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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 30 de março de 2017

As ilusões revividas: o melancólico retorno dos órfãos da burguesia nacional no Brasil

Quinta, 30 de março de 2017
A globalização hegemonizou o domínio das burguesias centrais sobre os países periféricos e que a burguesia brasileira, por características históricas, está não só subordinada à dinâmica do grande capital internacional, como a ele está associada, além do fato de que em todos os momentos de crise se perfilou ao lado do imperialismo.
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Edmilson Costa*
As recentes denúncias de corrupção e promiscuidade entre o setor público e privado nas áreas de construção civil e petróleo e gás levantadas pela Operação Lava a Jato e, mais recentemente, as denúncias de uma série de irregularidades sanitárias na produção dos principais monopólios de processamento de carnes ressuscitaram um velho debate sobre o papel da burguesia nacional no País e trouxeram de volta os ingênuos defensores da chamada burguesia brasileira. Eles agora argumentam que as operações contra a corrupção e as fraudes contra esses grandes monopólios, realizadas pela Polícia Federal, procuradores e juízes, na verdade seriam uma ofensiva da política e da justiça para destruir as grandes empresas nacionais, justamente aquelas que são responsáveis por parcelas expressivas das exportações brasileiras. Haveria nesse processo uma aliança entre esses setores e os interesses do imperialismo para quebrar as empresas nacionais e possibilitar às corporações estrangeiras ocuparem os mercados deixados pelas empresas brasileiras.

É importante entendermos os meandros desse processo, o papel dessas corporações na economia e sua relação com os trabalhadores e os laços que existem entre o setor econômico e a política eleitoral para compreendermos o domínio do poder político exercido pelas classes dominantes no Brasil. O Brasil não é para amadores: para se compreender a complexidade da formação socioeconômica brasileira, os 300 anos de escravidão e sua influência ideológica sobre as classes dominantes, a industrialização tardia, a formação da mão-de-obra e constituição do proletariado urbano, a urbanização da sociedade e a formação das grandes metrópoles, o papel das camadas médias urbanas em sociedades complexas como a nossa, é preciso um estudo aprofundado da economia e das relações de produção no teatro de operações em que estamos atuando. Do contrário, reproduziremos velhos chavões do século passado, decalques societários que não têm nada a ver com a nossa experiência nem aderência com a realidade brasileira.
A discussão sobre o papel da burguesia nacional é antiga. Por décadas o PCB foi o principal formulador da necessidade de uma revolução nacional-democrática, em aliança com a burguesia nacional, pois imaginava que esta tinha contradições com o imperialismo. Também em meios intelectuais e acadêmicos essa tese tem larga aceitação. No entanto, o próprio PCB, no seu processo de reorganização, após a queda da União Soviética, realizou um profundo estudo sobre a realidade brasileira, as classes sociais e o Estado e rompeu com essa formulação, a partir da constatação de que a globalização hegemonizou o domínio das burguesias centrais sobre os países periféricos e que a burguesia brasileira, por características históricas, está não só subordinada à dinâmica do grande capital internacional, como a ele está associada, além do fato de que em todos os momentos de crise se perfilou ao lado do imperialismo.
O mais irônico desse processo é que organizações políticas, que antes criticavam o PCB como reformista, exatamente por sua posição em relação à burguesia nacional, agora são os principais entusiastas dessa tese, evidentemente sem o charme e a tradição política do velho Partidão. Amoldando-se à ordem capitalista, esses setores chegaram ao governo e praticaram ao longo de 13 anos a política de aliança com a burguesia. Foram descartados pela própria burguesia e amargaram uma derrota humilhante, mas parece que não compreenderam as lições da vida. Como num baile de máscara, procuram esquecer a realidade recente e retomar as velhas teses como se estivessem exercitando uma fantasia masoquista.
Um pouco de história não faz mal a ninguém
​Vale lembrar que, ao longo do período colonial, o Brasil foi uma colônia de exploração, com o monopólio do comércio pelos colonizadores, a proibição de construir indústria e a maioria absoluta da população analfabeta, o que representou mais de três séculos de riquezas saqueadas, atraso econômico e obscurantismo cultural. Só para lembrar: em 1540 o Peru já tinha universidade, enquanto no Brasil a primeira universidade só foi formada na década de 30 do século XX.  Os mais de 300 anos de escravidão deixaram marcas ideológicas profundas nas classes dominantes, cujos reflexos até hoje se manifestam no autoritarismo, na truculência e no desprezo dessas classes aos trabalhadores. Outra característica é que no Brasil o Estado tem a tradição de funcionar plenamente como um Comitê Central das classes dominantes e sempre procurou subjugar a população mediante a cooptação, quando esse método era possível, ou pela repressão, quando a cooptação não era factível, tudo isso no sentido de afastar as grandes massas das decisões econômicas e políticas.
