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(Millôr Fernandes)

sábado, 4 de março de 2017

O governo Temer sob a ameaça da solidão

Sábado, 4 de março de 2017

O governo Temer sob a ameaça da solidão


Quase só: o presidente Michel Temer no Planalto. Seu núcleo de confiança se reduziu a um ministro – Moreira Franco, também ameaçado pela Lava Jato.

Fontes: 
Por BRUNO BOGHOSSIAN-Revista Época
Blog do Sombra

O afastamento de Eliseu Padilha deixa claro que a Lava Jato pode enfraquecer o governo Temer no momento em que muitos acreditavam na recuperação.
Na primeira metade de dezembro, quando começaram a ser revelados os primeiros detalhes da delação de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, o então assessor especial José Yunes procurou auxiliares do presidente Michel Temer para avisar que procuraria o Ministério Púbico Federal e prestaria um depoimento. Dizia que seus advogados recomendavam que ele se antecipasse à provável investigação que seria iniciada a partir da declaração do ex-executivo da empreiteira, de que ele havia recebido, em seu escritório em São Paulo, um envelope com R$ 4 milhões durante a campanha eleitoral de 2014. Aborrecido, Yunes dizia aos interlocutores de Temer que não havia negociado nenhum repasse financeiro com a Odebrecht e que só recebeu o envelope por solicitação de Eliseu Padilha, então ministro do governo Dilma Rousseff e hoje ministro-chefe da Casa Civil.
Yunes acabou demovido da ideia naquela ocasião, após muita conversa. Aliados o convenceram de que corria o risco de revelar aos investigadores mais do que eles sabiam e até cair em contradição, já que a delação da Odebrecht não era completamente conhecida. Dias depois, Yunes pediu demissão do cargo de assessor especial. O assunto ficou engavetado, mas o episódio revelou que os primeiros vazamentos da megadelação da Odebrecht deixavam uma espada prestes a cair sobre as cabeças dos principais nomes do governo Temer. Em fevereiro, Yunes procurou o presidente para avisar que decidira falar aos procuradores. Ficou acertado que Temer seria isentado de qualquer participação no episódio e que a responsabilidade pelo tal pacote seria atribuída exclusivamente a Padilha. A espada começou a cair.
Nos últimos três meses, a Lava Jato e outras suspeitas de corrupção têm movimentado o mercado imobiliário do Palácio do Planalto. Ocupantes dos principais endereços da sede do governo, a poucos passos do gabinete presidencial, foram despejados e substituídos. A última baixa – por ora temporária – foi o afastamento de Padilha do principal ministério do governo, responsável pela linha de frente política do Planalto, para uma cirurgia na próstata. Seu retorno permanece incerto, tanto pelas complicações médicas quanto pela iminência de que as declarações de Yunes sejam comprovadas quando a Procuradoria-Geral da República solicitar a abertura de um inquérito sobre o caso, provavelmente nesta semana.
Temer passou a enfrentar um sensível vazio operacional em sua vizinhança e se viu obrigado a se afastar de boa parte de seus principais conselheiros em um momento crucial da gestão: em um ponto estratégico da tramitação da reforma da Previdência no Congresso e diante dos primeiros sinais de recuperação da economia, após uma longa recessão. Quando o governo parecia ganhar fôlego, corre o risco de afundar nas águas caudalosas da Lava Jato. Em um momento como este, faz uma diferença enorme para Temer que os suspeitos de corrupção não sejam mais inquilinos de gabinetes na Esplanada ou no Planalto.
Um bom exemplo ocorreu na semana passada, quando o ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, também do PMDB, admitiu à Justiça manter uma conta na Suíça, como as investigações da Lava Jato descobriram meses atrás. Os procuradores suspeitam que foi nessa conta que Alves recebeu propina da empreiteira Carioca Engenharia, pela obra do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Alves, no entanto, sustentou no depoimento uma versão difícil de acreditar, pela qual os US$ 829 mil – equivalentes a R$ 2,3 milhões – foram movimentados na conta por outras pessoas, sem seu conhecimento. Se Henrique Alves ainda fosse ministro, Temer teria a incômoda incumbência de corroborar essa historinha. Foi para evitar desgastes assim ao presidente que Alves deixou o governo em junho do ano passado, logo que ficou claro que ele seria um investigado com muitos pontos a esclarecer.
