Sexta, 24 de março de 2017
Do MPT
Em nota pública, entidade diz que além da precarização do trabalho, terceirização agravará a crise econômica e contribuirá para o desemprego
Nota pública da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)
A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT),
entidade que congrega os membros do Ministério Público do Trabalho (MPT)
de todo o país, vem a público, tendo em vista a aprovação, na data de
ontem, pela Câmara dos Deputados do PL 4.302/1998, que libera a
terceirização para todas as atividades, sem quaisquer garantias para os
trabalhadores, expor sua posição oficial sobre os efeitos que referido
projeto de lei trará ao país e às relações de trabalho no Brasil, caso
venha a ser sancionado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da
República.
É certo que, atualmente, o Estado Brasileiro já vive um estágio de
hiperterceirização, com mais de 12 milhões de trabalhadores
terceirizados, o que equivale a cerca de 27% do número total de
trabalhadores com contrato de trabalho formalizado. Com a aprovação do
PL nº 4.302/1998, a regra será o trabalhador ser terceirizado,
invertendo toda a lógica bilateral-protetiva do Direito do Trabalho.
Ao contrário do alegado pelos seus defensores, o incremento da
terceirização agravará a crise econômica vivenciada pelo nosso país e
contribuirá sobremaneira para o aumento dos índices de desemprego no
Brasil, hoje em torno de 13 milhões de pessoas, pois se sabe que os
trabalhadores terceirizados enfrentam uma maior rotatividade no emprego,
com tempo médio de permanência no trabalho de 2,6 anos, enquanto os
trabalhadores diretos ficam, em média, 5,8 anos no mesmo posto.
É público e notório que a terceirização, de um modo geral, tem causado a
degradação das relações de trabalho no Brasil, com redução
significativa dos direitos dos trabalhadores e da qualidade do emprego. A
estratégia de otimização dos lucros mediante a terceirização está
fortemente baseada na precarização do trabalho. A presença de um
terceiro, no caso a empresa terceirizada, entre a empresa
tomadora-contratante e o trabalhador, certamente gerará uma
significativa redução de salários e benefícios e de investimentos em
qualificação profissional e em saúde e segurança do trabalho, tendo em
vista que ambas as empresas terão que obter lucro nessa relação
trilateral, que só acontecerá à custa dos direitos dos trabalhadores
terceirizados, fato que causará certamente o empobrecimento geral da
classe trabalhadora e uma ainda maior concentração de renda no nosso
país.
Dentre seus principais efeitos danosos para os
trabalhadores brasileiros encontram-se o descaso com as condições de
saúde e segurança no trabalho, a redução de direitos, a exigência de
jornadas excessivas ou superiores aos limites legais, a maior
rotatividade no emprego e a dispersão e falta da representatividade
sindical.
Os acidentes e as mortes no trabalho são a faceta mais terrível da
terceirização no país. Dados estatísticos comprovam que os trabalhadores
terceirizados estão muitos mais sujeitos a infortúnios no local de
trabalho do que os trabalhadores contratados diretamente. De cada 10
acidentes de trabalho, 8 acontecem com terceirizados; de cada 5 mortes
por acidente de trabalho, 4 são de terceirizados. A falta de
investimento em segurança e de treinamento e a pouca capacidade técnica e
econômica das empresas contratadas são os principais fatores. Setores
como o da construção civil, o petrolífero e o elétrico estão dentre os
campeões de acidentes de trabalho entre terceirizados. Apenas em 2011,
das 79 mortes corridas no setor elétrico, 61 foram de trabalhadores de
empresas terceirizadas (dados da Fundação Comitê de Gestão Empresaria -
COGE). Esses números alarmantes impactam profundamente nos cofres do
Sistema Único de Saúde e da Previdência Social, gerando gastos com
atendimentos hospitalares e com pagamento de benefícios previdenciários,
impactando negativamente todo o sistema de Seguridade Social.