Essas características se aliam ao fato de que, como assinalávamos em outro trabalho, a economia, desde os seus primórdios já nasceu integrada e subordinada aos circuitos do capital mercantilista internacional (Caio Prado, 2000). Formou-se uma classe dominante agrário-exportadora, conservadora, predatória, antindustrialista, dependente do Estado e subordinada aos centros do  capitalismo internacional, marcas que continuaram após a independência e a República. A escravidão e suas sequelas sociais retardaram a formação de um mercado de mão-de-obra assalariada nacional. O preconceito contra os trabalhadores brasileiros era tão forte que as classes dominantes decidiram por uma política de imigração de europeus, brancos, para trabalhar nas lavouras de café e, depois, nas pequenas indústrias que se formaram nas primeiras décadas do século XX.
O processo de industrialização brasileiro foi muito tardio: 300 anos depois da revolução burguesa na Inglaterra e cerca de 200 depois da revolução industrial. A revolução de 1930 abriu espaço para a industrialização e deslocou os setores agrário-exportadores para um segundo plano na economia, mas perdeu-se na conciliação com a velha ordem e não realizou sequer a reforma agrária. O processo de industrialização só se completou com o Plano de Metas, na segunda metade dos anos 50. Mas a industrialização brasileira completou-se quando a segunda revolução industrial estava madura (metalurgia, química, plásticos, etc), os monopólios dominavam a economia mundial, e iniciavam-se os primeiros passos da internacionalização da produção, período em que as empresas transnacionais passaram a produzir e extrair o valor foram de suas fronteiras nacionais. Além disso, essa industrialização foi realizada mediante a junção de três blocos de capitais: o capital privado nacional, o capital do Estado e o capital internacional, sendo que este último passou a controlar os setores mais dinâmicos da economia.

Outra singularidade socioeconômica brasileira é o fato de que a burguesia nacional nunca protagonizou uma revolução burguesa clássica, como a inglesa e a francesa. Cresceu e se desenvolveu a partir de laços orgânicos com o capitalismo internacional, sempre de maneira subordinada, o que a inviabilizou de lutar por um projeto nacional como as burguesias dos países centrais. Por exemplo: grande parte da burguesia industrial foi formada a partir da cadeia de produção da indústria automobilística e da dinâmica desse setor no conjunto da economia. Mesmo levando-se em conta que o Estado brasileiro foi o comandante-em-chefe do processo de industrialização, responsável pela construção da infraestrutura e das grandes empresas públicas produtoras de insumos, essas empresas e a infraestrutura estatal funcionaram muito mais no sentido de dar suporte ao processo de acumulação do capital privado nacional e internacional do que efetivamente de um projeto nacional.
O fim das ilusões com a burguesia nacional
Essa complexa formação e o grande papel do Estado na economia levaram muitos a pensar – inclusive o PCB durante várias décadas –, como já enfatizamos, que a burguesia brasileira tinha um papel a cumprir numa luta antimperialista e num processo de transformações sociais e distribuição de renda para a construção de um mercado de massas. Mas essas ilusões sobre um papel progressista da burguesia nacional foram sufocadas pelo golpe militar de 1964, quando esta burguesia se perfilou inteiramente com os golpistas e foi a construtora de um modelo econômico predatório, com repressão brutal aos trabalhadores, arrocho salarial e concentração de renda, processo que forjou uma economia de baixos salários, mantido e aprofundado nos governos pós-ditadura. Imaginava-se que as lições do golpe militar seriam compreendidas pela esquerda (afinal tratou-se da maior derrota dos setores populares na nossa história moderna) e que as ilusões com a burguesia nacional seriam sepultadas de uma vez por todas.
A globalização, com a internacional da produção e financeira, consolidou ainda mais o papel da grande burguesia dos países centrais sobre as nações periféricas, que passaram a interferir diretamente na formulação das políticas nacionais em função de seu peso econômico. Representou também a ampliação do domínio dos monopólios internacionais sobre as burguesias domésticas. Nessa nova conjuntura aumentou a subordinação dos capitais nacionais ao capital estrangeiro, que agora só podem se desenvolver se estiverem ligados aos circuitos do mercado de produtos e ao mercado financeiro internacional, todos controlados com mão de ferro pelas grandes empresas transnacionais. Nessas novas condições, o capital doméstico ampliou sua associação com o capital internacional para se aproveitar das sinergias do sócio maior e aumentar seus lucros.
