Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 23 de março de 2017

Planejamento integrado de uso do solo e mobilidade é desafio no DF

Quinta, 23 de março de 2017
Da CLDF
Críticas ao foco histórico no transporte individual

A necessidade de um planejamento integrado de ocupação do solo e mobilidade foi consenso entre todos os participantes da comissão geral realizada na tarde desta quinta-feira (23), no plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Também foi consenso, contudo, que não é isso o que se vê no DF. Especialistas, secretários de governo e representantes da sociedade civil apresentaram desafios e sugestões para a cidade que é uma das mais dependentes de automóveis no Brasil.


"Planejar de forma integrada mobilidade e uso do solo já é quase um ‘mantra', mas não é o que acontece na prática. Ainda vemos os serviços como consequência da forma que ocupamos o território", disse o professor Paulo César Marques, do programa de Pós-Graduação em Transportes da Universidade de Brasília (UnB). No caso de Brasília, que é uma cidade "espalhada", a solução apresentada para a mobilidade é, quase sempre, a ampliação das rodovias. "Pensamos mobilidade de forma preguiçosa, para os veículos que dirigimos", provocou.
À frente do Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento (ITDP), entidade que desde 2009 procura pensar políticas para cidades inclusivas, a carioca Clarisse Cunha Linke estima que, em 20 anos, a população urbana deva dobrar e a área ocupada, triplicar. "A tendência é que se espalhem no território porque o carro permite", apontou.
A diretora do ITDP destacou a "realidade perversa que joga o pobre para a periferia" e o aumento na taxa de motorização "para fugir do transporte público, que não dá conta", aumentando os congestionamentos e reduzindo a qualidade de vida. "As pessoas se endividam para comprar carro e poderem acessar a cidade, mas isso não é mobilidade inclusiva", disse.
Ainda segundo Clarisse Linke, a indústria automobilística – que encontra no Brasil um mercado aquecido – tem investido em alternativas menos poluentes, a exemplo dos carros elétricos, o que não resolve o problema da mobilidade.
O secretário de Gestão do Território e Habitação do DF (Segeth), Thiago Teixeira de Andrade, lembrou que, nos últimos 100 anos, as cidades têm sido desenhadas para os carros e que o direito à cidade passa, necessariamente, pelo acesso à mobilidade. "Isso é, talvez, o maior articulador de uma revolução territorial", disse o secretário, para quem no DF a exclusão está "plasmada" em seu território. Ele reconheceu o desafio e frisou: "Não há política de mobilidade possível sem enfrentar o uso do carro".
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Célio da Costa Jr., também criticou a lógica das cidades voltadas para carros. "As dimensões urbanas seguem essa lógica, os desenhos das cidades revelam que 70% do espaço público é dedicado ao carro", ressaltou.
Para vários participantes da comissão, como o porta-voz da Rede Sustentabilidade, José Gustavo Barbosa, é preciso uma mudança cultural: "O carro não deve ser símbolo de desenvolvimento. Uma cidade rica não é onde pobres têm carro, mas onde os ricos andam no transporte público".
Transporte público – Além dos altos preços e dos horários de funcionamento do transporte público, foi levantada a questão do acesso aos meios coletivos e da qualidade do serviço. Segundo Clarisse Linke, apenas 17% da população mora há 1 quilômetro de algum ponto de transporte público. Desses, 25% pertencem às classes sociais mais favorecidas, e apenas 11% aos mais pobres.
No que diz respeito ao nível de satisfação com o serviço, pesquisa da FGV revelou que 82% dos brasilienses entrevistados estão insatisfeitos (27%) e muitos insatisfeitos (55%).
Buscas de soluções – "A imobilidade tem colocado ameaças a todas as cidades. É um tema fundamental que deve ser motivo de preocupação da sociedade, do governo, da Academia e da Câmara Legislativa, que deve dar a sua contribuição", defendeu o deputado Chico Leite (Rede), que presidiu a comissão geral. O distrital disse que a Casa deve criar um grupo de trabalho para tratar da mobilidade e da ocupação do solo de forma integrada.
Também presente ao debate, o presidente da Câmara, deputado Joe Valle (PDT), reforçou a importância da participação da população no processo de construção de soluções para a questão.
A coordenadora-geral da ONG Rodas da Paz defendeu a superação do "debate dicotômico" que envolve o "purismo" da preservação do patrimônio e as empreiteiras. "É preciso se apropriar da vida para além da maquete planejada", pregou. Na mesma linha, Clarisse Linke argumentou: "Brasília não pode ser intocável se não cumpre função social".
Como sugestão para ajudar a solucionar a questão, o presidente do IAB, Célio Melis Jr, defendeu a superação do uso residencial exclusivo, de forma a aproximar moradias e trabalho. Segundo o secretário Thiago de Andrade, a multiplicidade de usos é uma possibilidade em avaliação na Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) e no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB).
Já o subsecretário de Mobilidade do DF, Eduardo Rodrigues, listou o que tem sido feito pela pasta. Até junho, segundo ele, o governo deve encaminhar para Câmara Legislativa um projeto de lei tratando do transporte a pé e outro sobre a integração da bicicleta aos demais modais. Além disso, ele adiantou estar em elaboração uma proposta para implantar um sistema de carros compartilhados. Por fim, o secretário citou a implementação de um programa de segurança viária visando a reduzir em 37% o número de mortes no trânsito no DF até 2020. Segundo informou, em 2016 foram registrados 400 óbitos.
Denise Caputo - Coordenadoria de Comunicação Social