Além de estarem muito mais sujeitos a acidentes e mortes no trabalho, o
tratamento discriminatório conhecidamente dispensado aos trabalhadores
terceirizados faz com que a remuneração destes seja, em geral, bastante
inferior àquela paga aos trabalhadores diretos (em média, 25 a 30% a
menos), mesmo quando estes possuem a mesma qualificação acadêmica dos
não terceirizados.
Não bastasse a remuneração bem menor, os trabalhadores
terceirizados realizam uma jornada de trabalho semanal de 3 horas a mais
do que os trabalhadores diretos.
Além de todos esses prejuízos sociais, a terceirização
indiscriminada, liberada com a aprovação do PL 4.302, trará como
consequência, caso não vetada, a não inclusão social de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, vez que com a pulverização do
desenvolvimento das atividades da empresa tomadora mediante contratação
de empresas terceirizadas, haverá muito menos empresas com mais de 100
funcionários, aquelas que, por força do art. 93 da Lei nº 8.213/1193,
tem a obrigação legal de contratar pessoas com deficiência, o que gerará
ainda mais exclusão social a esses cidadãos.
Não bastassem esses efeitos maléficos para os trabalhadores, ao permitir
a terceirização sem quaisquer limites e garantias, o PL 4.302 agravará
ainda mais a crise econômica e de arrecadação do Estado, pois, ao
permitir a redução material de direitos e benefícios, mediante a
diminuição significativa da renda do trabalhador, acarretará a redução
da arrecadação de impostos. Além do mais, o projeto trará como
consequência o aumento da sonegação fiscal e do não recolhimento de
impostos, tendo em vista ser comum que as empresas terceirizadas, por
não possuírem, em geral, uma razoável capacidade econômica, acabam por
não honrar todos os compromissos fiscais, trabalhistas e
previdenciários.
A aprovação do PL 4302 também permitirá a terceirização irrestrita no
serviço público, em clara burla à regra constitucional do concurso
público, o que trará, sobremaneira, uma diminuição da eficiência do
Estado, já tão deficiente na prestação de serviços, vez que se sabe que,
em muitas das vezes, o trabalhador passa a prestar serviços para o
Estado com o pagamento de alguma “dívida” de campanha, sendo seu
compromisso como seu padrinho político, em detrimento do interesse
público. Fora isso, há casos em que a terceirização no serviço público
tem sido utilizada para irrigar campanhas de políticos como uma “troca”
pelo fechamento de contratos com o Poder Público, situações que
possivelmente aumentarão nesse novo cenário.
Assim, considerando a experiência e a forte atuação da ANPT, do MPT e
dos seus procuradores no âmbito da terceirização, não há dúvidas de que a
aprovação do PL nº 4.302/1998, ou seja, liberando a terceirização para
quaisquer das atividades das empresas e do Estado, incrementará os
índices de desemprego no Brasil, possibilitará a redução material de
direitos dos trabalhadores brasileiros, dentre eles remuneração e
benefícios, e, sobretudo, aumentará os índices de acidentes de trabalho,
inclusive fatais, e de doenças ocupacionais no Brasil, o que
representará imenso retrocesso social para nosso país, expandindo a
desigualdade social presente na sociedade brasileira.
Ante todas essas razões, cabe à Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho, entidade representativa dos membros do Ministério Público do
Trabalho, órgão constitucional incumbido da defesa da ordem jurídica
trabalhista e dos direitos sociais e individuais indisponíveis dos
trabalhadores alertar o Excelentíssimo Senhor Presidente da República
das consequências nefastas que o texto do PL 4.302 acarretará ao Brasil e
a seu povo, conclamando Sua Excelência a vetar integralmente o referido
projeto de lei, preservando, com isso, a dignidade e a vida do
trabalhador brasileiro e o valor social do trabalho, fundamentos
basilares da República Federativa do Brasil.
Brasília-DF, 23 de março de 2017.
Ângelo Fabiano Farias da Costa
Presidente da ANPT
Ana Cláudia Rodrigues Bandeira Monteiro
Vice-Presidente da ANPT