As mudanças que ocorreram no capitalismo mundial, no final dos anos 70, início dos anos 80, a partir da emergência dos governos Tatcher e Reagan, impactaram de maneira profunda o processo de acumulação mundial, as relações econômicas internacionais, com o advento do monetarismo, e a ampliação do domínio do capital internacional, especialmente o setor financeiro. A partir dos anos 90, o neoliberalismo se tornou a ideologia hegemônica no mundo capitalista, reestruturando e reorganizando a economia mundial sob o domínio do polo financeiro do grande capital. A partir das sinalizações da economia norte-americana, todas as economias foram abrindo seus mercados, desregulamentando as finanças, desmantelando as regulamentações trabalhistas, reduzindo salários, privatizando as empresas públicas, o que aumentou ainda mais o domínio do capital internacional nos países da periferia.
Apesar de implementada em praticamente todos os países capitalistas, nos anos 80 não existiam as condições políticas para a implantação do neoliberalismo no Brasil. Nos primeiros cinco anos da década, a ditadura estava nos seus estertores e não tinha força para realizar a política neoliberal. Na segunda metade dos anos 80, o movimento de massas ainda em ascenção e em luta pela Assembleia Constituinte tinha força suficiente para inviabilizar a implementação das políticas neoliberais. Portanto, apesar de a década de 80 ser considerada como os anos perdidos, a luta de classes não permitiu que o neoliberalismo fosse implantado no País. Somente com a derrota de Lula e a eleição de Fernando Collor em 1989 foi possível à burguesia iniciar a implantação do Consenso de Washington, síntese da política neoliberal. Mas Collor ficou apenas dois anos no governo e foi deposto em função da corrupção em seu governo e do grande movimento de massas pelo seu impeachment. Somente com a implantação do Plano Real, a eleição de Fernando Henrique e a unificação da burguesia em torno de seu governo foi possível a implantação plena do projeto neoliberal.
O governo FHC, aproveitando-se da popularidade do Plano Real, desenvolveu uma radical e fulminante política neoliberal no País. Reformou a Constituição para favorecer o capital estrangeiro e permitir a desregulamentação da economia, liberalizou o fluxo internacional de capitais, atacou os direitos dos trabalhadores, combateu ferrenhamente as greves e realizou um radical programa de privatizações que praticamente transferiu para o setor privado a grande maioria dos setores da economia até então públicos. Foram privatizados todos os bancos estaduais, todo o setor de siderurgia, telecomunicações, petroquímico, setor elétrico, infraestrutura, entre outros, restando apenas a Petrobras, que o governo não teve força para privatizar, apesar das tentativas, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Mesmo assim os dois últimos salvaram-se bastante fragilizados, uma vez que, através da venda de suas ações, o setor privado passou a ter grande influência na governança dessas empresas.
No bojo da ofensiva neoliberal e abertura da economia, uma parcela expressiva das empresas de capital doméstico foi adquirida pelo capital estrangeiro ou a ele se associou. Muitos de seus antigos donos foram viver de rendas proporcionadas pela ciranda financeira e pelos juros obscenos que até hoje são praticados na economia brasileira. A abertura da economia quebrou praticamente todo o setor de autopeças, parte do setor eletro-eletrônico, brinquedos, calçados, entre outros, e as fusões e aquisições completaram o processo. A política neoliberal significou o dobre de finados para as ilusões dos ingênuos defensores da burguesia nacional. Se a chamada burguesia nacional já vinha sendo reduzida com o movimento do capital internacional, com a globalização, o neoliberalismo e as privatizações do governo FHC, seu papel econômico se tornou ainda mais frágil e sua subordinação ao capital estrangeiro muito maior.