Michel Temer já sabe que, no momento em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviar ao Supremo Tribunal Federal as dezenas de pedidos de abertura de inquérito contra ministros e políticos aliados como desdobramento das delações da Odebrecht, sua gestão enfrentará a mais grave paralisia. O presidente estabeleceu como regra que apenas ministros denunciados deverão deixar o governo, justamente para proteger gente mais próxima como Padilha, mas já confidenciou a aliados que espera que ao menos um ou dois auxiliares peçam licença ou afastamento de seus cargos para se defender das acusações que virão à tona com os pedidos de investigação. Esse não será necessariamente o caso dos dois principais auxiliares presidenciais – Padilha e Moreira Franco, da Secretaria-Geral –, mas o Planalto dá como certo que eles passarão a ser formalmente investigados na Lava Jato. Como principais pilares do núcleo do governo, ficarão um tanto fragilizados para tocar as articulações políticas de Temer.
A principal dificuldade do Planalto nesse cenário será contornar o jogo duro feito pela base aliada já nos primeiros passos da reforma da Previdência no Congresso. Os próprios deputados de partidos da coalizão de Temer rejeitam pontos centrais da proposta enviada pelo governo, em especial a exigência de uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria. Difícil de aprovar em qualquer circunstância, uma mudança na Previdência faz de um governo enfraquecido alvo fácil de pancadas e chantagens de parlamentares. Entre os rebelados do momento estão deputados do PMDB de Temer. O partido reclama da perda de espaço – ministérios com verbas – e interlocução com o Planalto – liberação de cargos e recursos para seus redutos. Para acalmar a base, Temer pediu a seus auxiliares que agilizem a liberação dos desejados cargos e emendas, em especial para os peemedebistas. Com o afastamento temporário de Padilha, principal artífice da reforma e um especialista nesse tipo de negociação, Temer deslocou para a linha de frente da articulação política o ministro Antônio Imbassahy, da Secretaria de Governo. Indicado pelo PSDB para o cargo, Imbassahy foi promovido a peça central desse processo e ganhou a confiança de Temer – tanto que foi um dos poucos auxiliares que visitaram o presidente em seu recluso descanso de Carnaval na base militar de Aratu, na Bahia.
As cúpulas do Congresso e do Executivo apostam na pequena melhora econômica que muitos divisam no cenário como um antídoto para a crise política. Na leitura de políticos do comando do Congresso, a Lava Jato ganhou a opinião pública, especialmente da classe média, devido ao descontentamento provocado pela crise econômica que assola o país. Para os dirigentes, os integrantes do Ministério Público Federal trabalharam a imagem de que a corrupção é a principal responsável pelo baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), desemprego e inflação. O desejo é reverter esse cenário e mostrar que a aprovação das reformas é a principal saída para a crise, e não simplesmente a apuração dos atos de corrupção cometidos por agentes públicos e empresários.
A ampliação do prestígio e do espaço do PSDB no governo é parte da estratégia de reforço das vigas de sustentação de Temer no poder. Na quinta-feira, dia 2, o presidente acertou a indicação do senador tucano Aloysio Nunes Ferreira para o Ministério das Relações Exteriores, em substituição a José Serra, também citado na delação da Odebrecht, que deixou o cargo por problemas na coluna. Tudo foi acertado com a cúpula do PSDB, incluindo uma série de conversas com o presidente nacional da legenda, Aécio Neves, e até aval do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Aécio, aliás, tem sido presença constante no gabinete presidencial do Palácio do Planalto e em conversas reservadas na residência oficial de Temer – a ponto de despertar ciúmes em alguns peemedebistas que já tiveram trânsito mais frequente com o presidente.
A queda em sequência de tantos auxiliares tão próximos do presidente da República revela o potencial estrago que a delação da Odebrecht ainda pode causar ao governo. Temer se vê isolado. Alguns dos principais ministros e assessores que assumiram o poder com ele em maio de 2016 estão fora de jogo. Agora, Temer tenta improvisar um novo núcleo de confiança. A tentativa mais recente foi a convocação do advogado Antônio Mariz de Oliveira, amigo de Temer, para ocupar uma assessoria especial da Presidência, sob o pretexto de cuidar da crise penitenciária e da segurança pública no país. Mariz chegou a ser convidado duas vezes para o Ministério da Justiça, que foi entregue a um deputado do PMDB, e foi cotado para a cadeira de Teori Zavascki no Supremo, que ficou com um nome filiado ao PSDB. Deve acabar no 3o andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete presidencial. A urgência de Temer ao tentar improvisar um amigo próximo no modesto posto de conselheiro é um sintoma do vazio de poder provocado pela Lava Jato.

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