Sexta, 24 de março de 2017
"Como é que vai acabar com a grilagem se os deputados e outros políticos são os primeiros fomentadores dessa indústria? Toda eleição, os candidatos se apressam em prometer a regularização das terras invadidas"
Da CLDF
Pressão demográfica ameaça reservatórios no DF
Em meio às comemorações pela passagem do Dia Mundial da Água (22 de
março), a Câmara Legislativa do Distrito Federal promoveu na manhã desta
sexta-feira (24) uma audiência pública para debater o uso da água no
DF. A crise hídrica e o racionamento dominaram as manifestações durante o
debate, que contou com a participação de ambientalistas, lideranças
comunitárias e autoridades ligadas ao tema.
A audiência foi uma iniciativa do presidente da Casa, deputado Joe
Valle (PDT), que defendeu o diálogo com a população, pesquisadores,
ambientalistas e o governo para buscar alternativas para o enfrentamento
da crise hídrica no Distrito Federal. Valle destacou que das 45 leis de
sua autoria, 10 estão relacionadas com a preservação da água e o
consumo consciente.
Na Câmara, 30 leis tratam direta ou indiretamente da preservação e
gestão dos recursos hídricos no DF. O presidente também ressaltou que
este ano foi criado um grupo de trabalho da Frente Parlamentar
Ambientalista, coordenado pelo deputado Chico Leite (Rede), que está
trabalhando em busca de soluções e articulando com diversos órgãos do
GDF saídas para a crise.
Ocupação territorial – A grilagem de terras, a
ocupação desordenada do solo e a expansão da urbanização sobre a área
rural foram apontadas como desafios para a questão hídrica no DF.
O secretário de Agricultura, José Guilherme Leal, foi enfático na
defesa da preservação e manutenção das áreas rurais, que permitem tanto o
aproveitamento do solo como armazenador de água como a preservação dos
mananciais.
"É preciso retomar o planejamento da ocupação do território. Se
ficarmos correndo atrás do parcelamento irregular, essa crise não vai
ter solução", reforçou. O secretário defendeu a gestão do território com
participação social, a melhoria de práticas agrícolas e a construção de
planos de uso eficiente da água em órgãos públicos, residências,
comércio e demais setores.
Para o hidrólogo Jorge Werneck, da Embrapa Cerrados, o Brasil como um
todo está crescendo de forma "errada", adensando a população urbana e
sobrecarregando o abastecimento das cidades. "Temos um problema de base:
quantas pessoas cabem no DF? A população tem crescido duas vezes mais
que no restante do País", apontou, argumentando em prol de um equilíbrio
sócioespacial.
Discurso semelhante foi feito por Argileu Martins, da Emater. "Não
temos produção de água para 4 milhões de pessoas", cogitou. Ele disse
ainda ter visitado a foz do Descoberto e constatado muito assoreamento,
gerado ao longo de décadas. E elogiou a intenção da Câmara de compilar o
conjunto de leis que tratam da questão hídrica no DF para
transformá-las em políticas públicas.
Críticas – José Gurgel, do Fórum Permanente de Defesa
do Parque do Guará, abordou as dificuldades para o enfrentamento da
grilagem de terras no DF. "Como é que vai acabar com a grilagem se os
deputados e outros políticos são os primeiros fomentadores dessa
indústria? Toda eleição, os candidatos se apressam em prometer a
regularização das terras invadidas", criticou ele.
A representante da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente Marta Eliana
acredita que é necessário atacar as causas do problema, sob o risco de
"ficarmos enxugando gelo". Segundo ela, a promotoria também realizou uma
audiência pública recentemente e está elaborando um documento com
sugestões para resolver a crise. Entre outros pontos, a promotora
defendeu a gestão da ocupação dos territórios com critérios de
sustentabilidade, a consulta às comunidades e uma mudança na cultura das
pessoas que compram lotes sem documentação.
Desperdício – Cleidimar da Silva, da Associação de
Carregadores do Ceasa, contou que sua instituição apresentou um projeto
de gestão eficiente e empreendedora para as diretorias da Ceasa e da
Emater, que não demonstraram interesse em suas ideias. De acordo com
ele, o desperdício de água na Ceasa é muito grande e mudanças simples,
como o reaproveitamento da água para limpeza dos pátios, reduziriam o
consumo de água. No entanto, segundo ele, as diretorias não demonstraram
interesse em ouvir as ideias dos carregadores, "por preconceito".