“Para se ter uma ideia, o processo de fusões e aquisições, a maior parte comandada pelo capital internacional, foi intenso. Entre 1994 e 2006 ocorreram 415 fusões e aquisições nos setores de alimentos, bebidas e fumo; 308 no setor de tecnologia das informações; 282 no setor de telecomunicações; 217 no setor de energia elétrica; 208 no setor de metalurgia; 167 na área petroquímica; 158 no setor petrolífero; 108 no setor de peças automotivas e 100 no setor eletrônico. Se observarmos o Investimento Direto Externo (IDE), entre 1994, inicio do governo FHC, e 2000, o IDE cresceu da seguinte forma: em 1994 era de U$ 2,4 bilhões; passou para U$ 10,7 bilhões em 1996; U$ 18,9 bilhões em 1997; U$ 28,8 bilhões em 1998; e 32,7 bilhões em 2000. Ressalte-se que o IDE, com a emergência do neoliberalismo, ganhou novos contornos, uma vez que a  maior parte desses investimentos vieram para alavancar as fusões e aquisições no Brasil (Costa e Manzano, 2007)”.

O governo Lula e as “campeãs nacionais”
Como os romeiros em procissão, os órfãos da burguesia nacional sempre esperam um milagre para atenuar suas agruras e aflições. O governo Lula, especialmente no segundo mandato, significou para esses setores uma espécie de emergência da terra prometida. Com abundantes recursos subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDEs), desenvolveu-se uma intensa política de fortalecimento das empresas nacionais, visando construir as chamadas campeãs nacionais, cujo objetivo era articular um processo de fusões e aquisições desses grupos nacionais, tornando-os grandes players globais, com economias de escala e sinergias que lhes proporcionassem músculos suficientes para realizar competitividade internacional, especialmente em nichos de mercado da periferia capitalista. Mediante uma política de estímulo e revigoramento de setores industriais, a Petrobrás entrou em campo para apoiar setores industriais, mediante política de compras junto a empresas nacionais, bem como programas governamentais de habitação e prospecção de negócios via Itamaraty fortaleceram as grandes empresas do setor da construção civil.
Muitos desses grupos do setor privado, que se conglomeraram a partir de financiamentos praticamente a custo zero do BNDES, adquiriram expressiva atuação internacional. As empresas de construção civil ampliaram sua atuação no mercado externo, que já existia antes desses estímulos; o setor de carnes transformou o Brasil num dos líderes da exportação mundial. Empresas de outros setores também se multinacionalizaram. O agronegócio, também com vastos créditos subsidiados e desrespeito ao meio ambiente, aos direitos dos trabalhadores e trabalho escravo, expulsão de ribeirinhos e quilombolas de suas terras originárias, parecia a redenção nacional com os recordes de exportação de commodities. Seu marketing agressivo veiculava diariamente as vantagens do agronegócio: “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”, praticamente buscando reviver o velho sonho das elites agrário-exportadoras, que nunca se conformaram com a industrialização do País.
Mas a grande ironia do destino e certo constrangimento para os órfãos da burguesia nacional foi a crise política que veio embaraçar as ilusões em relação à burguesia nacional. Com a crise econômica mundial e suas repercussões no Brasil, essa mesma burguesia, tão mimada com créditos subsidiados do BNDEs e que tanto  lucro obteve no governo Lula, resolveu apear o PT do poder e descartá-lo como um bagaço de laranja quando este já não servia mais plenamente aos seus interesses. Primeiro, não estava mais conseguindo administrar bem o capitalismo e levou o país à recessão e ao desemprego. Segundo, também já não conseguia conter as massas, afinal as jornadas de junho de 2013, que envolveram milhões de pessoas em cerca de 600 cidades do Brasil, foram realizadas por fora da influência do PT e da CUT e seus instrumentos de cooptação. Além disso, como a burguesia necessitava de um ajuste rápido e profundo, e o PT só poderia fazê-lo de maneira lenta e gradual em função de sua base política, esse partido já não servia mais diante da gravidade da crise. Por isso, a burguesia o substituiu por um governo puro sangue. Suprema ingratidão, imaginam os órfãos constrangidos.
Mas a luta de classes é assim mesmo: quem dorme com o inimigo pode acordar morto, ou quase. Os 13 anos de política de conciliação de classes e de alianças com a burguesia parece que não foram suficientes para convencer os órfãos de que esse tipo de aliança, em função do nível de desenvolvimento do capitalismo, dos interesses de classe da burguesia brasileira e de seus vínculos com o capital internacional, só levarão a derrotas sucessivas. Eles imaginavam que a chamada estratégia democrático-popular, agora derrotada, era o instrumento que possibilitaria as mudanças no País. Esperavam ingenuamente que as alianças com a burguesia iriam fortalecê-los e lhes possibilitaria acumular forças a um ponto tal que poderiam mudar a correlação de forças e realizar as transformações. Esqueceram que todos os setores progressistas que se aliaram com a burguesia no Brasil foram absorvidos, humilhados e derrotados pela própria burguesia.

