mais atempada.
A PPP de Cascais é a pior do seu grupo no que toca a casos de sépsis pós-operatória (2.668 casos por cada 100.000 intervenções, enquanto o melhor hospital apresenta 357 casos por cada 100.000) e um dos piores hospitais quanto a lacerações nos partos vaginais instrumentados (com uma percentagem de 3,73%, enquanto os 4 melhores hospitais do mesmo grupo apresentam uma percentagem de 0%).
Na PPP de Cascais apenas 66,9% das primeiras consultas são realizadas dentro do tempo. No caso das cirurgias há 3 hospitais públicos do mesmo grupo com resposta mais atempada. Há ainda outras limitações evidentes na PPP de Cascais
Há ainda outras limitações evidentes na PPP de Cascais, como o facto de não ter um Serviço de Oncologia ou de Psiquiatria Comunitária. No primeiro caso, encaminha os doentes oncológicos da sua área de influência para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), obrigando estes utentes a deslocações permanentes. No segundo caso, coloca em risco a prestação de cuidados de saúde a muitos utentes psiquiátricos que deixam de ser acompanhados ou vêm os seus tratamentos descontinuados.
Com todos estes factos é cada vez mais evidente que aos defensores do Serviço Nacional de Saúde resta apenas uma solução: acabar com as PPP na Saúde. Essa é a posição defendida pelo Bloco de Esquerda. Existe nela algum preconceito ideológico? Não. Existe, isso sim, a intenção de construir um melhor SNS com melhores cuidados de saúde para os utentes.
Artigo publicado no jornal "Público" de 7 de fevereiro de 2017

Sobre o autor

Dirigente do Bloco de Esquerda. Psicólogo e mestrando em Psicologia da Formação Profissional e Aprendizagem ao Longo da Vida. Cabeça de lista do Bloco pelo círculo eleitoral de Aveiro