Clecius Oliveira, também do fórum do Guará, disse que já participou de
seis audiências públicas sobre o assunto recentemente e sempre fica
desapontando. "Quando começou a se falar em falta de água em Brasília,
me lembrei da indústria da seca lá do Nordeste, pois a única coisa que
se propõe aqui é a criação de taxas para aumentar a arrecadação",
criticou.
Denúncias – Durante a audiência, Bruno Marra, do
projeto Cerrado Virtual, apresentou uma denúncia em nome de 100 famílias
humildes do quilômetro 8,5 de Sobradinho dos Melos, "guardiões de 50
nascentes que desembocam no Rio São Bartolomeu". Marra informou que um
frigorífico da região está contaminando as nascentes e o córrego
Fazendinha. Ele cobrou ações do poder público.
Já Denise Fortuna, da Associação de Moradores de Arniqueiras, disse que
ações de grileiros estão "matando" a nascente localizada em Área de
Preservação Permanente (APP), na região. Segundo contou, eles têm
desmatado a mata ciliar e jogado entulhos no local, preservado pelos
moradores das chácaras vizinhas.
Outra denúncia feita na audiência diz respeito a uma ação do próprio
governo do Distrito Federal: o aterro sanitário de Samambaia. O morador
da região administrativa Joel dos Santos acusou o GDF de ter colocado
gaiolas de cascalho em cima de nascentes e de ter derrubado os
buritizeiros para implantar o aterro. "O aterro foi colocado em local
errado. O governo está tampando as nascentes e depois quer cobrar tarifa
de contingenciamento", reclamou.
Já o professor Adolfo Furica chamou a atenção para o risco de extinção
do bioma cerrado, que já sofre com várias plantas e animais praticamente
extintos. Ele cobrou maior investimento em educação ambiental e
criticou os gastos com propaganda que, na avaliação dele, não dão nenhum
resultado.
Sugestões – O presidente Joe Valle (PDT) elencou uma série de sugestões para o enfrentamento da crise:
- A Caesb precisa instituir um programa de combate a perdas de água do sistema;
- Total transparência da Adasa e da Caesb dos dados referentes a situação hídrica;
- Dar especial atenção ao reuso de águas servidas e a captação e aproveitamento de água da chuva;
- Investimento em ações efetivas de educação ambiental e campanhas pelo uso consciente da água;
- Combate da grilagem de terras.
Ideias semelhantes foram apresentadas por outros participantes da
audiência pública. O secretário de Cultura de Valparaíso de Goiás,
Ricardo Viana, por exemplo, frisou a necessidade de educação ambiental
como política pública e não só como formação escolar. Ele defendeu,
ainda, a inclusão dos municípios goianos e mineiros no debate, que afeta
todos da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e
Entorno (Ride).
Já o engenheiro ambiental Gustavo Lima pregou a necessidade de se
avançar rumo ao reuso das chamadas águas cinzas – aquelas resultantes de
processos não industriais. Ele citou caso bem sucedido de um projeto
implantado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pela Saneago com
reuso, captação de águas da chuva e hidrometração individualizada num
edifício em Goiânia. Segundo informou, o prédio reduziu em 60% a
captação de água da rede.
Diversos participantes da audiência apontaram também o Projeto Produtor
de Água, implantado na Bacia do Pipiripau, como exemplo a ser replicado
em outras áreas do DF. A iniciativa trabalha com o pagamento por
serviços ambientais voltados à proteção hídrica, de forma a combater a
erosão e o assoreamento de mananciais e melhorar a qualidade e a oferta
de água.
Chuvas – De acordo com o diretor-presidente da Adasa,
Paulo Salles, a precipitação registrada este ano está abaixo do nível de
anos anteriores. "E há acúmulo de carência nos últimos três anos",
acrescentou.
Paulo Salles explicou algumas medidas implementadas pela agência
reguladora em resposta à crise. Entre elas estão 132 ações de
fiscalização do uso da água na Bacia do Descoberto e a alocação
negociada da captação, o que resultou na redução de captação de 2 mil
litros de água por segundo, de acordo com Salles.
O presidente da Adasa adiantou, ainda, que o reuso de água está em
discussão junto à Universidade de Brasília (UnB) e que também está sendo
estudado um programa de captação de água da chuva.
Com relação à educação ambiental, Paulo Salles destacou a implementação
do projeto Adasa nas Escolas, que envolveu a participação de 40 mil
estudantes em 2016.
Além disso, foram destacados avanços na área de monitoramento hídrico e
de informações. "Com isso, será possível avaliar os resultados das
ações", concluiu Salles.
Denise Caputo e Luís Cláudio Alves - Coordenadoria de Comunicação Social