O que está efetivamente acontecendo?
Esse processo desencadeado pela Justiça, com as denúncias de corrupção, prisões, delações premiadas, divulgação seletiva e mesmo favorecimento a figuras expressivas da política nacional, veio demonstrar de forma didática para a população a podridão das instituições brasileiras, as artimanhas do setor privado para ganhar contratos, influenciar nas políticas governamentais e aumentar seus lucros. Bem revelou ainda a promiscuidade entre as grandes empresas privadas e as representações políticas no Parlamento e no Executivo. Evidentemente que no curso dessas operações se cometeram abusos e desrespeito às normas construídas pela própria burguesia. Mas agora está claro para todos que praticamente ninguém se elege no Brasil se não fizer parte dos esquemas de suborno e caixa dois das grandes empresas. Está claro por que as campanhas eleitorais do Executivo custam cerca 300 milhões de reais (U$ 100 milhões), e um deputado federal não consegue se eleger se não gastar entre 5 e 10 milhões de reais. Está ainda mais cristalino que o poder econômico é quem efetivamente elege deputados, senadores e presidentes. Estes não são representantes do povo, mas lobistas da burguesia para defender seus interesses.
É evidente que os esquemas de corrupção montados na Petrobras, por exemplo, causaram danos à imagem nacional e internacional da empresa. Após os julgamentos e prisões, a estatal deverá seguir seu rumo e recuperar sua imagem. Mas esta não é a questão principal: o problema não é a empresa ser estatal, mas sua direção ter sido capturada pelos esquemas de corrupção das quadrilhas que compõem as instituições brasileiras. Todos os executivos pegos com a boca na botija foram nomeados por partidos políticos, ou da base aliada do governo e até mesmo da oposição, exatamente para executar os esquemas de corrupção. Que os velhos partidos sejam useiros e vezeiros nessas práticas políticas já era de se esperar. Mas o PT, que nasceu das lutas operárias, que era crítico feroz das bandalheiras institucionais (Lula quando era deputado chegou a dizer que lá no Congresso existiam 300 picaretas), se enlamear nesses esquemas de corrupção e transformá-los em parte constitutiva de sua ação política é uma traição aos milhões de operários e trabalhadores que se levantaram no final dos anos 70 e início dos anos 80 contra os patrões e a ditadura.
É claro também que as denúncias dos esquemas de corrupção e o envolvimento até o tutano das principais construtoras do País nessa promiscuidade, tanto no Brasil quanto no exterior, provocam certos danos aos negócios dessas corporações. Mas esses danos não eliminam a experiência, a tecnologia acumulada e a expertise dessas corporações. Resolvidos os problemas judiciais, elas voltarão ao mercado, retomarão seus negócios. A prisão de um ou outro diretor não as deixam menos capazes de construir grandes obras, participar e ganhar concorrências nacionais e internacionais como faziam antes das denúncias. Portanto, as denúncias foram positivas,  pois obrigarão essas empresas a melhorar suas práticas de governança, muito embora não se possa ser ingênuo e imaginar que a corrupção irá se acabar com essas denúncias. A corrupção é própria da gênese da concorrência e, portanto, do capitalismo.
Já o escândalo das grandes corporações produtoras e processadoras de carnes tem uma conotação mais grave. A questão principal é que todos nós ficamos sabendo estarrecidos das práticas inescrupulosas das empresas denunciadas, do desprezo com que os diretores dessas empresas lidam com a saúde da população e da ganância do capital que, para aumentar seus lucros, vende carne podre para a população, maquia carne vencida e corrompe funcionários públicos para encobrir seus crimes. Vender produtos desse tipo é o mesmo que vender remédio adulterado. Esses meliantes, do fiscal corrupto ao diretor, devem ser punidos exemplarmente. Com relação à imagem da empresa e o impacto nos seus negócios é evidente que num primeiro momento terá algum impacto negativo, mas, com transparência e fiscalização rigorosa, nacional e internacional e novas práticas de controle, essas empresas retomarão seus negócios internos e externos.
O que não se pode é cair na armadilha de transformar essas empresas num patrimônio nacional, que deva ser defendido diante de um imaginário inimigo externo que está conspirando para tomar seus mercados, esquecendo-se das práticas criminosas que vinham realizando contra a economia nacional e a população. Não se pode também esquecer que essas empresas pertencem ao grande capital e seus proprietários têm como objetivo a maximização dos lucros. As empresas do setor de carnes são responsáveis pela superexploração, intoxicação e mutilação dos trabalhadores, perseguição de sindicalistas e demissão daqueles que lutam por seus direitos. São ainda campeãs de acidentes de trabalho, realizam jornadas extenuantes e pagam baixos salários. Até mesmo na Petrobras uma parcela expressiva da mão de obra é terceirizada, recebem baixos salários e não tem os mesmos direitos que os ligados diretamente à empresa.
Nenhuma lágrima para a burguesia nacional
Portanto, torna-se incompreensível a choradeira dos órfãos da burguesia nacional diante dos acontecimentos recentes com essas corporações. Parece que esse pessoal está com a síndrome de Estocolmo ou age como aquele apaixonado alucinado que sofre e mais quer sofrer. Que os integrantes dos governos petistas que realizaram as mais espúrias alianças de classes continuem querendo se iludir, até se compreende. Mas ver os companheiros que se mantiveram na resistência virem à cena defender essas empresas e atribuir à operação da Polícia Federal uma conspiração para destruir esse setor da economia nacional é não só uma insensatez como sério indício de que perderam a perspectiva de classe.
A burguesia nacional brasileira não merece nenhuma lágrima e nenhuma solidariedade. Esse setor que hoje está na berlinda é o principal financiador da bancada ruralista, a mesma que defende as pautas mais conservadoras, os latifundiários, pratica o trabalho escravo, toma as terras dos camponeses e polui o meio ambiente. O que as investigações desnudaram foram as práticas criminosas desses monopólios contra a saúde da população para a ampliação de seus lucros. Para realizar essas falcatruas, corrompem agentes públicos de fiscalização, trocam fiscais quando estes não se dobravam às práticas inescrupulosas e montam lobbys no Parlamento para defender seus interesses. Se esses senhores não levam em conta sequer a saúde da população, como imaginá-los defensores dos interesses nacionais? Santa ingenuidade!
Não se pode também confundir a soberania nacional com os interesses dos empresários gananciosos, nem esquecer que os trabalhadores desses frigoríficos, além de trabalhar em precárias condições, recebem um salário de miséria. Também não se pode cair no conto de que a operação desenvolvida pela Polícia Federal destrói esse setor da economia. Ressalte-se que 80% da produção total desses monopólios são vendidos no mercado interno e só 20% são destinados à exportação. Portanto, quem está sendo mais prejudicado com as práticas sujas desses monopólios é a população brasileira, que consome um produto de péssima qualidade imaginando que aquilo que come está de acordo com as boas práticas sanitárias. Pode ser que existam ainda mais falcatruas e que o que foi descoberto seja apenas a ponta do iceberg das sujeiras desse setor.
Mas esse não é também o centro da questão: o problema mais relevante é o fato de que, por trás dessa choradeira em defesa da burguesia nacional, está um projeto político que já fracassou historicamente e agora quer voltar à cena com as mesmas alianças que a vida demonstrou ser um projeto sem futuro. A política de conciliação de classes e alianças com a burguesia é a principal responsável pela tragédia social e política que estamos atravessando. Foram suas traições, erros e vacilações que possibilitaram e emergência desse governo que está aí. Nos tempos de governo petista desarmou-se os trabalhadores para a luta, cooptou-se o movimento social, despolitizou-se a juventude. O resultado dessa trajetória é o governo usurpador de Michel Temer.
Querer reviver uma política que a vida já demonstrou fracassada é impor aos trabalhadores um novo período de derrotas. A burguesia brasileira, sócia e aliada do imperialismo, e o grande capital internacional são os principais inimigos do povo brasileiro e, especialmente, dos trabalhadores e da juventude. Portanto, é uma fantasia masoquista, uma quimera que só existe na imaginação dos saudosistas dos anos 50 do século passado, imaginar que essa classe possa desempenhar qualquer papel progressista na conjuntura brasileira. Essa burguesia está umbilicalmente associada ao capital internacional, subordinada aos seus interesses, e tem no proletariado brasileiro seu principal inimigo porque sabe que um levante social, nas condições de um capitalismo em desenvolvimento como no Brasil, o passo seguinte será a transição para uma sociedade socialista, com a expropriação de todos os seus bens.
Basta de ingenuidade, mistificação e esperteza. A hora é juntar forças tendo como núcleo central o campo proletário, de forma a que possamos reverter o domínio burguês e construir o Poder Popular.
*Edmilson Costa é Secretário Geral do PCB